Enamorados pelo Douro

Falemos de vinho, do companheiro de eleição num momento a dois, mergulhado em boas Memórias! Abandonado? Jamais! A não ser que seja feito a partir de vinhas velhas. E se a conversa resvalar por entre encostas vertiginosas, nada melhor do que escolher um tinto ou um Vinho do Porto, para finalizar. Porém, e para iniciar a celebração de São Valentim à mesa, prepare a boca com a sagacidade de um branco.

Há quem diga que o amor é a variável de um estudo topográfico que abarca as encostas vertiginosas de um Douro antigo, conhecido pela rudeza dos solos por onde serpenteiam os vinhedos tratados com desvelo e a persistência devidos. A cada momento é primado o saber-fazer, para que as cepas dêem fruto e, por último, o vetusto néctar de Baco seja feito com a qualidade exigida – eis que chega a altura de fazermos a analogia com o trabalho protagonizado pela família Alves de Sousa, que zela a uva, da colheita à adega, em Santa Marta de Penaguião, no Baixo Corgo, sub-região que faz parte da mais antiga região demarcada do Mundo.

Vamos à prova? Perguntou num tom desafiante.
Vamos! Disse com a veemência de quem parecia ter ouvido tudo.

Sem mais delongas, o mui apaixonante momento enredou-se na perspicácia depositada numa referência que marcou a estreia da família Alves de Sousa na produção dos chamados vinhos de mesa.

Vale da Raposa Reserva branco 2015, afirmou enquanto levantava o copo depois de o servir, meticulosamente, à temperatura recomendada (10° C).

Ouviu-se o tímido tilintar dos copos frente à lareira, porque no Inverno duriense imperam as noites álgidas. As palavras entrelaçavam-se num diálogo sereno sobre a sagacidade de quem domina a arte de saber-fazer vinho cuja composição assinala a presença das castas Rabigato, Gouveio e Viosinho de vinhas com mais de 20 anos para um vinho cuja feitura Tiago Alves de Sousa, o enólogo, investiu tempo.

Acompanhado por dizeres esclarecidos e apreciado até à última gota do copo, seguiu-se um Quinta da Gaivosa tinto 2011 DOC Douro.

Neste vinho estão a Touriga Franca, a Touriga Nacional, o Tinto Cão, entre outras castas colhidas, em 2011, numa vinha onde as cepas contam com mais de 80 anos, afirmou ao mesmo tempo que o servia a 18° C e uma hora depois de ter sido decantado.

Sem que a interpretação suprimisse o mérito nem enaltecesse o queixume, o momento seguinte foi experienciado com um Abandonado. Contradições da Língua Portuguesa à parte, este néctar dos deuses feito a partir da colheita de uvas oriundas de uma vinha com mais de 80 anos deve o nome ao abandono parcial a que foi submetido por alguns anos e onde apenas sobrevivem as vetustas cepas, devido às condições de um clima extremo.

Sobre a vinha, e tal como diria o conceituado Arquitecto Mies van der Rohe sobre esta vinha,“Less is more” ou não fosse superlativa a qualidade das suas uvas, explicou depois de dar a conhecer o Abandonado tinto 2013 DOC Douro Tinta Amarela. Este vinho é feito a partir das castas Touriga Franca, Touriga Nacional, Sousão, entre outras castas autóctones, continuou enquanto o servia a 17° C e já depois de decantar durante uma hora. Poderia ficar entre uns 15 e 20 anos em garrafa, mas esta é, definitivamente, uma noite especial, enfatizou.

A envolvência remeteu-se a um silêncio enternecedor.

Memórias? As letras ecoaram num impulso acatado por um sorriso.
Alves de Sousa Memórias. É um vinho muito especial. Foi feito para comemorar os 20 anos que a família de Domingos Alves de Sousa dedicou aos vinhos do Douro, entre 1992 e 2012. Conheces? Questionou, sabendo de antemão que sim, que conhecia.
Conheço. Na composição estão as colheitas de 2003, 2004, 2005… 2007, 2008 e 2009 das seis vinhas da família – Gaivosa, Abandonado, Lordelo, Vale da Raposa, Caldas e Oliveirinha. É um vinho muito distinto. Respondeu com a certeza de um conhecedor exímio. E vejo que também já foi decantado, confirmou enquanto o vertia calmamente no copo inspirando, em simultâneo, os aromas para, depois o analisar à ténue luz da lareira depois de o fazer rodopiar, delicado, nas paredes do recipiente de vidro fino.
Aqui estão uvas de vinhas de 60 a 100 anos. Um privilégio!
Um privilégio do Douro, sublinhou suspirando. A temperatura a que é servido está perfeita!
17° C.
Para terminar… começou depois de uma conversa demorada e já depois de a luz da cozinha se apagar atrás dela, vislumbrando-se uma tábua de madeira clara repleta de queijos e dois pratos, cada um com uma fatia de bolo de chocolate.
É bolo de mousse de chocolate negro, disse esboçando um sorriso.
Uhm… Ainda me lembro da primeira vez que o serviste. Foi há…

Sorriram com um olhar cúmplice.

Quinta da Gaivosa Porto Vintage 2013, prosseguiu sem afastar os olhos do olhos dele. Feito a partir das castas tintas Sousão Touriga Nacional Touriga Franca colhidas em vinhas com mais de um quarto de século.
Foi aberto há quanto tempo?
Há uns 30 minutos e deve ser servido a 15° C, esclareceu com o mesmo sorriso de admiração.
Ainda hoje adoro ouvir-te assim, a falar sobre os vinhos e sempre com a mesma paixão. Brindemos aos nossos 35 anos de amor eterno!

Agradecemos à família Alves de Sousa o apoio na realização desta história dos enamorados pelo Douro.

© Ilustração: Sara Quaresma Capitão

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