Implica atravessar o Tejo, para quem está do lado de cá. Para quem permanece do lado de lá, e já aqui se afigura uma perspectiva situada, não será necessário. E o que será cá e lá? É na Biblioteca FCT/UNL – Universidade Nova de Lisboa. Campus da Caparica; tem o apoio da dgARTES/MC e a curadoria de Ana Rito.
AFRICA, 2016, de António Olaio, vídeo de 3’, cor, música de António Olaio e João Taborda
Exalada do projecto estórias: portugal_áfricas │imagens & narrativas, pode agora fruir-se da exposição intitulada O outro quando (não) estamos a olhar, disseminada pela Biblioteca FCT/UNL, no Campus da Caparica. Junta obra de cinco artistas: António Olaio, Délio Jasse, Raquel Melgue, Vasco Araújo e Mónica de Miranda; registe-se o cadinho da identidade, e do outro, em que amiúde se detêm, e em que trabalham. A curadoria coube a Ana Rito, proponente daquilo a que chama “Paisagens mnemónicas”, onde se inscrevem a temporalidade, o arquivo e a memória, as três ideias antecedidas do prefixo “Trans”, pelo que temos: Transtemporalidade, Trans-arquivo e Trans-memória.
Inocência, 2016, de Délio Jasse
Pois bem, Ana Rito deixa expresso que “os artistas convidados, através dos seus próprios processos criativos e da interacção com a plataforma online e o arquivo, traduzem esse devir migrante das identidades e das imagens.” Já Maria Teresa Cruz, ao contextualizar este projecto expositivo, haveria de vincar que o “trabalho de rememoração que é próprio da arte, transcende o esquecimento ou a lembrança, na medida em que se aventura na transformação do imaginário, isto é, na imaginação de novas realidades, que agem sobre o mundo com a mesma força dos factos. A liberdade e o aprofundamento do imaginário são por isso a verdadeira contra-força da ideologia e das visões totalitárias que sempre procuram por isso mesmo capturá-lo para poderem exercer a sua violência na história.”
Vasco Araújo
O título da exposição inspira-se em Manuel Gusmão, como elucida Ana Rito, e implica uma relação intrincada entre o ver e o olhar; parece o primeiro focalizar, delimitar, organizar e condicionar previamente o acto ou a percepção visual, enquanto o segundo “faz brotar movimentos ínfimos entre as coisas.” Será, então, em tais interstícios, que se albergarão os lampejos perceptivos de carácter minimesimal: afinal, as paisagens mnemónicas. Pelo que a escolha da biblioteca, sem que nesta fosse preferido o espaço idealmente projectado para situar as exposições de arte, tem subjacente, também, a afirmação do “território impreciso” que caracteriza este projecto expositivo.
Untitled-da série casa portuguesa de Mónica de Miranda
As obras. AFRICA, 2016, de António Olaio, vídeo de 3’, cor, música de António Olaio e João Taborda, de um hipnotismo e desdobramento encantatórios, como se a memória se visse por dentro; Inocência, 2016, de Délio Jasse, Impressão digital sobre papel barita, 120x80cm, uma espécie de devir arqueológico da identidade, com assombrações em transparência, e acento na duplicidade; VAALIE#0265, 2016, de Raquel Melgue, vídeo full hd, cor, som, 24’ 33’’, uma construção delirante e alucinada de memórias de si, e do mundo, entretecidas com ficção científica produzida por cineastas africanas dos anos 60 e 70 do século XX; Retrato Vivo, 2016, vídeo de 26’ 07’’, com Desenhos e texto dos alunos de 7º, 8º e 9º ano da Escola Secundária Ferreira Dias no Cacém, bem como Desenhos dos alunos da mesma escola, em número de mais de 300, por Vasco Araújo, num exercício preciso de atenção relacional ao outro, patente no rosto que se exige ser olhado e perscrutado, lido e auscultado, sismografado; Casa portuguesa, 2016, Díptico 30x45cm archival pigment print, em papel algodão, bem como Untitled-da série casa portuguesa, 2016, vídeo, HD, som 4m, de Mónica de Miranda, atravessamentos da(s) memória(s), espaços transcorridos fantasmaticamente, como que a invocar presenças de outro tempo, vívido.
A inauguração da exposição, ocorrida no dia 26 de Novembro, pelas 18h, foi antecedida de uma conversa que juntou curadora e artistas; ao que se seguiu uma deambulação pelo espaço imenso e lindíssimo desta biblioteca, para descoberta das obras de arte que são, como não existe dúvida, guardiãs da memória e convulsionantes da cristalização imagética. Não perca! •
Ficha técnica da exposição
Curadoria: Ana Rito
Direcção do Projecto: Teresa Cruz
Texto: Ana Rito
Produção: Francisco Soares
Biblioteca: José Moura e Ana Roxo
Apoio técnico e montagem: Dupla Cena, Alexandre Coelho
Comunicação e Edição: Francisco Soares, Ana Grave
Apoio: dgARTES