Janeiro + Fevereiro 2017 / TAGV

Numa semana em que a palavra-chave é “arranque”, o Teatro Académico de Gil Vicente (TAGV), em Coimbra, não foge à regra e apresenta a sua programação para um arranque de 2017 em cheio.

Merce Cunningham disse em entrevista que os sentimentos eufóricos eram apenas para quem se deixava arrastar pela extrema emoção das festividades do Ano Novo. No seu esforço continuado para deslocar a dança moderna para além de uma dramaturgia feita de vilões e de heróis, de pontos altos e baixos, alternando entre crise e apaziguamento, Cunningham deu prioridade à justaposição, à colagem e ao trabalho continuado com os materiais que saturam a contemporaneidade.

É por este caminho que se seguirá no TAGV ao longo deste 2017, num exercício equilibrado de programação enquanto seleção crítica de materiais e linguagens. Por tal, tudo começará, comment dire… in medias res, com o Clube de Leitura Teatral, numa iniciativa singular na paisagem teatral, que junta desde há um ano o TAGV e A Escola da Noite.

A sessão de janeiro integrará os atores e o texto de Mickaël Oliveira, intitulado “Sócrates Tem de Morrer”, ponto de chegada na tetralogia que o autor dedica às possibilidades do político hoje. Leitores e espetadores deste Clube terão assim ocasião de ler e ouvir com Albano Jerónimo, Ana Bustorff, Paulo Pinto, Pedro Lacerda e Maria Leite, os nomes que protagonizam o espetáculo que estará em residência e em cena durante dois dias. Em fevereiro, o formato do próprio Clube será testado na arena pública, com uma proposta coordenada por João Maria André, em busca da energia da palavra dita, a partir do texto de Alfonso Sastre “Os Homens e as Suas Sombras”.


© “África Fantasma”, de João Samões. Coprodução Fundação Calouste Gulbenkian, programa Próximo Futuro

Mas o teatro terá nestes dois meses uma atenção persistente, incluindo uma revisitação do clássico de Nikolai Gógol, “Diário de um Louco”, pelo Teatro do CalaFrio, com encenação de Américo Rodrigues, não por acaso um verdadeiro especialista na palavra verbalizada. No final de janeiro poderá assistir”Não Quero Morrer”, uma reflexão sobre esquecimento, memória e identidade, trabalho sensível e perturbador de Elmano Sancho e Juanita Barrera sobre a carreira da atriz francesa Annie Girardot. A memória fantasmática percorre literalmente África Fantasma de João Samões, cruzando colonialismo e racismo, a partir da biografia e da escrita diarística de Michel Leiris.

Persistindo no cinema para além da pipoca, a cinefilia tem conjuntura assaz favorável em janeiro e fevereiro. Haverá um ciclo dedicado a Wim Wenders, com a reposição de três clássicos, a sua última criação (“Os Belos Dias de Aranjuez”) e ainda, na condição especial de produtor, “A Mulher Canhota”, a longa-metragem em que Peter Handke fez conviver atores como Edith Clever e Bruno Ganz. Interpretação, arte e uma galeria de prémios estarão bem presentes nas propostas que a parceria com a Leopardo Filmes permite juntar o público em dois meses, com filmes de Benoît Delépine e Gustave Kervern, Cristian Mungiu, Corneliu Porumboiu, Benoît Jacquot, Fanny Ardant e Jim Jarmusch.

Em registo de festival, regressam as edições da KINO – Mostra de Cinema de Expressão Alemã, mais de uma dezena de filmes propostos pelo Goethe-Institut Portugal, com a extensão pedagógica que permanece como marca do cinema e da formação no TAGV. É neste contexto que decorre a segunda extensão do CineEco – Festival Internacional de Cinema Ambiental, um conjunto de filmes que interrogam e inquietam jovens e adultos sobre temas do nosso tempo, entre as minas de urânio e a extinção das espécies. Performance, corpo, movimento e dispositivos intermédia estarão ainda presentes em espetáculos dos DEMO (Hiatus), de Carlota Lagido (50 Toneladas) ou nas propostas de fim de curso de vários alunos de Estudos Artísticos.

Por fim, a música, especialmente, propõe um arco de sonoridades que oscila entre a ópera cómica de Telemann, o duplo Concerto de Ano Novo ofertado à cidade pela Brigada de Intervenção, o universo de You Can’t Win, Charlie Brown e o concerto único Das Rosas, com Adriana Calcanhotto e Arthur Nestrovski. É por esta razão, precisamente, que o auditório do TAGV continuará como um lugar aberto à experimentação, à criação transdisciplinar, ao risco e ao prazer nas artes.

Sucintamente, alguns destaques:
09/01, 18h30 – SAINT AMOUR, de Benoît Delépine e Gustave Kervern.
12/01, 21h30 – SÓCRATES TEM DE MORRER ~ PARTE I – Criação, de Mickaël de Oliveira.
14/01, 18h00 – ÓPERA PIMPINONE, de G. P. Telemann.
19/01 e 20/01, 21h30 – CONCERTO DE ANO NOVO.
30/01, 18h30 – A MULHER CANHOTA, de Peter Handke.
01/02 a 03/02 – KINO, Mostra de Cinema de Expressão Alemã.
06/02, 18h30 e 21h30 – O DIVÃ DE ESTALINE, de Fanny Ardant.
13/02, 18h30 e 21h30 – PATERSON – de Jim Jarmusch.
16/02, 21h30 – ÁFRICA FANTASMA, criação de João Samões.
27/02, 18h30 – AS ASAS DO DESEJO, no ciclo dos Filmes de Wim Wenders.

E tanto, mas tanto mais há e tudo com uma criteriosa selecção. Para toda a informação detalhada consulte, por favor, o link abaixo. A tomar nota, a ir. •

TAGV
© Fotografia de destaque: “Sócrates Tem de Morrer – Parte I” com Albano Jerónimo, Ana Bustorff, Maria Leite, Paulo Pinto, Pedro Lacerda / Bruno Simão.

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