O Grande Auditório do Centro Cultural Vila Flor (CCVF), em Guimarães, prepara-se para receber, no próximo sábado, 28 de fevereiro, pelas 22h00, o extravagante espetáculo de John Romão, “Teorema”.
Acompanhado por 12 skaters e um acordeonista em palco, o ator e encenador John Romão cria um espetáculo de teatro fora de série em que a palavra é suplantada por uma “experiência visual e sonora, enigmática e iconográfica, elegíaca e apocalíptica“. “Teorema” é inspirado numa obra fundamental do cinema europeu, o filme (e texto) homónimo de Pier Paolo Pasolini, e reflete sobre a hipótese de encenação da morte do autor. Seguindo os passos de Pasolini, que sempre trabalhou com os marginais do subproletariado urbano e rural do país, John Romão convocou performers que também pertencem à rua, que fazem da rua o seu estar, mas num contexto de contemporaneidade: jovens skaters, numa tentativa de reconfiguração do sentido do sagrado. As relações entre eles são de tensão, domínio e submissão e carregadas de uma atmosfera erótica e sacralizada, própria de Pasolini.
A queda do sentido do sagrado na contemporaneidade inaugura a procura de uma nova relação com o real. Declarar um objeto como um enigma onde o sagrado está camuflado ou em iminente explosão, é chamar a atenção para o seu mistério e razão de ser. A narrativa que Pasolini experimenta neste texto e filme, através de uma linguagem não verbal e no esplendor do seu conceito de “cinema de poesia”, torna possível a síntese na criação “Teorema” de John Romão. No espaço cénico, que alude a um certo realismo, o conforto e a segurança de uma casa, que logo será invadida pelos “estrangeiros”, há diálogos breves em tom cinematográfico entre John Romão e os seus hóspedes-skaters, mas a maior parte da comunicação faz-se de modo não verbal, através dos planos da da “linguagem silenciosa da ação”. Os skaters, para além das suas caraterísticas que se podem relacionar com a simbologia do universo católico (a dor física das constantes quedas e a dor, o sangue, a tábua de madeira), são também figuras quotidianas, banais, emblemáticas do nosso tempo, das nossas urbanidades. Estes corpos trabalham numa ininterrupta ligação da terra com o céu, o salto no vazio como metáfora para atingir o desconhecido. São também corpos que desencadeiam o desejo e, nesse sentido, reforçam a ideia de carnalidade no espetador.
Em cena, confrontamo-nos com corpos jovens que já adotaram os valores do poder capitalista, corpos políticos que se manifestam através da radicalidade da sua própria atividade, corpos que nos remetem para uma nova iconografia contemporânea. Skaters como uma hierofania mas também como a simples presença da violência no corpo contemporâneo. Um corpo que nos distancia por momentos da virtualidade, porque cai, se fere e sangra, e rejuvenesce incessantemente. São corpos que “caem no real”.
Um espetáculo com uma carga visual e sonora muito forte, a não perder, em Guimarães. •
+ CCVF
© Fotografias: Leonor Fonseca.
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