“All them swines”

A proposta de João Maria Gusmão estará patente na galeria da Escola das Artes da Universidade Católica – Porto até ao dia 14 do próximo mês, Março, e tem curadoria de Nuno Crespo.

Esteve esta proposta exposta em duas ocasiões anteriores, com o título de Animal Farm: 99CANAL, em Nova Iorque; Galeria Zé dos Bois, em Lisboa. Agora assume-se como All them swines, pese embora a peça central em torno da qual gravitam as imagens-satélite seja, ainda, e sempre, a obra adaptada de George Orwell para filme, autor a quem é dado um banho de portugalidade e ganha o nome de Jorge Aurélio. Entretanto, e após as duas anteriores ocasiões de exibição, as imagens-satélite que rondam e inquietam o desenho animado original a que se adiciona o tratamento delicodoce de João Maria Gusmão, viram o seu número decrescer, o que não deixará de contribuir para uma instalação mais rarefeita, pese embora perfeitamente encaixada no contexto e geografia da galeria da Escola das Artes.   

Vi esta exposição com interesse e curiosidade, levei comigo um livro de Simone Weil – Reflexões sobre as Causas da Liberdade e da Opressão Social, tive oportunidade de trocar com João Maria Gusmão algumas palavras e indiquei-lhe uma passagem deste livro que me parece cruzar admiravelmente a reflexão subjacente a All them swines. E este é o paratexto da agora reflexão que intento partilhar convosco sobre a gruta escura que All them swines também preconiza, ou seja, a quinta dos animais vem cravada numa ambiência negra que, pese embora, ainda que assinale com veemência a estridência das imagens projectadas pelas máquinas sexy e vintage e brilhantes, cria simultaneamente algo da ordem da opressão. 

All them swines é uma proposta densa de pan-textualidade que agrega: o que se expõe, um postal com imagem e texto, uma folha de sala e uma edição na forma de jornal que remonta a 7 de Setembro de 2024, por ocasião da exposição Animal Farm na Galeria Zé dos Bois. Mas as notícias não são animadoras, já que o poder – centro nevrálgico da imersão de João Maria Gusmão, vindo exercitado de diversas formas e valendo-se de quase infindos recursos, vai carcomer o corpo dos homens e das mulheres, fixar-se-á nos trópicos tristes, criará montras eficazes para as emoções, murchará as flores e azedará a fruta. O poder, o contra-poder, os jogos de poder, as alianças que se firmam para fazer alastrar o poder, e o contra-poder: tudo regurgitado por forças desagregadoras e destruidoras. 

Se a minha permanência na exposição se pautou pela adequação, ou seja, por alguma serenidade na fruição, pela leveza da conversa com o artista, pela deambulação através dos espaços, o certo é que à medida que me afastava da Universidade Católica do Porto, e logo durante a viagem de regresso a casa, se instalaria uma estranheza assinalável. Acto contínuo, passava a ecoar na minha mente o título de um livro de Gabriel García Márquez – Memória das Minhas Putas Tristes, que, aliás, não li. Realmente intrigada fui indagar da história do livro e, na verdade, fiquei, tanto esclarecida quanto às ligações com All them swines, como com a capacidade de fazermos ligações ainda que inconscientes, extremamente lógicas. E eis que esta ligação foi a chave para recobrir aquela gruta escura adornada pelas máquinas desejantes e pelas imagens plásticas do carácter de prostituídas, como apenas pode ser o poder – que é, então, o mais exacto exercício da prostituição. 

Concluí: apenas amar salva. Não é o amor que salva: é quem ama que salva.