“Two Figures” / Bacon e …

Francis Bacon pintou “Two Figures” em 1953, vendeu a pintura a Lucian Freud numa circunstância em que necessitava de dinheiro e este recusou-se a disponibilizá-la para sucessivas exposições, sendo apenas vista após a morte de Freud, o que ocorreu em 2011. 

Uma luta.

Dois homens.

Quiçá, sadomasoquismo.

Sexo.

Também o desejo.

A violência.

O sangue.

A morte?

Instintos.

“Two Figures” terá como fogo alimentício uma série de fotografias de homens nus a lutar, da autoria de Eadweard Muybridge e publicadas na década de oitenta do século XIX. Francis Bacon sempre criou tendo a fotografia no centro das suas invenções e, por outro lado, sempre a própria criação se alimenta de pedaços de obras, ou melhor, da sensação e da vibração que outras criações têm sobre os/as artistas. Aliás, não reivindicou o Renascimento um mergulho na Antiguidade Clássica e a sua consequente reabilitação? Portanto, não é estranhar que o passado se infiltre na criação: todos e todas nós estamos, de uma maneira ou de outra, sugestionado/as. Mas o que vem como já não defensável é alguém, autor de um livro/de uma reflexão ou criador de uma obra de arte na nossa atualidade, vir dizer que está tudo já escrito ou já criado. Até porque, sabendo que o marketing de hoje é feroz e exige o compromisso de uma implicação nas plataformas de aparecimento, vemos os escritores e os artistas a divulgarem o seu trabalho amiúde. Pergunto: são eles, encarnados, ou convidam Platão, Heidegger, Alonso Cano e Francis Bacon, por exemplo? Resposta: são eles, encarnados. 

Exige-se aqui uma clarificação e uma humildade. Primeiro: se não acreditam no que estão a fazer, então, não o façam. Segundo: tenham a consciência de que estão a escrever ou a criar em nome próprio, e que essa é a realidade desamparada do nosso propósito na Terra. Em termos civilizacionais as mulheres, por exemplo e como sujeitos encarnados, tiveram de lutar para que o que escrevem e o que criam pudesse vir assinado com o seu nome, próprio e intransmissível; e secularmente, quando o quiseram fazer em diversos momentos da História, foram ostracizadas, desterradas, assassinadas, sujeitas a disfarce e a pseudónimo, ridicularizadas, silenciadas. Sobre esta violência civilizacional e de impacto sectário alguma coisa deve ser dita em favor das mulheres e os homens, porque sempre lhes foi possível incorporar a cultura, como se vê em “Two Figures” de Francis Bacon, devem fazer um esforço para discernir como estão mais à vontade dentro da/s herança/s culturais. Atualmente, várias estão a ser as formas de repor um equilíbrio entre homens e mulheres no que respeita à visibilidade do seu trabalho, o que vem como correto. Por outro lado, não existe uma medida exata para aferir o impacto de uma reflexão ou/e de uma obra de arte, e existem aquelas cujo fogo alimentício nunca em vida dos/das autores/as vai ser reatado para continuar assim a sua vida e perpetuar o seu gesto primordial.

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