Chama, de Tomás Maia

No Centro de Artes Visuais, em Coimbra, há uma Chama proposta por Tomás Maia. Todavia, esta é uma exposição em quatro passos que também “chama”: os seus ouvidos podem escutá-la até 22 de Setembro de 2019.

Materiais: Projectores Led, tubos em aço (83 mm), discos em aço (180 mm), tubos de ensaio em vidro (30 mm), óleo de parafina, pavio, contraplacado (400 mm), vidro (400 mm) e cabo de aço (1 mm).

Descreva-se, sobretudo, Chama, porque nela o ritmo importa: quatro focos sucessivos do lado direito provindos de pequenos buraquinhos existentes nas paredes brancas, à excepção do último (sem parede), cada qual incidindo em quatro chamas colocadas na mira em lado oposto, resguardadas pelas quatro celas do espaço, as chamas dirigem-se a dois círculos iniciais vítreos, e fazem projectar nas paredes dois sóis negros, à terceira não existe o vidro, mas o sol aproxima-se, para na quarta cela vir o vidro de perfil, fazendo com que na parede se desdobrem as sombras, que já não são sóis negros, mas vêm como que liquidificadas.

Chama é despojamento. Embora se possam estabelecer pares de significações: noite/dia; distante/próximo; fogo/água; cenografia/interface; transmutação/projecção; origem/4; olhar/desdobramento … Chama é despojamento. Perante este facto, e sendo uma instalação que traz a pobreza inscrita de forma tão evidente, foi-me ecoando um nome à medida que deixava Chama trespassar-me, lentamente: Etty Hillesum. E é sobre Etty, quem enuncio desta forma tão familiar porque a trago também aninhada no coração, que vos desejo falar. Reparem, poderia certamente deixar-vos aqui plasmada a panóplia de pequenas percepções advindas da fruição desta exposição, e estaria certo, creio. Mas, agora, Etty Hillesum.

E porquê? Porque Etty despojou-se até levar a alma a um ponto geométrico onde se pode respirar realmente. Todas as épocas têm denominadores comuns. Não sou catastrofista: não me parece que o passado albergue a cura, mas sim que se deve sempre futurar a esperança, esse fio tão fino e, no entanto, o único a permitir-nos dançar quando a opressão desce à Terra. E essa opressão desceu para Etty, judia que poderia ter escapado às garras nazis e, no entanto, preferiu comungar do destino do seu povo, e morrer a par com homens e mulheres, meninos e meninas. A opção de Etty não é fácil, e também não é fácil falar sobre ela. Mas se pensarmos que encontrou a beleza, também, no campo de concentração onde morreria, é como se um raio de luz nos esburacasse da cabeça aos pés.

A escolha de Etty não é fácil mas apela, ou seja, “chama”.
Para ver no CAV, Pátio da Inquisição, 10, em Coimbra, até 22 de Setembro. •

+ CAV
© Fotografia: Diogo Saldanha.

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