[BACI], de André Rosa

Já aconteceu, na realidade. Foi no dia 7 de Outubro de 2016, pela manhã, tendo ocorrido no PO.RO.S, Museu Portugal Romano em Sicó, localizado em Condeixa-a-Nova. Integrou-se na 3ª edição do encontro Paisagens Neurológicas, e deixou um vestígio indelével.

Estava anunciada no programa das Paisagens Neurológicas uma acção performativa que deveria ocorrer algures durante a manhã do dia 7 de Outubro, dia em que tal encontro iniciava o primeiro de quatro andamentos; os restantes dispersam-se pelas datas de 12, 14 e 21 deste mês. Este encontro é coordenado por Isabel Maria Dos e pode encontrar o programa completo aqui .

André Rosa seria quem daria corpo a tal acção. No entanto, apesar da anunciação programática, o performer, e investigador, e actor, e encenador, surpreendeu tudo, e todos.
Assim, quando transitámos de sala e se entreabriu a branca porta que nos separava, e de repente, somos confrontadas com uma visão: a de André Rosa. Permanecia ao centro da longa sala que, aliás, pela escala e profundidade, bem como pelas janelas contínuas e ritmadas por onde entrava um sol cálido, se banhou de um cenário onírico; o mais adequado perante o que estava acontecer. E o que era? Baci, que, como podia ler-se na folha de sala: “Trata-se de uma acção performativa que consiste em um abraço entre o performer e cada participante.” Elucidando-nos ainda: “Segundo Jodorowisky, em Psicogenealogia, quando uma pessoa é abraçada de forma que podes ouvir o som do coração da outra, a sensação seria a mesma de quando estamos no ventre materno…e o que isso acarreta em sensações, devires e lembranças para o nosso corpo?”

Ao centro, portanto, da longa sala, André Rosa verticalmente disposto e de braços abertos, em “pose” de acolhimento; o tronco permanecia nu, envergava uma vaporosa saia branca que lhe cobria os joelhos, e os lábios bem assinalados de vermelho contrastavam com a cerrada barba que lhe marca o rosto. Em seu redor dispunham-se, alinhados em forma elíptica, vários copos de vidro transparente que continham água. Fez-se um silêncio eterno; soubemos, e julgo poder falar por todas as pessoas que aí se encontravam, que André Rosa nos aguardava, os seus braços convidavam-nos.

Não fui a primeira, embora um certo impulso me tenha acometido. Entretanto, não fui sequer a segunda, porque, perante os abraços anteriores, me apercebi da lonjura temporal de cada abraço, e temi. Simultaneamente, a sua presença impelia-me e fiz uma primeira tentativa, que arrepiou caminho, uma vez que outra pessoa se precipitou em relação a mim. Chegara a minha vez. Sim, foi longo e intenso e…com júbilo e algum humor. Por cada abraço que acontecia, André Rosa vertia uma gota do seu sangue num dos copos, que obtinha através de uma picadela nos dedos da sua mão esquerda.

De um minimalismo irrepreensível, tal acção performativa ou acontecimento artístico, traduziu-se numa simplicidade visual estonteante e até conceptualmente dolorosa na sua lucidez, encerrando um sentido amplo explosivo e que deverá acocorar-se às portas do coração, em vigília. Maria Filomena Molder, de que agora e aqui me recordo, refere-se à pele da maçã, que reflecte e enuncia, demonstra, o seu interior; Michel Foucault, por seu turno, alerta para o facto de que dar forma significa criar saúde. A pele é fronteira: separa e adentra; a forma ampara. Podia saturar esta obra de significado; mas talvez prefira que cada pessoa possa guardar o abraço; a quem não esteve, o projecte em si.

André Rosa é um dos fundadores do Movimento Sem Prega, que junta o Brasil a Portugal, e sobre o qual vos aconselho a manterem a atenção. A sua implicação no mundo da criação é ampla e multiforme, desenvolvendo por ora pesquisa em performance no Doutoramento em Estudos Artísticos da Universidade de Coimbra, embora não circunscreva a sua permanência a tal cidade. Pelo que…um aviso sério: num destes dias, os braços de André Rosa poderão estar à sua espera! Um conselho: não os evite…

© Fotografia: José Crúzio

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