Entre 11 e 23 de Março, em Coimbra, e na Sala Ferrer Correia da Casa Municipal da Cultura, poderá ver uma exposição de pintura-pintura e de imaginação e de realidade auxiliada pela imaginação.
Não é meu intuito descrever-vos esta exposição, antecedida por uma conversa a três, mulheres, sobre a capacidade e vontade de/da expressão feminina. Entretanto, também não pretendo fazer a contabilidade das obras, nem mesmo percorrê-las, uma a uma, dando-vos notícia do que cada uma delas em particular simboliza, denota, aponta, significa, afinal. Talvez nem me detivesse nas familiaridades que Sandra B. B. Ferreira mantém com a arte mais onírica, mais fantasiosa, certamente com um veio surrealista, mas essencialmente declinado no feminino. Então, aquilo de que vos gostaria de falar seria sobre mulheres, e mãos, a contínua construção levada a cabo pelas mulheres, com as mãos. Aquilo que gostaria de fixar é essa filigrana tão ténue das ligações, dessas ligações tão delicadas e finas que até parecem invisíveis, ausentes, e aparentemente destinadas a desaparecerem carcomidas pelo tempo, pela ausência de imagem, pela ausência de relato.
As mulheres lutam por visibilidade: na sociedade em geral, na política em particular. Mas as mulheres são o ventre da sociedade. As mulheres têm as mãos com que cultivam, nas distâncias percorridas pelos seus braços estendidos. As mulheres são acolhimento. Perder o sentido das mãos femininas é uma catástrofe. A própria linguagem está associada de forma indelével às mulheres, que são quem entoa as canções de embalar às crianças. As palavras são apenas possíveis pela ternura inescapável que nas mãos femininas se aloja. O corpo feminino é redondo, não tem arestas, é alimentício. As mãos das mulheres são conchas onde se guarda a água que mata a sede. As mãos femininas fazem a casa: e o que será mais necessário fazer do que uma Casa? Uma casa, de repente, é uma mão que se dirige ao coração.
As mulheres que Sandra B. B. Ferreira nos traz são várias, e nem sempre nos olham com a maior das tranquilidades, porque, em determinados casos, parecem tristes, zangadas, perplexas, aziagas. Não se trata de uma pintura que decora, portanto. Mas sim de uma pintura que tem a consciência do poder das mãos, e de como esse poder se circunscreve, o que não é contradição, mas certeza de que a distância precisa para que se faça uma Casa é apenas uma: a que vai da mão ao coração. E neste mundo tão global, em que a rede dá a volta ao mundo em segundos, que maior necessidade do que a de ter a consciência de que é o pequeno, o mínimo, a escala a defender? Não se imponham aqui equívocos: a arte é precisamente uma das formas que concorre com a rede na expansão infinita de uma ideia de corpo, limitado às suas configurações estritas, sendo o exercício da imaginação aquele a possibilitar-nos viajar para lá de limites. Mas é também a arte que nos prova a imperiosa existência da obra, consistente na sua intacta personalidade, e enigmática na ressonância interna.
A imagem que serve de pórtico a esta exposição é a que se refere ao quadro com o título: “Os Três Pastorinhos.” E o milagre está nas mãos.