“Benefício de bloqueio”. O plano implementado no pós-guerra é a solução da ProDouro para a vindima de 2020

Submeter a produção de Vinho do Porto a um regime que impeça a sua entrada no mercado durante um determinado período de tempo é a proposta da Associação dos Viticultores Profissionais do Douro. A finalidade é ajudar os viticultores da região demarcada mais antiga do mundo a enfrentar a actual crise económica mundial. Mas quais são as garantias dadas a quem se dedica à viticultura? Ou quem pode permitir o avanço desta acção? Estas são apenas duas das perguntas feitas a Rui Soares, presidente da Direcção desta colectividade sem fins lucrativos, criada em 2015 e, também, responsável pelo departamento de viticultura da Real Companhia Velha.

Em que consiste este regime de bloqueio que a ProDouro propõe aos viticultores da mais antiga região demarcada do mundo? Que mensagem querem transmitir com esta solução?
Recuperámos a solução aplicada na vindima de 1945, fortemente marcada pelo fim da guerra, que lhe foi próximo. As existências de vinho do Porto eram elevadas e a exportação tinha recuperado apenas cinco por cento do valor praticado antes da guerra (foi a sexta mais baixa desde 1756). O limite do benefício imposto pelo IVP [Instituto do Vinho do Porto] nesse ano é o mais baixo de sempre – 20.000 pipas de mosto –, o que representa 16,9 por cento da produção regional do ano (o quinto valor mais baixo de 1934 a 1988). Muitas vezes se tem associado a actual conjuntura a um estado de guerra e de facto. A quebra no volume de exportações imposta a nível mundial, aproxima-nos muito dos cenários de privação impostos por uma guerra.
A aplicação do “benefício de bloqueio” em 2020 evitaria a queda abrupta da Autorização de Produção de Vinho do Porto (benefício), permitindo produzir um quantitativo superior ao necessário para a campanha – definido anualmente em função das vendas e expectativas para a ano seguinte. Assim, se para a vindima normal for definido um quantitativo muito inferior ao do ano transacto (por exemplo: menos 20-30 por cento), essa diferença seria compensada através do “beneficio de bloqueio”. Esse diferencial seria produzido, mas apenas seria colocado no mercado, após x anos, de acordo com os interesses do sector. 

Quais as razões capitais para a implementação deste processo de bloqueio de Vinho do Porto e de que forma vai ajudar a atenuar os efeitos desta pandemia mundial que, por arrasto, está a incrementar uma crise global quase sem precedentes?
Mais do que nunca, as duas partes do negócio (produção e comércio) têm que se unir e evitar, a todo o custo, a quebra acentuada dos rendimentos dos viticultores, atenuando fenómenos de excesso de uva no mercado da região e sua consequente desvalorização. Em 1945, os viticultores estavam unidos e bem protegidos pela Casa do Douro que tomou o processo em mãos, tornando-o, de certa forma, mais fácil de implementar. Actualmente, a falta desta instituição obriga todo o sector a estar unido procurando a defesa do bem comum que, sem dúvida, é o Douro.

Que garantias e benefícios terão os produtores de Vinho do Porto?
Às empresas produtoras fica assegurado, desde logo, um volume de vinho que irá envelhecer em cave, uma vez que, não pode ser comercializado antes de x anos. O Porto é um vinho sem prazo de validade. Admirem-se os vinhos Tawny produzidos no fim século XIX, mas postos à venda no princípio do século XXI. Daí o conforto do “velho Porto” que figura no nosso manifesto para a produção de “benefício em bloqueio”.

Estamos a falar de quantos produtores, de quantos hectares possuem em média e de que quantidade de toneladas de uva vendem, por ano, para o Vinho do Porto? Essa quantidade traduz-se em quantos litros?
Os viticultores beneficiados serão todos os que têm direito à produção de vinho do Porto, independente da área de vinha que explorem e da classificação da sua vinha. Actualmente a região ocupa uma superfície de 43.608 hectares de vinha explorada por 20.015 viticultores, o que perfaz uma média de 2,18 hectares por viticultor. Em 2019, a produção estabelecida de vinho do Porto foi de cerca de 81,4 milhões de quilos e 75,3 milhões de litros (após adição de aguardente vínica).

O preço da uva está em risco de baixar com este regime ou os viticultores continuarão a beneficiar com a venda da matéria-prima para a feitura do Vinho do Porto?
Antes pelo contrário. Se a quantidade de vinho do Porto baixasse, libertar-se-iam as uvas para a D.O. Douro ou vinho comum, e que se antevê desvalorizado, dada a precipitação com que alguns reclamam para a D.O. Douro o calvário da chamada destilação de crise. Caso se adopte o “benefício de bloqueio” terão de ser acertadas as respectivas disposições quanto a quantidades, preços, comoção no mercado, etc.. O contexto actual é diferente em vários aspectos do contexto em que originalmente se criou esta solução. A região tem que se conseguir reunir dentro deste chapéu protector e chegar a consenso, sendo que este caminho implica sacrifícios de parte a parte, que se podem traduzir no lema que temos vindo a divulgar: “Por um Douro Unido e Solidário.”


O tratamento da vinha, nesta fase, é crucial. No entanto, a falta de mão-de-obra que, nos últimos anos tem vindo a aumentar e, consequentemente, a preocupar produtores de Vinho do Porto e viticultores é, actualmente, um desassossego maior no Douro, devido ao confinamento. Em que moldes se poderá atenuar esta realidade dicotómica que assenta na necessidade dos viticultores adquirirem os produtos para tratar da vinha e, simultaneamente, na inevitabilidade de terem de pessoas para efectuar esses tratamentos?
A agricultura, na medida em que trabalha com seres vivos, nunca pode parar. Assim sendo, estamos já habituados a adaptar as nossas práticas às dificuldades, mantendo sempre a actividade, na resiliência que seguramente todos reconhecem a quem trabalha neste sector. A falta de mão-de-obra na região verifica-se e tem-se vindo a acentuar, muito antes da pandemia. Este assunto preocupa-nos muito e temos vindo a desenvolver vários estudos e esforços, no sentido de melhorar a situação. Precisamente, o nosso evento anual, cancelado pelo estado de emergência, iria ser dedicado completamente a este tema. Continuamos a trabalhar nele e, assim que seja possível, marcaremos nova data, deixando desde já o convite, à vossa publicação e a quem nos esteja a ler para estar presente.

Quão urgente é a decisão a tomar pelo Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto e pelo Governo?
A tomada de uma decisão neste sentido é urgente, para dar um sinal ao sector e tranquilizar os viticultores da região. Caso tal não aconteça, corremos o risco de criar desânimo entre as pessoas e levar alguns a negligenciar o cultivo das vinhas perante os riscos de diminuição de rendimentos. 

Que custos tem o erário público com esta decisão?
A medida que estamos a defender visa uma solução que não tem custos para o erário público, na medida em que, sendo uma decisão da região, caberá aos respectivos agentes económicos (produtores e comerciantes) a produção e armazenamento do vinho produzido. Todavia, vemos com particular interesse que sejam disponibilizadas linhas de crédito COVID que permitam aos comerciantes recorrer a tais financiamentos, para ajudar a suportar financeiramente os encargos associados. 

Mediante o aval do Governo e a implementação do tratamento atempado na vinha, que informação podem adiantar sobre a colheita de 2020? Será um bom ano?
É ainda muito cedo para adiantar pormenores sobre a qualidade do ano, A ”procissão ainda vai no adro”, mas podemos garantir que, até agora, a campanha está a ser muito desafiante, não só pelo COVID, mas também pelas incidências climatéricas da Primavera, chuvosa e instável.

A ProDouro – Associação dos Viticultores Profissionais do Douro conta, actualmente, com 85 associados que representam 1.163 viticultores que exploram 4.035 hectares de vinha. O seu objectivo consiste em mostrar ao mundo o trabalho dos lavradores profissionais, enaltecer a qualidade e a valorização das suaspropriedades, da uva e do vinho produzido na região do Douro, bem como preencher lacunas através do rigor técnico que se exige no que a assuntos relevantes para a viticultura da região do Douro diz respeito, através da apresentação de solução e da elaboração de propostas resultantes das suas reflexões conjuntas, para que sejam postas em prática colectivamente. “Pauta a sua actuação por uma lógica de eficiência de recursos e de complementaridade de ideias para a região sem ocupar ou sobrepor no espaço de actuação de entidades já existentes”, sintetiza Rui Soares. Ou seja, “não pretende ser uma Associação com uma actuação verticalizada e com vocação para implementar as soluções no terreno. Pretende-se sim, promover o mérito das soluções junto dos organismos competentes e estimulá-los à sua implementação para o bem da região”, esclarece. Podem fazer parte da ProDouro os viticultores que possuam mais de dez hectares de vinha na região ou produtores-engarrafadores, adegas cooperativas e sociedades comerciais de viticultores, casos esses em que a área mínima de vinha deixa de ser requisito.



Nota de redacção: Quanto às respostas, os méritos são partilhados com Ana Aguilar e António Magalhães, director de viticultura no grupo The Fladgate Partnership


+ ProDouro

Foto: © João Pedro Rato

Legenda da foto de entrada: Rui Soares, presidente da Direcção da ProDouro


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