Que a arte tenha impacto no social e desempenhe um papel principal no xadrez da vida é algo sempre em equilíbrio instável…
(N)A arte passa o ar através da obra que dá a ver, especialmente, o invisível de facto. A obra de arte é, pois, um passador muito concreto e os passadores são constituídos por uma malha: esta tem, simultaneamente, o visível e a abertura que dá a ver, o invisível. Na pintura do Renascimento coava-se a realidade com precisamente uma grelha semelhante a um passador; sabe-se que a arte moderna prescindiu deste passador porque, em parte significativa, deixou de olhar para o exterior até ao ponto de repudiar a captação a olho nu. Se o quadro – alegoria para toda a obra de arte, cegou, como escreveu e bem José-Augusto França, é porque os olhares que o construíram se recolheram dentro do corpo do/a artista. E este é um caminho claro, passível de ser localizado na arte moderna; pode não ser o único, mas é sem dúvida o mais evidente: criar a partir do que está dentro. Giacometti, por exemplo, conheceu a desadequação pelos surrealistas por esculpir e desenhar à vista. Com efeito, as visões interiores passaram a dominar na arte.
Tal circunstância, ou seja, este deslocamento do exterior para o interior, naturalmente será responsável pela atitude disseminada que imputa as opiniões e construções relativas ao visível aos sujeitos – é comum, creio, e numa discussão, remeterem-se as diversas posições para uma radicalidade pessoal, sem que esta seja aferida pela exterioridade inerente ao real. Sem dúvida que a consideração, e respeito correlativo, de uma postura que tem em conta as posições radicadas é saudável, porque até historicamente resgata uma usurpação pelas ideologias que diluíram diversas subjectividades; no entanto, em qualquer tempo e em qualquer lugar, o ser humano resulta do cruzamento de coordenadas que se traçam, tanto dentro, como fora. Afastando a telepatia, detectável em casos muito raros de entendimento sensível, eis que temos: o que vemos por direito; o que pressentimos no que vemos – tudo devidamente replicado pela totalidade da população, digamos, o que faz exalar para a atmosfera um ar. E, assim, é como se o próprio ar tivesse mensagens que se propagam, exigindo-nos que procedamos como uma espécie de pêndulos.