“La penúltima bondad” de Josep Maria Esquirol

“La penúltima bondad. Ensayo sobre la vida humana” trata-se de uma obra que data do ano 2018, editada em Barcelona pela Acantilado e ainda sem tradução para português; esperamos que tal possa acontecer não muito longe no tempo.

Após termos lido A Resistência Íntima: ensaio de uma filosofia da proximidade, o pensamento de Josep Maria Esquirol continuou a interpelar-nos, tendo prosseguido na descoberta, tranquila, de alguém que, neste mundo tão palrador segundo a qualificação de Fernanda Bernardo, indaga o presente e escopa a esperança com mãos extremamente cuidadosas e atentas. La penúltima bondad. Ensayo sobre la vida humana não está ainda, portanto, traduzido para português: para que a ele tenham acesso será necessário solicitar o envio a partir da editora espanhola, o que é simples, seja directamente com a Acantilado, seja através de interposto meio, por exemplo, de uma livraria. A relação estabelecida com La penúltima bondad foi para nós intensa, pelo que entendemos continuar a acompanhar estreitamente o pensamento de Josep Maria Esquirol, dando-vos simultaneamente disso notícia.

À semelhança de A Resistência Íntima muitas são as pontas por onde se poderia deslaçar um pensamento que, além de defender a geração, é ele próprio gerador; aliás, existe um “léxico” primordial que fertiliza o pensamento e a escrita de Josep Maria Esquirol – geração/gerar, criar, florescer, crescer, nascer, começar, ampliar, perseverar … Porque não queremos hipostasiar a vida de La penúltima bondad. Ensayo sobre la vida humana numa grelha aérea cujas garras poderiam vir a prender o/a leitor/a, antes advogamos pelo arabesco, imagem-metáfora que nos aparece claramente ao ler La penúltima bondad, que, não por acaso, é a “penúltima”, ou seja, incide no inacabamento. Tal inacabamento sugere-nos enunciar um contraste que se perfila também ele claro no pensamento de Josep Maria Esquirol, quando contrapõe a pós-história à vida e ao humano: se a primeira formaliza uma tumba, já para o segundo caso aparece o denominado arabesco contínuo, precisamente relacionado com os fertilizadores essenciais antes indicados, e que agora repetimos: geração/gerar, criar, florescer, crescer, nascer, começar, ampliar, perseverar… A pós-história, que Josep Maria Esquirol radica em Hegel e em Kojève, é obreira da ideia de fim da história onde se repetiria um domingo eterno – “Eran las seis de la tarde de un domingo” (p. 74) –, e incuba uma circunstância de tédio atroz para o que alerta o filósofo: “[…] tedio es la mínima vitalidad, la mínima pasión, la mínima ilusión. No es la muerte, pero sí la difuminada sombra de la nada. Y tal sombra está presente tanto en la escena edénica como en la posthistórica; es una sombra que aparece muy especialmente en las hipotéticas situaciones de plenitud” (p. 81).

Correlacionada com a ideia obstada de fim, da história, aparece a de um início em que se teria observado uma “queda”, mormente em relação ao Paraíso: a queda do Paraíso, para Josep Maria Esquirol, não está no início e afigura-se condição ontológica permanente, pelo que o Éden se apresenta, como afirma, “Imposible” (p. 69). Assim, o filósofo enuncia a sua hipótese ancorada na tenacidade de um olhar atento: “mejor no estar ni en el paraíso ni en la tarde inacabable del último domingo de la historia. Ambas situaciones se nos revelan igualmente inhóspitas y asfixiantes, amén de imposibles” (pp. 69-70). Portanto, contrapõem-se ao paraíso e ao último domingo da história, a vida e o humano.

E a vida e o humano, para Josep Maria Esquirol, par sintetizado na “vida humana”, são sobretudo vitalidade, onde se fazem sentir ecos de Friedrich Nietzsche, ainda que se apresentem diferenças tonais: esta vitalidade não deriva da vontade de poder, mas antes do que pode considerar-se uma potência de curar enxertada por “algún tipo de ternura, de calidez, de abrazo” (p. 184). O lugar da cura sugere-se através das “afueras”, condição do humano imediatamente introduzida na abertura de La penúltima bondad e reiterada ao longo da obra, donde se defende uma condição, e posição, ex-cêntrica para o humano. A decisão de Josep Maria Esquirol apresentar criticamente o pensamento de Nietzsche fica bem iluminada pelo encontro que descreve entre Zaratustra e “«El mendigo voluntario»” (p. 132), quer dizer, e melhor, entre Zaratustra e Francisco de Assis, fazendo notar que se o primeiro tivesse sabido receber bem, concretamente o elogio do segundo, então o anfitrião ter-se-ia encontrado com o hóspede de modo a conversarem, placidamente, com a águia e a serpente, “ambas absortas en el rosto de su interlocutor” (p. 138). Porque o mais valioso é, sombra de dúvida, dar, para o que se exige vitalidade e força, de acordo com a defesa, tanto de Nietzsche-Zaratustra, como de Francisco de Assis, ou de Josep Maria Esquirol.La penúltima bondad. Ensayo sobre la vida humana, como se enunciou, vive nas “afueras” e, como Josep Maria Esquirol defende, “Aquí, en las afueras, el mal es muy profundo, pero la bondad todavia lo es más. Aquí, en las afueras, nada tiene más sentido que el amparo y la generosidad. Aquí, en las afueras, no sólo vivimos, sino que somos capaces de vida.”

Josep Maria Esquirol – La penúltima bondad. Ensayo sobre la vida humana. Barcelona: Acantilado, 2018.
© Fotografia: Manuela Brito

Já recebe a Mutante por e-mail? Subscreva aqui