Na Curva d’Arquitetura / Oscar Niemeyer

Ajeitar a folha de papel pela enésima vez.
Ignorar esse papel e começar logo no virtual, num docx ou doc. Voltar à folha de papel, concreta, como o concreto armado.
E a caneta bate, nervosa, as palavras não riscam o papel.
Quais as palavras acertadas?
E se a emoção toldar o discurso?
E se ficarem esquecidas palavras?
E se para um nome tão grande sair um texto tão pequeno?
Inspirar e ganhar fôlego, feito. Urge soltar a mão para riscar e há que escrever o nome de quem se fala e cita: Oscar Niemeyer.


© Sede das Nações Unidas, Nova Iorque. UN photo/es/ United Nations, New York

Esboçar palavras associadas ao nome: genialidade, arte, arquitetura, único, estrutura, mulher, curva, planalto, desenho, excecional, imaginação, beleza, ideia, identidade, espaço, invenção, assinatura, singular, natureza… Pausa. Concentrar. Escolher um foco, do arquiteto de mil focos. E deixar ser este um texto despretensioso e sentido de uma arquitetura tão sentida. Pampulha e Brasília ecoam no pensamento, sempre. Niterói poisa no olhar, eternamente. Constantine e Nova Iorque guardados na memória, o Rio na identidade… E a Casa de Canoas que Gropius observando disse que não era multiplicável. O traço de Niemeyer não quer ser multiplicável, é singular porque é isso a sua arquitetura. Algo único, notável. Algo tão seu. Sempre teve como premissa o ser diferente, o criar surpresa e ela ser bonita. Sim, bonita. A palavra não é das mais eruditas do dicionário, mas existe e é, bonita. É genuína como a arquitetura de Niemeyer e ele diz “procuro fazer bonito, diferente”. Talvez no mundo literário de Jorge Amado se dissesse que arquitetura d’Oscar é moça bonita.


© Palácio do Planalto, Brasília; por Roberto Stuckert Filho; pr. Fonte planalto.gov.br

Moça. Nova palavra simples, cheia de curvas, porque de curvas é feito o seu traçar, “De curvas é feito todo o universo. O universo curvo de Einstein”, das curvas da mulher “porque sem mulher não há razão para o homem viver”. É isso, viver. Oscar Niemeyer vive(u) o seu ofício e preenche o espaço dos espaços com viver. Vive(u) a liberdade porque a sua arquitetura é forma livre, não presa pela função. Por isso, a regrada e multiplicável Bauhaus, das formas simplificadas e do funcionalismo extremo, nunca foi a sua praia. A praia de Niemeyer é carioca, livre como o samba. Realinhar o pensamento. Olhar o planalto brasileiro, procurar um ponto de fuga. Esquissar sem medos.


© Palácio da Alvorada, Brasília; por Ichiro Guerra; pr. Fonte planalto.gov.br

Não há medos no desenho de Niemeyer porque ele não tem medo de ter ideias, de criar e ousar. De desafiar o ângulo reto com a sinuosa curva, de ser arquitetura em estado de arte. Não tem medo da matéria que cresceu com ele, o betão, o concreto no seu falar. Explorou a plasticidade da matéria, experimentou-a e deu-lhe nova arquitetura mais limpa, plástica e vazada: com curvas. Até nos vazios curvos do seu universo há Niemeyer. O espaço, vazio ou cheio, é espaço das suas atenções. Como? O lugar dos outros? O espaço dado à troca dos saberes? Que aulas devem ter sido as conversas desenhadas a várias mãos com Corbusier ou Lúcio Costa, ou as observações trocadas com Gropius, os chamados de Kubitschek, as leituras meditadas que fez de Malraux ou Baudelaire… Só assim a arquitetura pode nascer como uma flor e ser natural. Só assim pode ter silhuetas raras, ter tangentes excêntricas, ser maior e monumental, mais pequena e inesquecível.


© Interior da Catedral Metropolitana de Brasília, Brasília; por Daderot (CCO 1.0 Universal)

Desenhar a saída, sem querer sair, sem querer deixar ir. Resume-se, quase tudo, a uma mão que nunca precisou de legenda, a um marcador negro de tampa ausente, a uma postura determinada e uma convicção inveterada. Resume-se, quase tudo, à genialidade da ideia, à capacidade inata de ser invenção, de Niemeyer inventor. Resume-se, quase tudo, a nova arquitetura, a um novo ser arquiteto, a ser ímpar e belo. Resume-se, tudo, a um estilo Oscar e um movimento Niemeyer.

Se alguém vai em Brasília eu digo ‘olha você vai a Brasília você vai ver a arquitetura de Brasília, os palácios, você pode gostar ou não deles, mas você não vai poder dizer que viu antes coisa parecida’”.


© Desenho de Oscar Niemeyer, Brasília

Poisar a caneta que já não bate, nervosa. Não escrever as palavras esquecidas, não corrigir nada, não dizer mais nada. todo o texto será pequeno para o nome tão grande. Arrumar a folha rasurada, riscada e insignificante. Levemente, inspirar. Olhar sem pontos nem fugas, nem tempo marcado. De olhos marejados deixar de vez a emoção toldar o pensamento. Fechar os olhos e ver melhor as curvas, os planos, as cidades, os palácios, as sedes, os doutos saberes, os memoriais, os manifestos, a (não) fé, as casas como a casa de Chico Buarque… E saber que há Oscar Niemeyer, sempre.

+ Fundação Oscar Niemeyer
© Oscar Niemeyer. Crédito UN photo / 18 april 1947 / New York, U.S.A.. Architectural Planning of United Nations Permanent Headquarters.

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