Mutabilis

No dia 9 de Dezembro de 2016, pelas 19h, e depois novamente pelas 20h, porque chegaram muitas pessoas, e numa só apresentação seria impossível acomodá-las, pôde assistir-se a Mutabilis, uma performance inserida no 14º Festival de artes em movimento, e que dá pelo nome de Temps d’ Images.

Realmente, foi no dia 9 de Dezembro, estando inicialmente programado apenas para as 19h. Local: O’ Culto da Ajuda, em Lisboa. Entrada livre no limite dos lugares disponíveis e duração aprox 30 min, e anunciada como estreia absoluta. Com efeito, tal performance foi dada ver, na sua primeira manifestação, após um longo tempo de residência naquele local. Dizemos primeira manifestação porque se perfilam mais duas: a segunda em maio de 2017, e a terceira, exactamente um ano após a estreia.

A cadência da apresentação relaciona-se directamente com a qualidade de Mutabilis, nome da flor do Hibisco, e igualmente conhecida por rosa-louca; assim, se agora se viu o Mutabilis/branco, depois suceder-se-ão o Mutabilis/rosa e, por fim, o Mutabilis/violeta, correspondentes aos três estados desta mutável, e notável, flor. Pelo que, como pode já entrever, neste primeiro momento predominou a cor branca.

De acordo com a literatura constante da folha de sala, “MUTABILIS propõe uma experiência sensorial imersiva, buscando capturar o movimento vivo da realidade humana, um contributo para a abraçar na sua diversidade e profundidade.” Para que esta experiência, que tem no corpo um fio condutor, e indutor, óbvio e radical, se tornasse espessa e encorpasse, convocou movimento, som e imagem, cada um correspondente a uma identidade autónoma de criação, mas que na performance desaguam no mesmo timbre. Assim, o movimento coube a Paula Pinto, o som a António de Sousa Dias, a imagem a Rita Casaes.

Quando entrámos, permanecia uma mancha branca de tecido no chão, que contrastava com o negro, e que amiúde se pintalgava de uma espécie de verde evanescente e aguado. Provar-se-ia, mais tarde, tratar-se de uma ampla saia, e que se transformaria numa cauda-caule carnuda. Antes foi lago, que a noite namorava através dos brilhos estelares, de onde exalava, dissipando-se, um vapor intenso. É significativo que as aparições aconteçam de noite, quando os sonhos visitam os entes, e fazem fosforescer a natureza. Entretanto, a noite é habitada de sons profusos, também eles expressiva fuga na vigília.

As sonoridades fizeram contraponto com a imagem e enlearam Mutabilis, a flor dançante que tentava buscar alimento também na luz; mas permitiram o silêncio da dança, significativa fase de desabrochamento, num sugestivo jogo de luz e sombras. Intrigante, delicada e, algures quando a metamorfose faz a sua aparição, e os céus se abatem sobre a terra, irada; propagava-se a música pelo espaço, convocando-nos.

Gostaria de realçar a delicada contenção desta performance, que usou parcimoniosamente os três elementos, numa demonstração de extrema finura conceptual, e que resulta numa clareza perceptiva. O corpo de Mutabilis respira, tem tempo, vai acontecendo numa espécie de finas camadas, como se esboroássemos as pétalas de uma flor, sem ruídos visuais. Mutabilis exige atenção de quem vê, muita; o que prova a exigência construtiva de Paula Pinto, de António de Sousa Dias e de Rita Casaes, que, afinal, nos oferecem um corpo absolutamente sincero no seu desamparo metamórfico.

Não quero perder o rosa e o violeta: é já no próximo ano, e falta pouco para 2017! •

Ficha Artística
Criação e Interpretação: Paula Pinto (movimento e figurino), António de Sousa Dias (criação sonora e programação), Rita Casaes (criação vídeo, videomapping).
Participação especial de : Miguel Azguime (projecção sonora).
Execução de guarda-roupa: Alexandra Monteiro e Rafael Saldanha.
Desenho de Luz: Victor Azevedo.
Produção: Associação sentidosilimitados.
Co-Produção: Miso Music Portugal.
Residência de Criação: O’Culto da Ajuda.
Apoio: Centro de Dança de Oeiras, Lamp On Soluções Criativas, Maria Matos Teatro Municipal, Sem Marias e Brigada do Mar.
© Fotografia: Alípio Padilha

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