Desafio. Convite. Jantar. Muito conversar. São Fado de Coimbra e improviso. São tradição e originalidade. São novo Fado embalado. Na cidade de Coimbra, nasce uma nova aventura na música que tem, no seu Fado, suas raízes – Ricardo Dias Ensemble. Querem levar o Fado de Coimbra, tão ligado à academia, mais além, dando-lhe leveza única sem perder aquele travo de capas negras que, para quem aprendeu a dizer saudade, é mais especial. Do jantar nasce esta introdução à primeira aventura que Os Cinco na Coimbra Contemporânea vão editar. Passa-se tudo em torno de uma mesa; à cabeceira ficou o mestre, diretor artístico. É ele que comanda esta trupe, sem algazarras. Traçou um plano, convocou as hostes e…
Fotografia: José Melo
… Dão novo arranjo ao Fado de Coimbra partindo das suas bases, experimentam novos sons que deem destaque à sua poesia e música tão características. Porquê reinventar o Fado de Coimbra?
Ricardo J. Dias (RJD): Há dois anos o Ricardo dias disse que gostava de fazer um disco com o nome: Ricardo Dias Ensemble. A ideia vem de termos em comum o nome, vivências e de tocarmos juntos no À Capella. Ficou a sementinha. eu não tocava Fado de Coimbra, comecei a tocar na Capella e logo inclui instrumentos que não são comuns a este Fado: acordeão, piano. Fui adaptando a linguagem ao Fado e percebi que ia resultar. depois, como também já trabalhava com o Bernardo Moreira, era só juntar dois mais dois. O Bernardo tem alguma afinidade com Coimbra e já tinha feito um disco sobre Carlos Paredes; não esquecer o Ni Ferreirinha que me massacrava a dizer ‘temos de fazer um disco’. Resolvemos fazer um disco com arranjos diferentes, com abordagem diferente. Um projeto sólido de música que versa sobre Coimbra, mas que é, antes de mais, música portuguesa.
Cinco elementos na base. Cinco a Coimbra ligados. dois com o mesmo nome. Três com nome diferente. a soma é sempre cinco. Como se juntam?
RJD: Eu, o Ricardo e o Ni somos o trio inicial, tocávamos juntos na Capella (da qual somos sócios); o Bernardo arrastei-o eu, já conheço e toco com ele há muito tempo. O Zé foi sugerido e nem foi preciso avaliar. Foi consensual. Era a pessoa indicada para o cargo, pela presença de palco e expressão. Normalmente, a forma de cantar o Fado de Coimbra é um bocadinho operática e o Zé é tudo menos isso, é natural, tem uma expressão fantástica. O disco tem uma série de convidados, mas tem esta estrutura base definitiva que somos nós os cinco.
Ni Ferreirinha (NF): Zé, porque aceitaste o convite?
Zé Vilhena (ZV): (risos) Era impossível recusar. Para quem canta, começar a fazê-lo com gente da vossa envergadura torna tudo mais elegante e sensível. Posso dizer que subir a um palco convosco torna-se fácil, são um apoio único.
Fotografia: José Melo
Para a aventura deste ensemble estão alinhados os seguintes protagonistas: Ricardo J. Dias (acordeão e piano / diretor artístico), Ricardo Dias (guitarra de Coimbra), Bernardo Moreira (contrabaixo), Ni Ferreirinha (guitarra clássica) e José Vilhena (voz). Que mais valia traz cada um de vós?
RJD: Do ponto de vista musical é um projeto sólido, ouves e é coeso, sem falhas. É muito bem tocado e foi arquitetado para isso. O Ricardo tem um som fantástico, está em forma. O Zé está com a voz no ponto perfeito. O Ni é fulcral, é ouvires uma viola inteligente e harmónica, na respiração e nos tempos. O Bernardo tem uma capacidade de improvisação fora de série.
NF: O Ricardo J. não falou dele próprio, mas eu falo. Para se fazer diferente de tudo o que foi feito até agora, no Fado de Coimbra, quer musicalmente quer na produção, tinha de ser com o Ricardo. A estética musical dele é maravilhosa e perfeita para renovar o nosso Fado. É musicalmente consolidado e reconhecido. É o diretor artístico pelo seu know-how, carreira, pelas pessoas que trouxe para o grupo. Outro ponto forte é o outro Ricardo, genial na guitarra. eles são os dois pilares.
ZV: Tu não imaginas o conforto que é para quem canta. O que tenho agora é uma coisa que não consigo explicar. Tenho um apoio completo musicalmente, o cantor está muito exposto e aqui, isso é atenuado.
Músicos consolidados no seu instrumento, com segurança suficiente para visitar novos arranjos.
RJD: Sim, não estamos presos a um estilo, podemos ir mais além. É esta a grande diferença.
O alinhamento passa por José Afonso, Edmundo Bettencourt, Carlos Paredes… Há alguma teoria na escolha do vosso alinhamento ou foi apenas por serem as músicas que mais vos encantam?
Ricardo Dias (RD): Nas instrumentais foi por alguma rotina. Já tocávamos há muito e em conjunto gostávamos de tocar temas de Carlos Paredes e um do avô, Gonçalo Paredes. Depois também foi em função dos cantores, Zé e convidados, que tiveram uma palavra a dizer.
NF: Quem nós fomos buscar, além do Zé, são também sócios da Capella, o que nos faz identificá-los com músicas. Estão habituados a interpretá-las, dá segurança. Este é o nosso primeiro trabalho, com o claro objetivo de passar fronteiras. não queríamos temas complexos. Muito do nosso potencial público, lá fora, vai ter o primeiro contacto com este reportório connosco, se oferecemos logo o erudito… Vamos levar o que mais se associa a Coimbra. Temas emblemáticos, que nos permitirão dar o salto em frente…
RD: …para algo novo.
Fotografia: Henrique Patrício
Na sua história, Fado de Coimbra está embrenhado no mundo de capas negras, nos tunantes. Vão trazer essa estética ou há um desligar das capas?
ZV: A capa fará parte obrigatória do espetáculo, em dois ou três temas. Ela faz parte da cultura, simbologia e matriz da cidade, é incontornável. Todavia, vai ser usada de forma leve e não clássica.
NF: Durante os concertos teremos a parte lúdica a explicar a capa. Há esse propósito. Nos temas mais clássicos, em que entra a capa, será explicado ao público a sua ligação à cidade, à aca- demia. Não vamos tocar música a seco. Queremos chegar ao fim dos concertos e deixar luzes de Coimbra.
“Coimbra” é o nome escolhido para o vosso álbum de estreia. Porquê escolha tão simples?
RJD: Temos de começar por algum lado: critério da simplicidade, com muito trabalho dentro. este tipo de música não é conhecido lá fora. Quando dizes Fado remetem para Lisboa. Assim, queremos ser divulgação e música.
RD: É o ponto comum a todo o nosso contexto.
NF: De repente, aparece um Ensemble que pode ser tudo o que tu quiseres, de onde quiseres. Tinha de haver uma leitura rápida à música de Coimbra e o nome diz tudo. Somos de Coimbra, projeto de Coimbra, guitarra de Coimbra e música base de Coimbra. Daqui a uns anos criamos outros nomes!
Bons sons! •
+ Ricardo Dias Ensemble
© Fotografia capa: Henrique Patrício