Novembro está ao virar da esquina. O tempo não pede licença para voar. Com novembro chega mais um concerto do “Sons do Bussaco – Ciclo de Concertos de Músicas do Mundo”, no Convento de Santa Cruz – Mata Nacional do Bussaco, desta vez o altar estará entregue a Tom Brosseau. Como prometido, na nossa doce entrega como Media Partners ao “Sons do Bussaco”, deixamos hoje e aqui a conversa com um músico que, se ainda não viu e ouviu, urge não perder o concerto que se avizinha, em local tão singular.
Nascido em Grand Forks, North Dakota, a música existe desde o berço. Bastou, para a música ser uma forma de estar na vida. Com uma dezena de álbuns editados, é um contador de estórias numa lírica aprumada (é ouvir cada palavra com o mais desperto dos ouvidos); tem canções partilhadas com John C. Reilly, Andrew Bird, Sean Watkins, Gregory Page, entre outros. Senhor de uma folk afinada com composição tudo menos simples, com voz e postura que denunciam o método.
No passado setembro Tom Brosseau lançou “North Dakota Impressions”, álbum que nos chega como o terceiro de uma trilogia onde contam também os álbuns “Grass Punks” e “Perfect Abandonment”. Um ciclo que se fecha, que se cruzará com outros e dará início a tantos mais. Uma viagem ímpar às origens de Brosseau, música descritiva como já aqui falámos. O novo álbum já foi ouvido de fio a pavio e continua a rodar nas suas nove mágicas canções. Um álbum que eleva a bitola para futuros trabalhos, que mantém a sua identidade musical com novas e cativantes paisagens sonoras. Sem mais demoras, os dois dedos de conversa com Tom Brosseau.
Sendo de Grand Forks, North Dakota, que tem um “Hard Luck Boy” de G.F. no seu código genético que, na música, lhe dá algo de especial que não dará para igualar?
North Dakota é um território frio e muito extenso. Tem três grandes cidades – Fargo, Bismarck e Grand Forks. Costumava ouvir a minha família dizer que o vento que varre o North Dakota vem desde o Canadá. Uma distância considerável e apenas com meia dúzia de árvores pelo meio. É esse vento que torna a terra tão fria, e não o frio por si só. Assim, tens de ser capaz de superar e suportar o vento forte, de outro modo não conseguirás sobreviver nesse território. Não há gente fraca no North Dakota, só gente resistente. Talvez a minha força seja a única coisa que eu tenho.
Li, algures, que aprendeste a tocar guitarra acústica com a tua avó e que a música esteve sempre presente na tua vida, na escola, em casa, na igreja, através de canções folk e hinos religiosos. Como dirias que tudo isto te influência e onde está atualmente o teu passado na tua música?
Aprendi a cantar enquanto crescia. Tive professores no ensino básico e mais tarde no secundário, e também na igreja, que me ensinaram que cantar tem tudo a ver com a forma como tu respiras e com a tua postura. Disto isto, nunca fui um grande estudante de música. Nunca cantei o tenor que há em mim e nunca pratiquei. Estava sempre fora da colocação de tenor, na verdade, sempre à espera de cantar outras maravilhosas melodias de altos e sopranos. Deve ter sido altamente frustrante para os meus professores porque eu cantava fora de tom, não era um cantor tranquilo. Sempre com a voz acima do devido. Nos meus professores, o que mais apreciei e agradeço foi terem um método que nos podia ajudar a usar melhor a voz. Foi o que mais me influenciou. O método do controlo.
Podemos dizer que a família desempenhou um papel fundamental para te tornares um músico de corpo e alma? Incutiram-te o amor pela música e o viver apaixonado por ela?
A família, sim. A comunidade, sim. Ambas foram fundamentais. Muito importantes. Mas, na verdade, sempre fui um sonhador e adorava imitar os meus ídolos. Para seres um sonhador, tens de senti-lo e querer sê-lo, seja qual for o sonho. Não podes fingir. Um pintor, um pedreiro, um canalizador… não vais parar ao mundo das artes só porque não encontras nenhum outro trabalho. Para mim, foi Rick Springfield. Adorava-o quando era miúdo e dei o meu melhor para agir como ele de todas as formas e feitios, e para cada nota que cantasse fosse uma harmonia perfeita com as dele. Ele era único e eu revia-me nele. Ele era a minha inspiração, o meu caminho para ser alguém em palco. Família e comunidade são suficientes para influenciar, sem dúvida. Todavia, há muito mais lá fora, no éter, que te leva a ser algo mais. Mas nunca esquecer, tens de ser sempre um sonhador.
Formaste-te na North Dakota University e só depois ingressaste na Escola de Música, da qual desististe algumas semanas após teres começado. Posso indagar-te sobre o teu diploma e saber como alguém, que é feito de notas e lírica, desiste da Escola de Música?
Tenho um Minor (licenciatura) em Comunicação e um Master (mestrado) em Escrita não ficcional. A Escola de Música teria sido muito mais divertida se todos os meus professores não parecessem tão abatidos e cansados. Não quero parecer muito duro, mas enquanto que os professores de música na escola de música que frequentei, brevemente, poderiam ser bons no ensinar da teoria e talvez, creio, no solfejo também, os seus corações estavam claramente a desejar estar lá fora, na estrada em concertos. Isto era fácil de se observar. Depois, tudo o que aprendi na Escola de Música não era nada como eu achava que iria ser. Eu era muito naive. Em suma, tudo o que eles tinham para oferecer não era suficiente para me fazer sentar e estudar, no mínimo.
Olhando para trás, desde o início até agora, há alguém que te tenha dado o “muchness” (não resisto ao termo de Mad Hatter) para continuares, para nunca desistires, porque te irias tornar neste músico tão estimado e com um percurso tão exquisite?
Houve e tem havido várias pessoas que me ajudaram como o meu amigo Gregory Page. Encorajou-me e deu-me uma oportunidade. Fiquei-lhe grato. Acredito que tudo o que precisas é encontrar alguém que acredite em ti, mas eu também acreditava em mim mesmo. Continuando, foi maravilhoso ter John Doe como mentor. Julianna Hatfield, embora eu não saiba se ela sabe o quanto ela significou para mim, significou de facto muito. O Mark Flanagan, no Largo, em Los Angeles, ensinou-me grandes coisas, tal como não escrutinar o meu desempenho e apenas me manter a olhar para a frente e a concentrar-me naquilo que penso que posso dar. Podemos ficar muito bloqueados pelo nosso próprio peso. Porém, mesmo antes de deixar a minha casa, em 1999, houve a June Randall, uma cantora e compositora de North Dakota que me deu umas dicas (sugestões) muito simples sobre como me manter fiel a mim mesmo. Nunca me esqueci da June.
Depois, uma grande parte do sucesso, de alguém, tem a ver com as pessoas que não acreditam em ti, que não te apoiam, que te querem ver a falhar. E é verdade. Tu não tens o apoio de toda a gente. Alguns mergulham no silêncio quando te vêem a ficar mais conhecido e outros mal podem esperar por te ver desistir. Precisas dos dois lados. Precisas de ter resistência. Tenho o amor de todos daqueles que me deram aquela palmadinha nas costas. Os outros, esses deram-me o fogo, a força.
“A música é uma lei moral. Dá alma ao universo, asas ao pensamento, voo à imaginação, e encanto e alegria à vida e a tudo.” – Platão. Viajando até 2002, quando o álbum “North Dakota” foi editado, esta lei foi um passo em consciência para um modo de vida ou foi uma alma plena de emoções que precisava de abrir as asas para voar? A razão vs emoção no te tornares músico.
Creio que se essas forem as minha opções, na razão versus emoção, é a emoção. Aí, a minha alma estará para sempre inquieta. Mas, na verdade, não tenho ideia de onde tudo vem, a inspiração. Pode ser que eu não tenha nada a ver com isso… Ou talvez tenha a ver com isso, depende de quão receptivo estou.
Depois do álbum “North Dakota” tens “Late Night at Largo”, com Largo, se não estou em erro, a ser o “teu” espaço em Los Angeles. Porquê LA e não uma Nova Iorque, por exemplo? O que te levou a deixar a tua casa (tão próxima do coração e tão importante na tua vida) e a escolher LA?
Estava a viver em San Diego, a tocar tanto quanto conseguia, ‘open mics‘ e concertos de beneficência. Na altura, quando me mudei para San Diego, foi um período em que se realizavam muitos concertos de beneficência, o 11 de setembro tinha acabado de acontecer e muitos angariavam dinheiro para ajudar as vítimas. Nunca tinha pensado em Los Angeles, não mesmo. E, se formos a ver, são apenas 160Km de distância. Mantinha-me ocupado e trabalhava imenso. Eventualmente, um álbum meu com cinco canções teve direito de antena no KCRW e foi aí que comecei a trabalhar mais em Los Angeles. Mudei-me para lá no verão de 2003.
Embora tenhas deixado North Dakota, North Dakota não te deixou. A noção de casa tem um papel primordial na tua vida. Basta prestar atenção às tuas palavras, ouvir concentrados a tua música. Este teu último trabalho “North Dakota Impressions” completa uma triologia. Que trilogia é esta e o que a define?
A trilogia é nada mais que uma meditação em torno dessa noção de casa. Os campos de petróleo, a solidão e a beleza de alguns espaços da comunidade em que estava envolvido, observando-os, como o Dairy Queen e o Grand Forks Country Club. Sempre gostei de esboçar personagens e há alguns registos dessas tentativas. Sou muito individualista e ligado a sítios. Talvez seja isso o que define estes três álbuns: o local.
“Depois, uma grande parte do sucesso de alguém tem a ver com as pessoas que não acreditam em ti (…). Tu precisas dos dois lados. Precisas de ter resistência. Tenho o amor de todos daqueles que me deram aquela palmadinha nas costas. Os outros, esses deram-me o fogo, a força.”
Poderíamos dizer que este teu ultimo álbum é mais uma viagem que nos permites fazer contigo numa estrada de vida que vais traçando com um início e talvez um fim?
Os álbuns não são um fim nem são um começo. Tenho 40 anos e não creio que “North Dakota Impressions” esteja no meio da minha carreira. Somente algures no caminho, se podermos pensar nisto como um caminho. Sinto que nunca irei terminar e estou sempre a perguntar-me onde tudo começa. Ser um cantautor é ser um verdadeiro detective ou um cartógrafo. De qualquer forma, esse é o verdadeiro mistério para mim, encontrar a fonte.
Falámos sobre casa, North Dakota e família. Porém, a religião tem também um certo peso na tua vida. Como é que uma certa educação religiosa te moldou e moldou a tua música?
A religião em que fui criado, Luterana, está intrinsecamente associada à minha herança norueguesa. Poderíamos dizer que é uma e a mesma coisa, e é isso mesmo. É difícil separar as duas. Há imensa tradição nos escandinavos e uma grande parte parece girar em torno da religião – a comida, as artes e ofícios, a música. Todos aqueles que vieram para os EUA para começar uma nova vida, num novo território, e não apenas os escandinavos, tinham as suas próprias leis que lhes permitiam continuar e manter-se como um todo. Isso foi o que os levou através dos tempos, a sua tradição. Judeus. Irlandeses. Italianos…
Através da batuta da minha própria experiência, foi-me ensinado o amor pela tradição, para aprender sobre ela e usar esse conhecimento. Vou mantê-lo vivo, esse amor, e um dia passá-lo aos meus filhos. É a essência da vida.
“O meu coração, que está tão cheio a ponto de transbordar, tem sido muitas vezes consolado e revigorado pela música quando está doente e cansado.” – Martinho Lutero. É preciso algum tipo de fé – religiosa ou não – para continuar, para criar e ser-se criativo?
Eu só preciso da ideia da morte e da escuridão.
Andrew Bird, John C Reilly, Gregory Page, Sean Watkins… Nomeio apenas estes entre muitos. Por norma, estás sozinho em palco, a entregar-nos aquele mundo tão teu. Que química é aquela que tens com Bird, Reilly e/ou Watkins?
Andrew Bird. Sean Watkins. John C. Reilly. Estes são alguns dos artistas que conheci através da comunidade Largo. O Gregory Page foi quem me apresentou Cindy Wasserman e a Cindy que me fez conhecer tantas coisas sobre Los Angeles. Devo muito a todos eles. Mas no final das contas, estamos todos juntos numa jornada. Apenas alguns são mais famosos, alguns são mais ricos, alguns tecnicamente melhores a tocar um instrumento. Uma vez superadas as apresentações, o que mais gosto em alguém é se eles são ou não são reais. O Andrew, o John, o Sean e o Gregory são isso mesmo, são reais. Todos têm sido importantes e todos temos sido importantes uns para os outros, porque podemos cuidar e apoiar-nos uns aos outros.
Haverá surpresas para o concerto com convidados ou serás apenas tu no modo com que nos conquista sempre, só com tua guitarra?
Só eu e a minha guitarra.
T.S. Eliot escreveu “Tu és a música enquanto a música durar”. O Tom que vemos e ouvimos é Folk e nada mais, ou há espaço para além das fronteiras da Folk?
Não consigo imaginar mais nada, para mim. Folk é, realmente, tudo o que existe. E assim como alguém pode encontrar algo em que se interesse e dedicar uma vida a estudar isso e ainda assim nunca ter uma palavra final, isso é o que este campo específico da música significa para mim.
Para terminar, uma última citação, com música no embalo. “Devíamos, pelo menos todos os dias, ouvir um pouco de música, ler um bom poema, ver um bom quadro e, se possível, falar algumas palavras com senso.” – J.W. Goethe. Pedia-te que me dissesses a última canção que ouviste ou um poema que não esqueces ou ainda uma imagem que terás sempre na memória…
Quero partilhar contigo um poema de um médico cardiologista e poeta ensaísta americano que já não se encontra entre nós. Diria que é um poeta bem profundo e ponderado. Stone é o seu apelido. Não me recordo, no momento, do primeiro…
É John…
Sim. Ele ajudou tantos a viver e viu muito da humanidade na sua vida. Um testificador. Creio que o conjunto de poemas, de sua autoria, tem o título “In All This Rain”..
“Death I have seen come on
slowly as rust
or sand
or suddenly as when
something leaving
a room
finds the door knob
come loose in his hand.”
“North Dakota Impressions” editado pela Crossbill Records, em setembro, é para ouvir com tempo num tempo em que não temos tempo, neste outono, e para ouvir ao vivo no dia 19 de novembro pelas 21h30 (não se atrase) em mais um concerto do “Sons do Bussaco – Ciclo de Concertos de Músicas do Mundo”. O cenário, já sabe, é único, histórico e rico no Convento de Santa Cruz – Fundação Mata do Bussaco. É música que resulta na sua simplicidade complexa de música bem feita.
A não perder!
(Bilhetes: turismo@fmb.pt ou através do número 231 937 000). •
+ “Sons do Bussaco – Ciclo de Concertos de Músicas do Mundo” na Mutante
+ Tom Brosseau
+ Fundação Mata do Bussaco
+ Convento de Santa Cruz
© Fotografia: Tom Brosseau por Carey Braswell.
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