47.59 Após a série de retratos trocados na “recorrência” da Residência Artística em Condeixa-a-Nova, seguem-se outros ainda, notas de encontros antigos, e recentes.
Parece-me algo que possa fazer-nos pensar: a um/a artista questiona-se, e adiciona-se, a sua data de nascimento: como se essa data pontuasse o nosso tempo. E é isso: a arte marca as “horas”, já que um/a artista é um/a aferidor/a no imaginário colectivo. Quando nascemos creio que não o sabemos – contam-nos, mas cabe-nos, também, reinventar o nascimento, dele fazer algo como um código/códice que seja chave de acesso a uma Vida. Por tal: 02/02/1960, dia, mês e ano em que nasceu Teresa, e Cena, nome com que assina, e dia que corresponde ao de Nossa Senhora das Candeias. A Luz.
A formação em Pintura de Teresa remonta à ARCA, em Coimbra e entre 1978 e 1982, precisamente no momento em que a Associação Recreativa e Cultural de Coimbra estaria a caminho de integrar outra denominação associada, ETAC – Escola de Tecnologias Artísticas de Coimbra, institucionalizando-se como escola de artes. Nesse caminho a presença e acção da então aluna de pintura foi crucial, como recordou e contou: alunas entraram em contacto com professores do primeiro ano da ARCA, precisamente João Dixo e Armando de Azevedo, conjugando esforços para que surgisse a escola de artes a seguir. Teresa, primeiro, e uma antiga aluna que se lhe associou, convenceram os professores de que havia lugar em Coimbra para uma escola de artes; mais tarde envolvendo nos mesmos esforços Norberto Canha. Trabalharam no sentido de captar apoios na forma de mecenato e/ou facilitação de todos os trâmites inerentes à criação de uma escola de artes. Aliás, Teresa recordou algo cómico: tinha pavor de falar ao telefone, mas teve de o fazer intensivamente para providenciar mecenas e garantir uma rede de contactos; perdeu o medo e pensou que se não acabasse pintura pelo menos teria sempre garantido o lugar de telefonista! A seguir, quando a escola foi reconhecida, assumiu as funções de secretária do Professor João Dixo, entretanto designado como Director Pedagógico da ARCA-ETAC. E foi assim que surgiu uma Escola de Artes em Coimbra!
Formou-se em Pintura e é Pintora com um percurso marcado pela condição de MÃE-MULHER, ou seja, com hiatos. Afirma que a condição feminina, associada ao facto de ser mulher e no contexto da família, assegura em primeiro plano o bem e a felicidade dos filhos; pelo que, relacionado com tal abnegação, a mãe sobrepõe-se à condição de artista, no sentido em que é necessário providenciar colo. Enquanto Teresa Cena me falava sobre esta condição, passavam de relance pela minha memória as afirmações de Marina Abramovic quanto ao facto de a maternidade, a ter acontecido na sua vida, ser algo que teria arruinado por completo a carreira na arte, bem como a rajada de reacções negativas, em grande parte provindas de homens. Mas alguém duvida da questão da maternidade como algo que particulariza a experiência feminina? Apenas, certamente, as investigações sobre paternidades “trans”, que se detêm sobre os “homens que engravidam”; perplexidade que me acode: se pretendem fugir, como se o fizessem pelos pingos da chuva, do pensamento binário, qual a razão para afirmar que são “homens que engravidam” e não “trans”? Como se interrogava Sigmund Freud: essa questão intrigante de saber de onde vêm os meninos?!… 1996: Teresa teria gémeas.
Atenção: nunca deixou de pintar e todos os dias pensa a pintura, esboça mentalmente os seus estudos, transpondo para a superfície o que laboriosamente reflecte. A sua situação de docente de artes no Ensino Básico, como vinca, proporciona, por outro lado, uma espécie de transferência e até sublimação: nas aulas é como se existisse o atelier; as crianças e os jovens, fazem, também, borbulhar e fervilhar as coisas dentro da sua cabeça.
Neste momento trabalha a dualidade/tensão/dialéctica entre luz e sombra através da enunciação da sua imagem fotografada, no seguinte sentido: imersão na noite e percepção de si própria em reflexo, tentando detectar, vendo, o que existe para lá dela. E aí vão particularizando-se alguns fantasminhas, ou, para o colocar nos termos de Walter Benjamin, o inconsciente óptico. É a primeira vez que transpõe a sua corporeidade para um espaço perdurável, no caso, as artes plásticas, que assumem, na sua necessidade específica, uma qualidade heteróclita: convoca técnicas plurais que, pese embora a diferença, se sobrepõem como se fossem camadas. Remata: “Neste momento quero mostrar que sou uma cebola.”
Teresa…vais fazer-nos chorar…! Mas nós sabemos: a grande ALEGRIA é habitada interiormente por uma silenciosa chuva de lágrimas.