“Tenho um universo vasto de leituras e se calhar misturo tudo isso na minha escrita.”
“Uma outra voz” é uma estória inspirada na vida de um familiar da autora, mas é também a nossa história. Desde a implantação da República ao 25 de Abril de 74, este livro é-nos oferecido pela voz de cinco personagens, de épocas distintas, que nos vão fazendo entrar na vida desta família, mas também na História de Portugal dos últimos 100 anos.air jordan 1 element custom kings jersey keyvone lee jersey jock strap blow up two person kayak sac à dos eastpak yeezy shoes under 1000 8 ft kayak jordan air force 1 stetson straw cowboy hats custom kings jersey air jordan 1 low flyease asu football jersey air jordan 1 low flyease decathlon bmx
Porque a distância era uma constante na vida de Gabriela Ruivo Trindade, e a família era feita de muitos parentescos, ela e os demais encontraram num blogue uma excelente forma de partilhar estórias, vivências, episódios reais que pareciam fantasias, dadas as aventuras, dadas as experiências. E assim surgiu um livro que tem uma árvore genealógica, estórias e ainda fotografias de tempos idos e que são, afinal, verdadeiras – estas representam a viagem que um tio-avô da avó da autora fez a Angola no final dos anos 20, do século passado, e que inspiraram parte deste “Uma outra voz”. E foi a partir daqui que começámos a nossa conversa.
Este livro tem uma parte biográfica, inspirada no tio-avô da sua avó.
Não se pode dizer que seja biográfico, o facto de ele ter sido republicano e de ter feito muita coisa por Estremoz, os cafés… Tudo isso é verdade. Mas esta é a uma personagem que foi inventada, embora com base naquela pessoa e tem em comum com ela este percurso de vida, mas existem outras completamente inventadas. Portanto, não é biográfico.
Mas as fotografias são efetivamente as de João Francisco, o tio-avô da sua avó.
São, e é engraçado porque é a única coisa que nós temos da viagem e, ao mesmo tempo, é a única coisa que é completamente real, digamos assim. No livro coloquei aquela introdução ao diário que estava um bocadinho queimado e uma caixa com fotografias, que seriam as da história, mas são reais, são o único fragmento de realidade.
Mas a personagem Maria da Luz escreve aquela carta e a Gabriela faz exatamente a mesma carta, só que assinada por si. Fez a carta e depois ‘deu-a’ à Maria da Luz ou a Maria da Luz fez a carta e a Gabriela ‘adoptou-a’?
A ideia surgiu-me ao mesmo tempo. Foi como se eu quisesse colocar ali um epílogo com os dois níveis: o da realidade e o da fantasia, porque a história é uma ficção e é a personagem da Maria da Luz que a está a ressuscitar das cinzas, mas ao mesmo tempo sou eu. Quis colocar ali as duas partes do livro.
Há ainda um segredo na história, relativamente à filha Lídia que, em qualquer um dos testemunhos não se percebe, e só o sabemos quando lemos a voz da mãe. Pelos olhos azuis, deduzimos que possa ser filha do padre.
Isso é um mistério. Em princípio, seria…
Em cada uma das vozes, há uma distinção muito bem feita a cada uma das personagens. A linguagem é muito diferente. E a sensação com que se fica é que cada uma delas poderia ter dado origem a um livro.
Também tive essa sensação quando estava a escrever, que era como se estivesse a fazer livros diferentes. Os capítulos eram muito maiores quando foram escritos e cada voz levou-me muito tempo a escrever. E a sensação que tinha, sempre que terminava uma personagem, era como se estivesse a fechar aquela história. São histórias separadas, o livro quase que se podia dividir em volumes, porque cada voz começa e termina ali.
Assim que se começa a ler um capítulo, percebe-se automaticamente qual é a personagem que está a falar. Mas isso demora um pouco mais no Álvaro, é preciso ir à árvore genealógica, fazer as contas e perceber quem é que tinha 24 anos no 25 de Abril. Foi buscar o Álvaro porque queria contar essa história que é relacionada com o 25 de Abril?
Essa voz surgiu-me sem ser planeada e surgiu-me de repente. Mas depois entrou muito bem na história, apesar de ser a única voz que nunca fala da personagem principal, é quase como se não houvesse ligação, porque o Álvaro nasce no ano em que o João Mariano morre. Mas completa muito bem a história porque é como uma ponte entre aquele núcleo familiar que gira mais em torno da mãe e dos dois filhos; entre um certo período de tempo mais antigo e um passado mais recente. O Álvaro é um futuro, embora para nós seja passado, porque através dessa voz sabemos o que aconteceu a muitas das pessoas que já conhecemos das outras vozes. Esta foi uma história que veio ter comigo. Mas é também a história da minha família. José Jorge, que serve de inspiração a esta voz, era meu primo. Esta cena aconteceu a 10 de junho de 78, quando houve em Lisboa uma concentração de extrema-direita, depois organizou-se uma contra-manifestação e houve um morto e o meu primo levou um tiro e ficou paralítico. E essa história acompanhou-me sempre, lembro-me da aflição da minha família, eu tinha 7 ou 8 anos, embora ele fosse distante de mim. Mas à medida que fui crescendo fui-me apercebendo mais da história. Em 2008, um primo meu lembrou-se de escrever no blogue da família sobre esse episódio de uma forma que me tocou muito, porque aquilo podia ter acontecido comigo ou com um amigo meu. Na altura eu já estava a escrever o livro e pensei que aquela voz tinha de entrar… Houve uma altura em que quase todos os dias eu ouvia mais uma história e pensava “mais uma voz para eu escrever” e assim o livro nunca mais acabava… Mas esta eu senti mesmo que tinha de entrar, mesmo que não tivesse tanta ligação à personagem principal.
O crítico literário brasileiro José Castelo disse que o livro tem uma escrita inquieta, porque mistura árvore genealógica com escrita com fotografia. Concorda com esta afirmação?
Precisava de perceber melhor o que ele quer dizer com inquieta. Este livro é todo muito misterioso e a minha intenção também é levar o leitor a questionar-se, por exemplo, aquela coisa de não eu dizer o nome das personagens. Eu gosto disso, gosto de dar trabalho a quem está a ler. Não gosto de revelar tudo e gosto de criar algum mistério. E acho que a minha escrita procura isso, procura interagir com o leitor, talvez seja isso que ele queira dizer.
O que lê habitualmente?
Leio várias coisas, leio muitos romances, muita ficção, muitos portugueses. Gosto do Gonçalo M. Taveres, Patrícia Reis, [José Eduardo] Agualusa, Mia Couto, Pepetela, Jorge Amado. Tenho um universo vasto de leituras e se calhar misturo tudo isso na minha escrita. Gosto muito de autores brasileiros e africanos de língua portuguesa e acho que sou muito influenciada por eles. Isabel Allende é outro nome de que gosto muito.
Engraçado referi-la, porque quando li o livro, fez-me lembrar o universo da Isabel Allende, com estas personagens tão fortes. Entra-se facilmente nesta história por isso, porque são densas, estão muito presentes.
Nos livros de Isabel Allende parece que quase entramos para dentro dos livros e é isso também o que pretendo, é como entrar no pensamento das pessoas. Este livro foi complicado por causa disso: o estar dentro da cabeças das pessoas. Pode ser fascinante, mas só se os pensamentos forem fascinantes, porque também pode não resultar. E eu queria realmente reproduzir o pensamento na sua arbitrariedade, porque nós não pensamos em linha reta. Neste livro, eu tinha pensado, às vezes, escrever determinadas coisas e acabei por escrever outras. Nesta terceira voz, tinha pensado que, apesar de Álvaro não ter contacto com o tio Mariano, a dada altura iria fazer referência, mas depois a história seguiu outro rumo. Senti-me muitas vezes a ir atrás do pensamento e talvez por isso esteja tão bem-retratado.
Há ainda a parte história muito presente: a implantação da República, o 25 de Abril, que é muito bonita, porque é contada sobre o olhar de um homem apaixonado e desiludido com esse amor e, de repente, sai para a rua e estão aquelas coisas todas a acontecer. Teve de fazer muita pesquisa ou a história da família foi suficiente?
Em relação à família, foi sempre através do blogue. Em relação ao 25 de Abril, fui ao YouTube e encontrei um vídeo daquele dia e as falas do Salgueiro Maia estão de acordo com a realidade. Vi também o filme de Maria de Medeiros, ‘Os Capitães de Abril’, e o 25 de Abril ainda está muito presente na nossa geração. Depois consultei jornais de Estremoz da altura da República e de Luanda para a parte de Angola. O trabalho maior foi juntar as histórias que a minha família ia contando, e eu ia sempre pedindo para me contarem mais.
O que é a sua família achou do livro?
Este ainda não o leram. Leram o anterior, porque à medida que fui escrevendo fui partilhando alguns excertos no blogue e alguns membros da família foram lendo, mas a reação ia sendo muito boa.
Este livro já tinha sido escrito e depois foi refeito.
Eu pedi uma opinião a uma pessoa ligada a uma editora, cá, em Portugal. E essa opinião veio no sentido de melhorar. A partir dessa opinião, fiz uma revisão que melhorou bastante e foi com essa versão que concorri.
Este prémio vai fazê-la apostar mais numa careira de escritora? Já tem ideias para outros livros?
Sim, já tinha escrito muita coisa, histórias infantis e não infantis. Penso que posso ir por aí. Outro livro não sei, tenho outras ideias, mas ainda são só ideias.
Escreve desde criança.
Sim, desde criança e depois continuei sempre a escrever. Nunca tinha feito isto, ter um livro acabado, mas tenho muitas histórias.
As personagens femininas deste livro são muito fortes e mesmo o José João é um homem fora do comum para aquela altura. Há ainda a mãe que tem aquela relação muito próxima com a criada, que não é bem vista pelas outras pessoas. A Lídia que se dá muto bem com a Gracinha e faz uma composição sobre isso e que sofre uma reprimenda da professora. Também cresceu rodeada deste tipo de mulheres fortes, determinadas?
O livro tem muitas histórias que aconteceram mesmo na minha família e essa história da composição é uma delas. A minha prima fez uma composição sobre a criada que ela descreveu como a melhor amiga e a professora não gostou. Este homem, o tio-avô da minha avó era um pouco avançado para o tempo dele, não sei até que ponto, mas sim, tenho a sensação de que era. A minha avó foi viver para casa deste tio-avô da mesma maneira que a mãe, a quarta voz, e a minha avó não acabou os estudos, trabalhava em casa e ouvi muitas histórias que este tio insistiu para que ela fizesse a escola industrial. A minha avó fez alguma instrução por causa dele. Todos dizem que ele era um pouco avançado para a época dele.
Conviveu com pessoas do tempo dele?
O meu tio lembra-se bem dele, porque chegou a viver com este homem. Quando ele morreu, o meu tio tinha 13 anos, por isso, pertence àquela geração do Eduardo e da Lídia. Eu só sei histórias desta pessoa através dos outros e o livro é um bocado isto: é um conjunto de histórias que andam à volta de uma pessoa, mas que nunca a chegamos a conhecer.
E a Donana, como é que ela aparece?
Foi mesmo produto da fantasia, porque a história oficial que se conta é que o meu tio Mariano terá sido apaixonado em jovem e a moça morreu e ele nunca mais recuperou do desgosto.
Mas isso é também uma história que surge no livro.
Fui buscar esse pormenor também para justificar porque é que a personagem nunca se teria casado. Conta-se que o meu tio Mariano dava o nome dessa apaixonada às afilhadas e por isso é que há muitas Judites em Estremoz. Até pode ser que seja verdade, mas não me convenceu muito porque ele viveu até aos 90 anos. Aquilo que me veio à cabeça foi um amor proibido e podia ter sido este como podia ter sido outro, mas este foi aquele que veio ter comigo. E Donana surgiu-me com muita força e é a personagem mais forte do livro. E é também aquela que escrevi mais livremente porque não é baseada em ninguém. Acho que quando não estamos agarrados a nenhuma realidade, temos menos constrições. •