Peste & Sida. Despe & Siga. A Naifa. Agora, Luta Livre. Uma suma de quatro alinhamentos que, até para o mais incauto dos nossos leitores, é de peso e faz de Luís Varatojo um incontornável da cena musical, para quem tem ouvido bem aberto ao que de bom se tem feito por cá.
Luís Varatojo é nome obrigatório conhecer, é nome indissociável e transversal da várias gerações que sabiam e sabem na ponta da língua, do início ao fim, o tal “Sol da Caparica”, “Rádio Ska” ou “A Tourada” (nos novos arranjos d’A Naifa), e já deve estar, neste mesmo patamar, o mais recentíssimo “Sushi Era No Japão”. Antigos clássicos e novos/futuros clássicos que fica(ra)m em loop nos nossos ouvido. Cremos que é uma das características criativas deste reconhecido veterano músico dos nossos palcos: o deixar-nos presos a refrões e a ritmos que identificamos sempre como saídos da sua mão.
Músico de mão cheia que no último mês de fevereiro nos brindou com um novo trabalho de originais – “Técnicas de Combate” -, que esperamos trazer-vos, em breve, ao vosso universo Mutante. Para já, o olhar de Luís Varatojo sobre os últimos tempos pandémicos no seu percurso profissional.
Se te pedisse para escolheres uma nota musical ou frequência hertziana ou um valor em decibéis para resumir estes últimos 12 meses, qual seria e porquê?
(LV): Escolho a nota musical que assinala a ausência de som – a pausa. É a imagem que tenho deste último ano. Parece que, de repente, alguém pegou no comando e pôs tudo em pausa. Talvez haja pessoas que não sentiram isto tão marcadamente porque sempre estiveram a trabalhar, ou porque não estão ligadas às actividades mais afeitadas pela pandemia, mas o que é facto é que na área dos espectáculos – artistas, técnicos, empresas, etc. – sentimos, mesmo, a pausa.
Houve tranquilidade e disponibilidade – física e mental – para pôr em prática o que anteriormente te era quase impossível, como tirar projectos da gaveta ou reorganizar-te?
(LV): Por acaso acho que lidei bem com isto. Quando a pandemia chegou tinha começado a trabalhar algumas ideias e o confinamento deu-me tempo para as desenvolver. Esse trabalho deu origem a um disco que, provavelmente, não teria acabado tão cedo. O facto de a pandemia ter tornado mais visíveis uma série de questões que abordo nestas letras, também me deu mais energia para as concretizar.
Como encaraste e encaras os concertos em streaming? São de alguma forma um motor para se manter uma certa actividade, te sentires activo?
(LV): Acho que os concertos em streaming não são solução. Não fiz nenhum, nem tenciono fazer. É muito estranho estar a comunicar com um écran, não ter o público a reagir, não perceber o que se passa do outro lado. E acho que para o público também não é minimamente interessante; prova disso é que as vendas de bilhetes para streaming são irrisórias.
Estás a desenvolver músicas/produções ou programação para a nova temporada pós-confinamento que se avizinha? Se sim, podes levantar a ponta do véu?
(LV): Neste momento já estou a fazer alguns concertos com a Luta Livre e a programar outros para os próximos meses. Espero poder divulgar em breve uma digressão nacional para o quarto trimestre de 2021.
Como se organiza uma agenda com tantas incertezas e reagendamentos constantes? É exequível programar ensaios, concertos e tours a curto e longo prazo?
(LV): Até agora foi extremamente complicado. Tive que adiar duas vezes a apresentação do álbum, o que envolveu remarcar ensaios, reformular planos de comunicação, etc., mas acho que, agora, a situação é mais estável e que será muito difícil voltarmos à situação de confinamento; nem o país nem a cultura aguentariam outro período de paragem.
Sentes que a paragem forçada da cena musical transformou o olhar do público e a mesma passou, finalmente, a ser mais olhada como profissão e não como hobby?
(LV): Não sinto isso. Acho que essa é uma questão de fundo, cultural, que levará muitos anos a resolver e para isso acontecer tem que haver vontade política e ações concretas como, por exemplo, a criação do estatuto do artista. Só assim a sociedade olhará para os músicos/artistas de outra forma.
Produção. Criatividade. Palcos. Como é a tua rotina de músico e como vês o futuro do teu sector a partir destas três palavras?
(LV): Por vezes, tenho uma ideia que me faz começar a produzir, mas também acontece o contrário, estar a trabalhar sem nenhum objectivo em concreto e o trabalho levar à ideia. Não acredito na inspiração divina, nas ideias geniais que caiem do céu, acho que o trabalho diário e regular, com método, é o caminho para uma produção consistente. O palco é a última fase do processo e só existe se houver criatividade e produção. Articular isto tudo faz parte da vida dos músicos/artistas – quando trabalhamos há algum tempo nesta actividade, acabamos por lidar com isso de uma forma quase automática/inconsciente. O futuro é aquilo que nós quisermos, criar só depende da vontade de quem cria. Felizmente, hoje em dia os músicos podem pôr as suas ideias em prática com relativa facilidade – compor, gravar, difundir – e sem dependerem de terceiros.
Quão desafiante se tornou este último ano no teu percurso enquanto músico? Como geriste a falta física dos teus pares, ao teu lado? O que mais mudou na tua perspectiva sobre o teu trabalho?
(LV): A pandemia é um evento único de consequências brutais para todos nós. Todos sentimos um corte abrupto, uma mudança radical na nossa forma de viver, de tal forma que já nem nos lembramos bem de como era antes. Durante os períodos de confinamento trabalhei muito a solo, e, por vezes, com a participação de alguns músicos, à distância – manda ficheiro, grava, reenvia, mistura – e as coisas até funcionaram bastante bem. Obviamente que quando nos juntámos para ensaiar e para tocar ao vivo na Festa do Avante a alegria foi imensa, parecíamos os miúdos na escola quando toca para o recreio. •