Em setembro decorreu o primeiro BALUARTE no Porto – uma defesa erguida para continuar a proteger a arte urbana na cidade Invicta, propiciando as condições de visibilidade e de disseminação que merece.
O tempo passou desde que vos dei conta da exposição de arte urbana que no Porto se concentrou no Quartel de Monte Pedral, um local que será a médio prazo convertido em área residencial: a terceira e última conversa associada à programação concomitante, e a única a que pude assistir, funcionou como mola propulsora para abrir um espaço de reflexão, além da curiosidade responsável por ir adensando a compreensão que esta arte a céu aberto exige. Diversas serão certamente as formas de dar continuidade a tal exigência: escolhi principiar por dar voz ao PAU – Programa de Arte Urbana do Porto, conversando com Tiago Andrade, o diretor de Entretenimento da Ágora Cultura Desporto, bem como com Catarina Valente, que permanece estreitamente associada às atividades de arte urbana encarnadas pelo município.
Entretanto, era minha intenção escrever de imediato após o encontro; todavia, interpôs-se a guerra entre Israel e o Hamas: com a guerra veio um silêncio específico que me exigiu as palavras a favor da paz. Percorro a cidade desde então e em várias paredes vejo escrito: “FREE PALESTINE” – ou seja, os muros também dizem agora esta urgência. Por outro lado, o antissemitismo alastra mundialmente, e o meu desassossego interior face à incompreensão histórica, ao ódio alargado, à rarefação do ar, recrudesce. Regresso agora à arte urbana após uma travessia pelo deserto da violência, apesar de salvaguardada das bombas e dos escombros que na Palestina e em Israel se fazem sentir.
2014: ano em que o PAU se inicia no Porto. Após 9 anos pode afirmar-se que, pelo seu crescimento, especificidades e natureza, o programa congrega 3 potências: ser catalisador, ser agregador e ser aspersor. Se no último ano a arte urbana ganhou destaque no Porto, também se verifica uma procura crescente por parte de artistas internacionais, alguns em trânsito e outros em permanência temporária devido a intercâmbios de ERASMUS, por exemplo, sendo que se espoletou uma atividade mais acentuada pós-covid: criando-se, por tal, uma dinâmica interessante. Hazul é o consultor permanente do PAU e há anos que vinha desafiando o município para que se realizasse uma mostra significativa concentrada num lugar específico: assim surgiu BALUARTE, cujas obras continuam a poder ser visitadas através de prévia articulação com o organizador.
Existem hoje na cidade do Porto cerca de 60 obras de arte urbana provenientes da implementação do PAU: se inicialmente foi dada preferência às paredes que fossem propriedade da Câmara Municipal, por questões de operacionalidade evidente; neste momento eis que entidades e pessoas de âmbito privado contatam a edilidade no sentido de converter espaços, assim como Juntas de Freguesia, por exemplo – por isto se pode acentuar a vertente catalisadora do projeto. Mas também agrega: pessoas, ruas e bairros; e asperge – porque providencia e contribui para uma descentralização territorial, ao conferir, numa perspetiva sempre construtiva, a possibilidade de reinterpretar e de revitalizar zonas diferenciadas da cidade. A natureza interventiva do PAU – catalisador, agregador, aspersor, faz com que o programa não se circunscreva temporalmente, mas que vá também desenhando a cidade de janeiro a dezembro, ininterruptamente. Entretanto, e de dentro, o Programa de Arte Urbana do Porto também tem, então, feito o seu percurso a longo prazo: se inicialmente as paredes eram rotativas, além de outras resultarem de encomendas (Feira do Livro, época de Natal), procede-se agora à contratação concomitante de artistas; existem, por outro lado, open calls regulares dirigidas à comunidade escolar, sendo todo/as o/as intervenientes gratificado/as monetariamente; de fora, pela comunidade abrangente, sucedem-se desafiar o PAU, mas também este lhe dirige desafios.
É assim que surgem projetos como “Há Arte nas Fontainhas”, que começou no último trimestre de 2021 e teve continuidade já em 2023; é assim também que se dão ramificações como a da Matadouro, em que a empresa Mota-Engil esteve envolvida; ou em que se dá a captação da população sénior numa parceria com associação cultural de Lordelo do Ouro. Ou seja: é assim que a cidade, no Porto, cria lugares.