MARC CHAGALL: o pintor que nunca nos engana

Nasceu na Rússia Imperial no ano de 1887, 6 de Julho, e morreria em Saint-Paul-de-Vence, França, no ano de 1985, 28 de Março: e hoje vem auxiliar-me na construção da fábula das galinhas.

Chagall lembra-nos sem dúvida céus revoltos, malas voadoras, cabras sonhadoras, vacas azuis, casais apaixonados e casas que habitam no coração do Mundo, aldeias infantis, sempre, e, ainda, a música. Mas a verdade é que Chagall também nos deixou os Sete Pecados Capitais: menos coloridos. Certamente nos recordaremos destes sete pecados: avareza e/ou ganância; inveja ou cobiça; ira e/ou raiva; luxúria; gula; preguiça; soberba e/ou orgulho e/ou vaidade; é ao último que irei agora prestar atenção, mormente, na bela gravura espelhado e por Marc Chagall riscado nos anos 20 do século XX. E porquê a soberba e/ou o orgulho e/ou a vaidade? Porque este pintor dos olhos de amêndoa, doces, tão doces, aqui o deixou para o tempo restante como figurado num senhor galo emproado, e secundado pela galinha prestimosa. Apesar da diferença de tamanhos – de galo e de galinha, correspondente, sabemos, a uma discrepância simbólica assinalável, será sobretudo à/s galinha/s que votarei a minha atenção com uma fábula associada.

Agora tudo, tudo, quanto nos rodeia e rodeará, pode ser subsumido na velha máxima, herdada de avós para netos, de que se procurará achar a verdade simplesmente atendo-nos à seguinte questão, urgente: quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? É uma questão antiga, mas é agora que ela se coloca com toda a sua pujança ao Mundo. Pois será. Quem errou primeiro, a direita ou a esquerda? Quem errou mais, a direita ou a esquerda? Como o tempo contemporâneo se distende infinitamente, corolário de galáxias espaciais intermináveis, a tarefa, de desígnio razoável, para encontrar uma resposta válida, demorará tempo suficiente para provocar o cansaço e o tédio. 

O cansaço e o tédio possibilitam reunir as condições ideais e necessárias para se proceder a algum flashback, e como sociedade cinemática auxiliada do presente infinito, sem futurar o passado, e numa espécie de pista de gelo bem aberta, eis que se descobrirá que ainda ontem andava tudo a ver onde é que a galinha punha os ovos. Claro que os ovos de ouro eram só para algumas pessoas, e toda a gente o sabia muito bem, pelo que a cada um/a o seu ovo, e toda a gente os procurava, e acotovelavam-se as pessoas, e passavam à frente sem pedir licença, entre outras coisas não muito bonitas, mas que aqui devem ser relembradas, a bem dos ovos. Com um pouco de boa vontade, mais cansaço e tédio, também se poderá reconhecer que durante um período mais ou menos longo se colocou outra questão que avassalou o Mundo: mas por que razão não têm as galinhas dentes? Escreveram-se tratados, teorias, artigos, cruzaram-se espécies, mas a verdade é que as galinhas continuaram a não ter dentes, e até se aventava a dúvida, por exemplo, de, se viessem a ter dentes, fossem ainda capazes de pôr ovos. E, não se esqueça que andava tudo a ver onde é que a galinha punha os ovos. Pelo que se chegou a um impasse: havemos de querer os ovos da galinha ou que esta venha a ter dentes? 

Na verdade, este impasse não é preciso que seja superado porque de repente o cansaço e o tédio acabaram. Mas como? Foi de repente. O que se sabe, por enquanto, é que aguardam os resultados decisivos de uma votação que pode colocar tudo em frangalhos, e aí: mais nenhum galo cantará. Assim, também, as galinhas não serão galadas e não haverá ovos. É caso para se dizer que, nessa altura, já não poderão contar com o ovo no cu da galinha…

Marc Chagall: o pintor que nunca nos engana.


© Imagem de entrada: Chagall, Marc (sem data) “Os sete pecados capitais”

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