Este é o momento em que reflicto numa obra imaginária, que denomino “O Sonho Imperceptível”, pelo que não existe imagem que possa ancorar-Vos a visão.
Sim: Marcel Duchamp é talvez o artista mais importante para o movimento da Arte Contemporânea, porque espetou um derradeiro “espinho”, de acordo com a nomenclatura de José Gil, na imagem: ready-made, destacando-se a “ofuscante” Fonte. Já (está-) feito! Duchamp é também o primeiro curador moderno, com as suas Boîte en Valise: quem duvidar desta tese, por favor, perscrute com o devido cuidado a forma como organizou essas caixas-memoriais. Oh, mas D., como o trato agora carinhosamente, foi igualmente aquele jogador de xadrez concupiscente que, de 1946 a 1966, laborou secretamente em Étant Donnés. Étant Donnés: a violação da pintura OU a reabilitação da pintura OU o começo da “instalação” OU … OU (…)?
A, a, o … Reparem, e não quero com o exercício que se segue entrar em jogos discursivos ou particulares de desconstrução; aliás, até julgo que construção/ desconstrução são um par muito bem unido de facto. Exemplo: não me parece, para o que se refere à (possível, plausível, hipotética – não é fácil escolher os termos no momento civilizacional em que nos encontramos…) identidade (!) “no feminino” (escolho colocar entre aspas porque sei que o corso imparável do tempo lançará as suas labaredas de fogo, algo muito semelhante ao que Friedrich Nietzsche chamou a “corrida de archotes”) de hoje que seja um caminho único desconstruir os lugares-comuns herdados, sem, por outro lado, providenciar interpretações-visões (Heidegger chamou-lhes mundividências, que, pese embora, como pondera, poderão ser substancialmente engendradas pela/na Modernidade e, na verdade, a Ferida é mais ANTIGA…) positivas.
Exercício, então: a violação da pintura OU a reabilitação da pintura OU o começo da “instalação” … ? A, a: feminino; o: masculino. Bom, poderiam obstar: mas, em vez de ter dito “o começo”, poderia ter escrito “a inauguração” e, assim, tínhamos três ocasiões de feminino, sem que o masculino aqui colocasse o seu dedo? Acontece que considero o masculino muito maroto, logo, quero mesmo que meta o seu dedo nesta história; até porque D., pese embora a sua Rrose Sélavy (talvez mais Rrose para D. e, para nós, hoje, Sélavy), era um homem. Se escolhermos o feminino (a,a) temos uma contradição entre “violação” e “reabilitação”; se escolhermos o masculino (o) temos a positividade de um movimento, ou seja, a inscrição de uma novidade na forma aspectual da arte, ou ainda, uma nova disciplina operativa. Se aqui, no “par” contradição/positividade, não se condensa uma história bem intensa entre feminino/masculino juro-vos: arrumaria as luvas de boxe e acabaria. Mas condensa, não acham? “O Sonho Imperceptível”: D. pode ter presenteado a arte contemporânea com o ready-made, mas não me parece, honestamente, que no mesmo gesto capture a realidade num já-visto. D. sabia que a contradição/positividade o dividia em partes, partes operativas. E Maria?