A família Alves de Sousa apresenta um novo capítulo da sua história que é um marco na junção do passado e com o futuro, um brinde à tradição duriense sob o traço delineado pela contemporaneidade da mais recente adega da Quinta da Gaivosa, no Baixo Corgo, mote para uma viagem enogastronómica pela região.
Os rebentos em plena primavera, na Quinta da Gaivosa
A produção vinícola no Douro é um legado do avô, o homónimo Domingos Alves de Sousa e, por conseguinte, uma tradição demarcada pela aposta nos vinhos generosos, assim como na construção da antiga adega, a original, datada de 1955 e mandada erigir por Edmundo Alves de Sousa, o pai e representante da terceira geração desta família.
Hoje, os Alves de Sousa estão encabeçados por Domingos Alves de Sousa – o anfitrião – que, nesta quarta geração, inicia uma nova era, primeiro, em 1992, com a decisão de vinificar as uvas das quintas que lhe foram atribuídas em herança, bem como das que adquiriu à posteriori, colocando a enologia nas mãos do mui conhecido Anselmo Mendes, com quem deu a conhecer vinhos de referência, como o Quinta da Gaivosa tinto 1995. Depois,em 2002, com a entrada do filho, Tiago Alves de Sousa, que acabara de concluir a formação em Engenharia Agrícola pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, e a comemoração do 20.º aniversário, em 2012, ano celebrado com Alves de Sousa Memórias tinto e, no presente, com a nova adega, nomeada para o Prémeio Mies Van der Rohe 2015, na Quinta da Gaivosa, em Santa Marta de Penaguião.
“O diálogo do futuro com o passado”
O vinho estagia em barricas de carvalho português e francês na adega da Gaivosa
É dada, assim, resposta à crescente capacidade de vinificação resultante do investimento constante nos vinhedos, em particular na restruturação das vinhas velhas, da aquisição de outros terrenos com videiras, a par com a produção dos vinhos do Douro e de Vinhos do Porto feitos a partir das castas oriundas das quintas Gaivosa, Vale da Raposa, Caldas, Estação, Aveleira e Oliveirinha, as quais perfazem um total de 130 hectares.
Em suma, a adega é um projeto que se converte num recomeço, no acrescentar de uma nova página na história da família Alves de Sousa, a qual representa “o diálogo do futuro com o passado”, diz-nos Tiago Alves de Sousa, o enólogo.
Com o traço do arquiteto transmontano, e discípulo do reconhecido Álvaro Siza Vieira, António Belém Lima, o qual é complementado com as valências de outras empresas da região, o novo edifício vale pela integração na envolvência paisagística do Douro, ora pelo tom escuro que lhe dá cor por fora, ora pelos tons claros que comungam com as máquinas, os inoxs, as barricas no interior, numa precisão de tempo, ora célere, ora dotado de tão aguardada serenidade na penumbra das salas em que estão confinadas, sendo a sustentabilidade e a eficiência energética dois outros fatores de grande importância neste conjunto de premissas delineadas em colaboração com Domingos e Tiago Alves de Sousa.
De fora para dentro, a receção das uvas é feita em ambiente aberto para a imponente paisagem traçada por socalcos que serpenteiam as encostas contíguas à Quinta da Gaivosa. “A uva é toda nossa (…) e é tudo vinificado aqui”, explica Tiago Alves de Sousa no início da visita acompanhada por Domingos Alves de Sousa e pela irmã, Patrícia Alves de Sousa. Desde o início do processo que dura entre três a quatro semanas – o tempo que decorre as vindimas –, em que as uvas são encaminhadas para a adega por gravidade, após da seleção das mesmas no tapete e da passagem pelo desengaçador, ou para os sete lagares em inox, complementados pelo sistema de refrigeração, “para controlar a fermentação com o rigor que já é difícil num lagar tradicional”, sustenta o enólogo da família, e por um pisador controlado mecanicamente, o qual foi feito por uma empresa da região. “É a introdução de uma técnica tradicional com a tecnologia e a ciência do século XXI”, justifica.
A “nave principal de vinificação”, segundo Domingos Alves de Sousa
O corredor estende-se pelo meio do edifício e dá acesso ao espaço reservado para o engarrafamento, rotulagem e ambalamento, onde Carlos Veiga, funcionário da empresa há 14 anos e braço direito de Tiago Alves de Sousa, prepara as caixas que levarão os Vinhos do Porto da casa. Em frente está o laboratório, com uma enorme janela rasgada com vista para as cubas de inox dispostas no piso inferior. “É quase um big brother”, enfatiza o enólogo.
Na sala ao lado descansam garrafas, ou seja, trata-se do espaço confinado para o período de estágio intermédio – são cerca de meio milhão de garrafas de vinho do Douro e de Vinho do Porto as que por aqui estagiam por ano. Entretanto, somos surpreendidos por uma janela discreta para as barricas de carvalho francês e português, onde estagiam os brancos de 2015; na sala contígua estão muitas outras pipas – ao todo são cerca de 500.
Por fim, abre-se o caminho para “a nave principal de vinificação”, nas palavras de Domingos Alves d e Sousa, onde se encontram as cubas de inox, frente e frente.
No concílio de um deus Baco duriense
Prova feita com oito vinhos desenhados por Tiago Alves de Sousa
Subamos aos nível quatro. Aqui as boas novas com a assinatura Alves de Sousa são postas à prova. No desfile estão oito referências apresentadas pelo enólogo, tendo o início sido marcado por um Vale da Raposa Reserva 2015, feito a partir das castas Rabigato, Gouveio e Viosinho, castas com mais de 20 anos, as quais se encontram nas encostas viradas a norte e com uma evolução na garrafa entre sete e dez anos, e o mote para falar sobre a quinta com o mesmo nome, na qual a família se estreou na produção de vinhos DOC Douro, com um tinto, seguido de brancos e rosés.
Sobre o Branco da Gaivosa Grande Reserva 2014, um blend da Quinta da Gaivosa formado por Malvasia Fina, Gouveio, Avesso e Arinto, Tiago Alves de Sousa garante que este “ganha em garrafa”, até porque “a tradição da uva branca na Gaivosa sempre foi muito grande”. Para abrir 30 minutos antes (decantar, se possível) e servir a 12° C.
Alves de Sousa Pessoal branco 2008 “é um dos vinhos mais originais que alguma vez fizemos”, afirma Tiago Alves de Sousa. Feito a partir de Malvasia Fina, Viosinho, Gouveio, entre outras castas autóctones, todas originárias de vinhas com mais de 70 anos, este vinho convém ser decantado uma hora antes e servido a 13° C e harmoniza bem com “carnes fumadas, foie gras e queijos”.
Gaivosa Primeiros Anos tinto 2012 foi o vinho que se seguiu. Feito a partir das castas Sousão, Tinta Amarela e Touriga Nacional, oriundas de vinhas novas, este néctar de Baco da Quinta da Gaivosa apresenta, deste modo, um conceito oposto das referências anteriores tendo, com conselho, abrir 20 minutos antes e servir a 17° C.
Também da Quinta da Gaivosa, foi posto à prova o tinto de 2011, um ano que, “foi considerado o melhor dos últimos 25, 30 anos da história do vinho do Douro”, informa o enólogo, e um vinho que reuniu consensos, graças aos aromas, a elegância e a complexidade que o caracterizam, e cuja evolução em garrafa é, assegura Tiago Alves de Sousa, entre 15 a 20 anos.
Da vinha de Lordelo, com cerca de cem anos, onde “as variações são muito interessantes, porque tem 30 castas autóctones diferentes”, o que permite múltiplas variações, “mesmo na maturação”, explica, o que confere a produção de um vinho que pode ser apreciado daqui a 15, 20 anos, de acordo com a indicação de Tiago Alves de Sousa.
No contexto do Vinho do Porto, o enólogo apresentou o Quinta da Gaivosa Late Bottled Vintage (LBV) Porto 2012, que representa a tradição de cinco gerações, o “reflexo da diversidade natural do Douro” e a “importância que [o Vinho do Porto] terá no futuro”, remata, mas não sem antes dar a conhecer o Quinta da Gaivosa Porto Vintage 2013, feito a partir de castas de vinhas com mais de 25 anos e que pode ser consumido daqui a três décadas.
Roteiro enogastronómico em alta
O Vinho do Porto testemunha a tradição de cinco gerações na família
Porque o vinho quer-se em boa companhia, passemos à mesa, para comprovar que o legado vínico de Domingos Alves de Sousa combina, na perfeição, não só com a cozinha típica portuguesa, mas também com a gastronomia contemporânea.
As azeitonas e o azeite, a bola de carne e as pataniscas de bacalhau da Chaxoila são acompanhados por um Vale da Raposa Reserva branco 2015
Para começar a incursão enogastronómica, o eleito foi a Casa de Pasto Chaxoila, em Vila Real, dona de uma cozinha regional transmontana de se lhe tirar o chapéu ou não tivesse conquistado o palato de quem pouco aprecia tripas. Melhor ainda, são as tripas aos molhos, o clássico inventado pela casa que, a par com as pataniscas de bacalhau, a bola de carne cortada e as azeitonas cortidas a preceito, fizeram companhia ao Vale da Raposa Reserva branco 2015 e ao Branco da Gaivosa Grande Reserva 2012.
A mãozinha de vitela com grão feita a preceito
Ao Domingos Alves de Sousa Reserva Pessoal 2005, feito a partir de castas da Quinta da Gaivosa – a entrada no mercado deste aconteceu em 2012, pois a intenção é apresentar o Pessoal sete anos após a colheita das uvas – coube a mãozinha de vitela com grão, para apimentar q.b. com o picante desta casa de pasto. No fim do repasto, o Quinta da Gaivosa Porto 10 anos recebeu a companhia do pito do calondro que, apesar de ser um doce típico de 13 de dezembro, dia de Santa Luzia – segundo a tradição vila-realense, era dado, pelas raparigas, aos rapazes que lhes conquistassem o coração –, recheado com doce de abóbora (ou calondro), há-o o ano inteiro na Chaxoila e é servido com gelado de baunilha ou de nata. Porém, as iguarias não ficam por aqui, razão pela qual vale a pena conhecer esta casa de pasto fundada em 1947.
Uma mão cheia de vinhos da Alves de Sousa protagonizaram a harmonização com os pratos do Cais da Villa
O Cais da Villa, no vetusto armazém ferroviário de Vila Real, foi outro dos palcos eleitos para a harmonização dos vinhos do produtor Domingos Alves de Sousa com os pratos assinados pelo chef beirão Daniel Gomes, que elegeu folhado de perdiz e javali, e com redução de Vinho do Porto, para combinar com o Branco Reserva Pessoal 2004, já depois do Vale da Raposa Reserva branco 2015 ter sido servido em jeito de boas vindas a este restaurante.
O ossobuco, o puré e os legumes salteados foi escolhido a dedo para os Quinta da Gaivosa tinto de 2003 e de 2011
Para o ossobuco, temperado com tomilho laranja, salva e manjerona, e puré, com legumes e cogumelos salteados foram escolhidas as colheitas de 2003 – o primeiro Quinta da Gaivosa de Tiago Alves de Sousa – e 2011 do tinto Quinta da Gaivosa, a fim de comprovar a longevidade de um vinho, graças à robustez e vivacidade que o caracterizam.
A deleitosa sobremesa ganhou com o Quinta da Gaivosa Porto 10 anos
Para rematar o repasto, o estaladiço de maçã e queijo terrincho – um DOP oriundo de Bragança –, feito pela chef pasteleira Graça Silva, Tiago Alves de Sousa optou por um Quinta da Gaivosa Porto 10 anos, um Vinho do Porto branco que “pode ser a porta de entrada do Vinho do Porto, sobretudo, para os mais jovens”, esclarece o enólogo.
O Pessoal branco 2008 ficou com o prato de vieiras do chef Rui Paula
No roteiro de combinações críveis, e com o intuito de corroborar a versatilidade dos vinhos produzidos na adega da Gaivosa, a família Alves de Sousa integrou o DOC, o restaurante do chef Rui Paula, em Peso da Régua. À prova e para cada momento foram escolhidos cinco néctares de Baco de Domingos Alves de Sousa que, nas boas vindas, brindou com um Branco da Gaivosa 2014, feito a partir das castas Arinto, Gouveio e Malvasia Fina, para acompanhar o cone de salmão e o pão recheado com caldo verde. Com a vieira com molho de três queijos e chouriço ibérico brilhou o Pessoal banco 2008, “um vinho que nos promete muito em provas internacionais”, revelou o produtor.
O Quinta da Gaivosa tinto 1999 encheu as medidas à mesa do DOC, com o polvo grelhado com infusão de azeite extra virgem e alho
Ao polvo grelhado com infusão de azeite extra virgem e alho foi dado, como par, o Quinta da Gaivosa tinto 1999. Domingos Alves de Sousa enalteceu o pouco tempo que falta para este vinho completar duas décadas. “Ainda faz parte dos anos em que era tudo vinificado e, no estágio, escolhíamos os melhores vinhos”, afirmou, ao contrário do que é feito no presente, pois “agora a vindima é feita parcela por parcela e, uma ano depois, são feitas as combinações dos diferentes vinhos e, em prova cega, é escolhida a melhor”. Por sua vez, ao cachaço de porco bísaro com favas coube o Alves de Sousa Reserva Pessoal tinto 2007, um vinho cuja primeira colheita data de 1997 e da qual foram feitas 197 garrafas. Já o Alves de Sousa Porto Vintage 2009, feito a partir de uvas da Quinta da Gaivosa e da Quinta da Oliveirinha – esta no Cima Corgo –, e o primeiro Vintage da Alves de Sousa, acompanhou o chocolate e o café com crocante de caramelo e avelã do chef Rui Paula. Na despedida foi servido o Quinta da Gaivosa Porto Tawny 20 anos.
E nada melhor do que um passeio pelos vinhedos, o que acabou por ser uma verdadeira aventura, pois a chuva não deu tréguas deixando, em aberto, o desejo de regressar.
Brindemos! •
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