No meio da Floresta Amazônica, no norte do Brasil, se esconde a vila homônima da cidade alentejana, Alter do Chão. Rodeada pelo Rio Tapajós o lugar é um convite à calmaria, com suas inúmeras praias de águas doces cristalinas e areia branca. O único perigo dali é querer ficar, cada morador conhece uma história de alguém que largou tudo para fincar os pés de vez nesse pedaço de paraíso.
Para se chegar à vila bastam alguns dias viajando de barco partindo de Manaus ou Belém ou, se o tempo é curto, bastam algumas horas de avião. Como eu e a minha esposa tínhamos poucos dias de férias, optamos por voar até Santarém – dali são 38 quilômetros até Alter. Ao entrar, pela primeira vez, na vila a impressão é que o tempo ficou suspenso até aquele momento da nossa chegada.
Apesar de ter sido fundada em 1626, durante o Brasil colonial, Alter do Chão não tem quase nenhum prédio histórico. As marcas do tempo estão nas embarcações ancoradas na orla, nas histórias dos pescadores e naquela brisa que sopra constante, que parece estar à nossa espera muito antes da chegada dos portugueses ali. O calor ultrapassa os 35 graus, na época mais fria do ano em Alter do Chão, em agosto. Para os moradores locais há apenas duas estações do ano: a das chuvas e a da estiagem. A visita entre estes dois períodos, quando o Rio Tapajós ainda está cheio, escondendo algumas praias, mas revelando uma exuberante tonalidade de verdes nas árvores e na vegetação local, que parece agradecer o alívio após um grande tempo sem chuvas.
Estamos no período ideal para o passeio em canoas pelos igarapés, pequenos canais rodeados de mata nativa que só se tornam navegáveis nas cheias do rio. A viagem pela floresta encantada, como é conhecida, nos leva a notar o silêncio absoluto da mata, que é interrompido, em alguns momentos, pelo estalar de troncos das árvores, que parecem extremamente longos ao serem refletidos nas águas, e os inúmeros cantos dos pássaros.
Na baixa do rio, Alter do Chão se transforma em um outro cenário. As águas doces ganham outras tonalidades e as faixas de areia revelam praias de encher os olhos e o coração, talvez por isso a mais conhecida, que é o cartão postal da vila, é a chamada Praia do Amor. Neste período a população das redondezas invade qualquer sítio e monta acampamento, geralmente acompanhado de caixas e som e música em volume muito alto. Resta escolher entre se misturar aos dali ou rumar a outro pedaço de areia, entre as muitas escondidas na costa de Alter do Chão. Foi o que fizemos.
Não há hospedagem de luxo tampouco restaurantes estrelados à espera dos turistas, mas há muita simpatia e uma cordialidade dos que trabalham nos pequenos hotéis e restaurantes regionais. Não dá para se perder em Alter do Chão. A vida acontece no entorno da praça principal da cidade. Ali ficam o único mercado, a igreja, os bares com mesas e cadeiras nas ruas, e as barraquinhas que vendem artesanato e comidas típicas, cenário clássico do interior do país.
Os finais de tarde são regados de especialidades culinárias locais. Em uma das barracas experimentamos o tacacá, uma iguaria servida em uma cumbuca; ali o caldo amarelado do tucupi, feito à base de mandioca, é acompanhado de mini gambas secas e jambu, verdura que adormece a boca, muito consumida no norte do Brasil. Desta verdura também é feita uma aguardente que, além do já conhecido efeito do álcool, adormece a língua por alguns segundos. Se a ideia é se embriagar nos sabores locais, está aí uma boa oportunidade.
Outra quase obrigação de quem visita o norte do país é tomar o açaí, extrato de uma frutinha roxa que nasce em palmeiras e que pode ser consumida na versão doce ou salgada, acompanhada de peixe seco ou gambas. A língua tingida, depois de comê-lo, vai ser apenas uma das lembranças que a culinária popular de Alter deixa em nossas memórias.
Aproveitar o dia na vila é fácil, basta entrar em alguma das pequenas embarcações que fazem a travessia até à faixa de areia mais próxima e relaxar. Em qualquer canto escolhido, moradores do local vendem peixe fresco feito na brasa e cerveja gelada, tudo bem simples e sem complicações. Escolhe-se o pescado e espera-se o resultado com os pés dentro da água. Na dúvida peça pelo Pirarucu, peixe com carne branca e suculenta comum na região.
Durante os finais de semana aproveitamos para pegar uma das ‘voadeiras’ (lanchas rápidas com motor de popa) e nos afastamos do centro de Alter. Neste trajeto, com muita sorte, dá para ver os botos, golfinhos de águas doces que nadam tranquilamente por ali. Não foi desta vez que os animais apareceram para nós, uma boa desculpa para voltar. Navegamos por cerca de uma hora e chegamos na praia de Pindobal; ali conseguimos comprovar porque a região é chamada, por alguns, de Caribe da Amazônia. A água cristalina e quente é um convite a ficar, o dia inteiro, imerso na água e sair apenas para escolher o peixe, que é servido horas mais tarde ali mesmo, na beira do rio.
O sol que nasce cedo e traz o calor, que embala os longos dias em Alter do Chão, também prepara seu espetáculo nos fins de tarde. Quando ele parece tocar o rio e se dissolve, dando um tom alaranjado às águas do Rio Tapajós. Quase como um ritual diário, turistas e moradores vão ao píer e acompanham lentamente o encontro dos grandes astros deste pedacinho de paraíso brasileiro. •
© Texto e Fotografia: Guilherme Tosetto
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