Hieronymus Bosch é, indubitavelmente, um dos pintores mais misteriosos na história da arte nos Países Baixos e um dos mais admirados. Por ocasião do 500.º aniversário da sua morte, LOD Muziektheatre junta o compositor Vasco Mendonça, o escritor Dimitri Verhulst e o encenador Kris Verdonck para realizarem juntos uma produção de teatro musical baseada na obra de Bosch.
Os quadros de Bosch são conhecidos pelas peculiares criaturas que habitam cenários bizarros em cenas sinistras, como em “O Jardim das Delícias Terrenas” (uma delícia poder contemplar, sempre que possível, esta obra) e “O Juízo Final” (quando a arte e o artista são dos deuses), combinam um julgamento severo em relação ao pecado com a vida quotidiana da época de Bosch. Enquanto cristão devoto no dealbar do humanismo, via comportamentos sexuais ilícitos, ganância, gula, estupidez, violência e vaidade a toda a sua volta aí, decidiu que o inferno era na terra – e não será? As estranhas personagens nos seus quadros estão empaladas, semidevoradas, correm despidas por entre incêndios e encontram-se num mundo onde os pássaros são do tamanho de pessoas e as árvores têm olhos. “No entanto, estas figuras não estão a sofrer – será isto um sintoma da sua ignorância, ou da sua escolha de viver assim?”
Na ópera que aqui vos apresentamos – “Bosch Beach” – a ideia do inferno ser na terra é tomada como ponto de partida para uma visão sobre o mundo de hoje através dos olhos de Bosch. “Como seria o inferno hoje? Talvez fosse como o autor de ficção científica J.G Ballard tantas vezes o descreveu: um mundo com a pequena-burguesia espraiada à beira de uma piscina, comprazendo-se na inércia da sociedade de consumo, com uma orquestra residente a tocar em pano de fundo. No tempo de Bosch, havia a noção de ‘Falso Paraíso’. As pessoas vivem naquilo que, à primeira vista, parece ser ‘o melhor dos mundos possíveis’, mas visto de outra perspetiva este falso paraíso não é muito diferente do inferno na terra.
Onde está o falso paraíso dos nossos dias, o nosso inferno na terra? Onde é que a moralidade e a responsabilidade fazem um apelo à humanidade? Verdonck opta pela praia de Lampedusa, um lugar lindíssimo, onde os turistas tomam banhos de sol e nadam no mar cristalino das praias de areia branca. Tomando banhos de sol nas praias esplêndidas de Lampedusa enquanto refugiados dão à costa, esse poderia ser o inferno na terra do século XXI“.
Continuando, “Bosch Beach joga com a ambiguidade deste lugar e com as impossíveis questões de culpa que traz consigo. Confrontados com o fluxo de refugiados, não só em Lampedusa, mas agora também em Calais, Kos, Macedónia e por aí adiante, há um forte apelo moral. Será que devemos cuidar destas pessoas? Para além desta questão, o problema da responsabilidade pela situação global é ainda mais complexo. Não seremos nós, no Ocidente rico, os responsáveis pela pobreza e pelas guerras em África? Não mantemos nós o nosso estilo de vida à custa dos padrões de vida e da estabilidade noutros continentes? E, neste caso, será que podemos e devemos sentir-nos responsáveis enquanto indivíduos? E em consequência disso, como deveríamos então agir?”
Uma produção complexa que contará com música de Vasco Mendonça, libretto de Dimitri Verhulst, encenação de Kris Verdonck, dramaturgia de Kristof Van Baarle e com os cantores Rodrigo Ferreira (contratenor), Damien Pass (baritono), Marion Tassou (soprano) sob a batuta do maestro Etienne Siebens.
No corpo da Orquestra Gulbenkian estarão: Elena Ryabova 1º solista (Violino 1), Jordi Rodriguez 1º solista (Violino 2); Lu Zheng 1º solista / Leonor Braga Santos 2º solista (Violas); Martin Henneken 1º solista / Raquel Reis 2º solista (Violoncelos); Manuel Rêgo 1º solista (Contrabaixo); Cristina Ánchel 1º solista (Flauta); Iva Barbosa 1º solista / Ricardo Alves 2º solista (Clarinetes); Stephen Mason 1º solista / David Burt 2º solista (Trompetes); Rui Fernandes 1º solista (Trombone); Abel Cardoso 1º solista (Percussão)
Na Orquestra Criação: ASKO Schönberg; Mirjam Teepe (flauta, flautím, flauta alto, flauta de êmbolo), David Kweksilber (clarinete baixo), Erik van Deuren (clarinete baixo, clarinete contrabaixo), Eline Beumer (trompete, trompete piccolo, cornetim), Frank Braafhart (trompete, trompete piccolo, cornetim, didgeridoo), Arthur Kerklaan (trompete, trompete piccolo, cornetim, didgeridoo), Koen Kaptijn (trombone), Joey Marijs (percussão), Jeroen Geevers (percurssão), Joseph Puglia (violino), Jan Erik van Regteren Altena (violino), Bernadette Verhagen (violino), Asdis Valdimarsdóttir (viola), Rares Mihailescu (violoncelo), Marcus van den Munckhof (violoncelo), James Oesi (contrabaixo).
Uma produção LOD muziektheater com coprodução de Jheronimus Bosch 500 Foundation, A Two Dogs Company, Kaaitheater, Maria Matos Teatro Municipal, House on Fire, ASKO Schönberg, Concertgebouw Brugge, Fundaçao Calouste Gulbenkian, Theater Mousonturm Frankfurt e em colaboração com Flanders e o programa “Holanda Convidado de Honra” na Feira do Livro de Frankfurt 2016, Klarafestival Brussel e Gulbenkian Música.
Dimitri Verhulst (1972) escreveu a sua primeira recolha de contos, De Kamer Hiernaast [O quarto ao lado], em 1999, obra nomeada para o Prémio NCR. Dois anos depois, publicou a recolha de poesia Liefde, Tenzij Anders Vermeld [Amor, salvo indicação em contrário] e o romance Niets, Niemand en Redelijk Stil [Nada, ninguém e razoavelmente silencioso]. O seu talento multifacetado tornou-se mais óbvio quando publicou dois livros controversos e muito diferentes em 2006: Mevrouw Verona Daalt de Heuvel Af [A senhora Verona desce da colina], uma fábula terna sobre o amor, e De Helaasheid der Dingen [Os desafortunados], uma ode sensível e um ajuste de contas hilariante com a aldeia da sua juventude. Felix Van Groeningen fez um filme a partir de De Helaasheid der Dingen em 2009, que foi o concorrente belga aos Óscares em 2010. Em 2008, Verhulst foi galardoado com o Prémio Literário Libris por Godverdomse Dagen op een Godverdomse Bol [Malditos dias num maldito globo]. O júri descreveu o livro como “uma comédia sardónica em que o homem é o objeto direto e, ao mesmo tempo, um exercício de estilo sem precedentes.”
Vasco Mendonça (1977) é um compositor português. Estudou com Klaas de Vries na Holanda e com George Benjamin na Grã-Bretanha. Hoje em dia, o seu trabalho é interpretado por toda a Europa, e recebeu vários prémios internacionais (incluindo o ROLEX Mentor and Protégé Arts Initiative). O seu primeiro êxito internacional ocorreu há dois anos com a ópera The House Taken Over (2013), no Festival de Aix-en-Provence. Foi uma coprodução entre o festival e o LOD muziekthater (Gent). O espetáculo, baseado num conto de Julio Cortázar, é sobre um irmão e uma irmã que levam vidas completamente isoladas e de cuja casa se apoderam poderes sobrenaturais. A música evocativa e atmosférica, muitas vezes ameaçadora, funciona como catalisador para a história e mostra a grande afinidade do compositor com o drama musical. Mendonça também é capaz de escrever para vozes de um modo que é ao mesmo tempo entusiasmante e natural.
Kris Verdonck (1974) estudou artes visuais, arquitetura e teatro, e esta formação é manifesta no seu trabalho. As suas criações posicionam-se na zona de trânsito entre as artes visuais e o teatro, entre a instalação e a performance, entre a dança e a arquitetura. Enquanto alguém que faz teatro e é artista visual, tem atrás de si uma ampla variedade de projetos. Encenou produções teatrais e produziu diversas instalações, a.o. 5 (2003), Catching Whales Is Easy (2004), II (2005). Os primeiros STILLS, que consistiam em projeções gigantescas, foram encomendados por La Notte Bianca, em Roma. Em 2007, criou a instalação teatral I/II/III/IIII e, em 2008, END estreou no Kunstenfestivaldesarts em Bruxelas. Verdonck apresenta muitas vezes combinações de diferentes instalações/ performances como VARIATIONS.
Asko|Schönberg, destacado ensemble para nova música, interpreta música dos séculos XX e XXI numa variedade de contextos. A música que tocam vem não apenas de grandes nomes já estabelecidos como Andriessen, Gubaidulina, Boulez, Kurtág, Ligeti e Stockhausen, mas também inclui novos trabalhos da geração mais nova. E os fundadores da música do século XX também estão bem representados: de Weill a Schönberg e de Stravinsky a Messiaen. Dedicam especial atenção a relações e cooperações de longo-prazo com compositores maiores e importantes, bem como a obras desconhecidas e novíssimas de alta qualidade. Graças a estas muitas formas de colaboração intensiva, os músicos são altamente especializados em interpretar música nova. O ensemble tem um grande número de alianças ativas com companhias de teatro e de ópera, bem como com teatros de ópera, em que conseguem colocar na ribalta a versatilidade da paleta musical contemporânea.
LOD muziektheater é uma companhia de produção de ópera e teatro musical sediada em Gent, uma base para criadores nas artes performativas. Está empenhada em mapear trajetórias de longo-prazo: com compositores como Kris Defoort, Vasco Mendonça e Thomas Smetryns, e com os encenadores Josse De Pauw e Inne Goris. Além disso, mantemo-nos abertos àqueles que – sempre de forma surpreendente, mas nunca por acaso – se cruzam no nosso percurso artístico. A nossa companhia pretende ser uma plataforma abrangente para estes artistas, e oferecer-lhes os recursos para desenvolverem as suas ideias. Há já 25 anos que começámos a criar produções que com frequência acabam por ditar tendências para a cena da ópera e do teatro musical contemporâneos. Os resultados destas parcerias artísticas não são fáceis de categorizar, e produzem uma impressão duradoura. LOD concentra-se resolutamente naquilo que está para vir, entre outras coisas através da nossa dedicação aos jovens talentos. Estamos a trabalhar no futuro do teatro musical através da European Network of Opera Academies (enoa). LOD muziektheater, uma companhia internacional de produção e um lugar de criação – uma perspectiva sobre o mundo. Feita em Gent.
A Orquestra Gulbenkian foi fundada em 1962. Inicialmente constituída por 12 músicos, conta hoje com um efetivo de sessenta e seis instrumentistas, número que pode ser aumentado de acordo com os programas executados. Esta constituição permite-lhe tocar um amplo repertório, desde o Classicismo à Música Contemporânea. Em cada temporada, a Orquestra Gulbenkian realiza no Grande Auditório uma série regular de concertos, colaborando com alguns dos mais reputados maestros e intérpretes. Ao longo de mais de cinquenta anos distinguiu-se também em muitas das principais salas de concertos do mundo e gravou vários discos que receberam importantes prémios internacionais. Susanna Mälkki é Maestrina Convidada Principal e Joana Carneiro e Pedro Neves são Maestros Convidados. Claudio Scimone, titular entre 1979 e 1986, é Maestro Honorário, e Lawrence Foster, titular entre 2002 e 2013, foi nomeado Maestro Emérito.
Esta produção “Bosch Beach” estará em palco nos próximos dias 20 e 21 de outubro, pelas 21h30, no Teatro Municipal Maria Matos em Lisboa. Que tal, viajamos por este Bosch reinventado num teatro musical? •
+ Maria Matos
© Imagem de destaque: Museo Nacional del Prado.
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