Em maio chega-nos a 22.ª edição do IndieLisboa – Festival Internacional de Cinema que irá decorrer em várias salas lisboetas e, como tem sido sua prática e vontade, volta a fundir filmografias mais consolidadas e outras tantas a emergir, num total de 238 filmes, continuando a ser uma mostra alargada de geografias, abordagens e ideologias.
Tudo começa com a questão: E se o Irão fosse no Canadá? Em Une Langue Universelle, filme da Sessão de Abertura do IndieLisboa 2025 (Cinema São Jorge, Sala Manoel de Oliveira, dia 01 de maio, às 19h00), o país de Matthew Rankin (The 20th Century, 2019) está culturalmente irmanado com a nação do Golfo Pérsico. Três histórias aparentemente desconectadas numa comédia com vestígios de absurdo e apelos ao coração. Para a Sessão de Encerramento (Culturgest, Auditório Emílio Rui Vilar, dia 10 de maio, às 21h30), Jia Zhang-Ke (Still Life, 2006, ou A Touch of Sin, 2013) regressa ao festival depois de lhe ter sido dedicada uma retrospectiva em 2005, traz-nos um longo romance falhado: Caught by the Tides. Ao longo de 20 anos, através de imagens de arquivo de outros filmes do realizador, o (des)amor é um afluente para o verdadeiro rio: um retrato da China contemporânea e da sua valsa com o tempo.
A nível da Competição Nacional, 10 longas-metragens, numa mescla entre cineastas consagrados e vozes em consolidação. Quatro estreias mundiais: As Flores, de Madalena Fragoso, filme que incide sobre a Praça das Flores, em Lisboa, gravado a partir do quiosque da mesma; Santa Iria, de Luís Miguel Correia, um filme-monumento sobre o movimento e o quotidiano de Santa Iria de Azoia; Somos Dois Abismos, de Kapal Joshy, realizadora indiana a viver em Portugal que encontra Carlos, um homem que vive isolado nas montanhas; e A Vida Luminosa, primeira longa-metragem de ficção João Rosas que continua a sua geografia lisboeta e o embate com as expectativas falhadas: a desilusão que afinal é o real permanente. Ainda em competição, seis longas em estreia nacional: Balane 3, novo filme de Ico Costa de regresso a Inhambane; Duas Vezes João Liberada, de Paula Tomás Marques, onde a meta-linguagem nos conduz à rodagem de um filme sobre Liberada, freira dissidente de género perseguida pela inquisição; Pai Nosso – Os Últimos Dias de Salazar, de José Filipe Costa, sobre os derradeiros capítulos do ditador e da sua importante governanta (interpretada por Catarina Avelar); Primeira Pessoa do Plural, de Sandro Aguilar, leva-nos para uma estância turística onde um casal (Albano Jerónimo e Isabel Abreu) celebra as bodas de porcelana; Deuses de Pedra, de Iván Castiñeiras Gallego, conta-nos a história de Mariana, uma criança que frequenta uma das últimas escolas rurais entre a Galiza e o Minho; e Hanami, filme de Denise Fernandes que lhe valeu o título de “melhor cineasta emergente” em Locarno, entre outros prémios, remete-nos para a beleza da Ilha do Fogo e a vida isolada de uma menina.
Quanto às curtas-metragens, a secção mostra dezasseis filmes entre regressos e primeiras aparições. Falcão Nhaga, vencedor da melhor curta em 2022 com Mistida, regressa com Sabura: um casal de imigrantes que se reencontra em Lisboa. Sombras de Nós Próprios é o primeiro filme em sete anos de Pedro Serrazina (Estória do Gato e da Lua, 1995) e é um poético gesto artístico inundado de medos. Também Ágata de Pinho volta ao IndieLisboa, desta vez com Crua+Porosa, amor e desejo numa entropia obsessiva. De Stephanie Ricci, Quem Se Move é o retrato de uma Lisboa migrante, um filme sobre o movimento, físico e emocional, alimentado por encontros, conexões e a fugaz sensação de pertença.
Também na Competição Internacional há 10 longas-metragens no menu. Um conjunto de obras à deriva, no bom sentido do termo, em trânsito entre lugares, físicos e mentais, e cujo destino original ficará, com certeza, pelo caminho. Lo que trajo la tormenta, do realizador argentino Miguel de Zuviría, apresenta-se no IndieLisboa em estreia mundial e narra uma separação interrompida por um fenómeno natural. Também em estreia mundial está Río abajo, un tigre, do espanhol Víctor Diago, onde Júlia, estudante de cinema, ruma a Glasgow para recomeçar – e pelo caminho vai perdendo a visão de um olho. Vitrival, de Noëlle Bastin e Baptiste Bogaert, atira-nos para uma vila pacata onde, em simultâneo, uma vaga de graffiti em formato fálico e uma bizarra série de suicídios proliferam. De Rungano Nyoni, cineasta zambiana que cresceu no País de Gales, o festival exibe On Becoming a Guinea Fowl, um filme-soco, na esteira de um funeral, sobre os segredos que as famílias tentam enterrar a todo o custo e também sobre um trauma que não desliza para condenações moralistas. No Sleep Till é a primeira longa-metragem de Alexandra Simpson, realizadora estadunidense nascida em Paris, onde a ameaça de um furacão nos dá um mosaico de narrativas de preparação para a hecatombe – curiosamente, aqui, a azáfama não tem lugar.
São 32, os filmes presentes na Competição Internacional de Curtas. Koki, Ciao, de MillerQuenton , é a autobiografia de Koki, o papagaio de Josip Broz Tito, presidente da Jugoslávia durante 35 anos, um animal ainda vivo, com quase 70 anos, que fez visitas estatais e conheceu estrelas de Hollywood. Em Accettura, uma pequena vila do sul italiano, a Primavera invoca uma espécie de performance tradicional, um casamento arboreal que é também uma dança; Heavenly Rhymes, de Angelo Toscano, é uma conexão entre a natureza e o ser humano. Tilapia, do belga Crispin Yanisi, é um filme com nome de peixe, um peixe congolês do qual Yanisi se serve para, em jeito de ciclo de vida, ir à procura das suas raízes, da sua pré-história.
Na secção mais propensa a abordagens indomáveis – Silvestre – contam-se sete longas-metragens. Ariel, o regresso de Lois Patiño, é uma co-produção ibérica de um filme rodado nos Açores, onde uma actriz se depara com uma estranha circunstância: naquela ilha tudo é Shakespeare, os cidadãos são personagens e os seus discursos são peças do dramaturgo inglês. ¡Caigan las rosas blancas!, da cineasta argentina Albertina Carri, revela-nos Violeta, uma realizadora contratada para fazer um filme porno mainstream que decide fugir para o Brasil, com as amigas, em busca de inspiração. little boy é o mais recente filme de James Benning: maquetes e modelos à escala de vários edifícios são combinados com música e discursos políticos. Cloud, de Kiyoshi Kurosawa (que também tem The Serpent’s Path na secção Boca do Inferno), é um thriller intenso sobre um zé-ninguém que comprava e revendia produtos online até que o mundo inteiro se uniu para o tramar.
O Silvestre dá ainda 20 curtas-metragens, algumas delas que voltam a trazer velhos conhecidos a Lisboa. Caroline Poggi e Jonathan Vinel, dupla francesa a quem o IndieLisboa dedicou um foco integral na edição de 2019, regressa com Comment ça va?, uma animação onde um conjunto de animais tenta mudar o mundo. Também Jay Rosenblatt tem uma longa relação com o festival. O estadunidense (que mereceu uma retrospectiva em 2006) é um daqueles realizadores que passou a vida de câmara na mão e este Heartbeat, co-realizado com a companheira Stephanie Rapp, faz-nos recuar 25 anos, pela saga da sua tentativa de gravidez adentro. O novo filme de Felipe M. Bragança (que já teve Tragam-me a Cabeça de Carmen M. e Um Animal Amarelo no IndieLisboa) chama-se Zizi (ou Oração da Jaca Fabulosa) e estabelece uma analogia entre a sua avó e a árvore que esta mais plantava: a jaqueira.
O Rizoma faz-se de filmes com maior burburinho e temáticas que importam à actualidade. 16 longas-metragens, uma curta e duas séries numa secção não-competitiva. O Último Azul, de Gabriel Mascaro, Urso de Prata na Berlinale, atira-nos para uma viagem pela Amazónia, sonho de uma vida para Tereza (por Denise Weinberg), 77 anos, porque nunca nada é tarde demais. De Dea Kulumbegashvili, April, Prémio Especial do Júri em Veneza, é ferida exposta sem receios; Nina é uma obstetra que faz abortos numa comunidade georgiana onde o procedimento é ilegal – também ilegal é a exibição deste filme na Geórgia (no IndieLisboa, vai ser apresentado no Dia da Mãe, 04 de maio). Armand, do norueguês Halfdan Ullmann Tøndel, venceu o Caméra d’Or no último Festival de Cannes para a primeira longa-metragem. Dois alunos de seis anos andaram à bulha e os pais são chamados à escola; um thriller intenso que conta com Renate Reisvne (A Pior Pessoa do Mundo, 2021) no elenco. The Last Showgirl não é só um filme de Gia Coppola, é um regresso entusiasmante de Pamela Anderson, que aqui interpreta Shelley Gardner, uma showgirl de meia idade e futuro periclitante. Khalil Joseph (responsável pela versão visual do disco Lemonade, de Beyoncé) faz o seu filme de estreia neste BLKNWS: Terms & Conditions, uma exploração colectiva, com imagens de arquivo uma mistura de ficção afro-futurista, da memória colectiva da diáspora negra. Rumours é um filme de Evan Johnson, Galen Johnson e Guy Maddin, uma espécie de cimeira G7 com humor e horror às carradas e um elenco onde cabem estrelas como Alicia Vikander e Cate Blanchett. Por fim, um filme português. Memórias do Teatro da Cornucópia, de Solveig Nordlund, mergulha na vida e legado de uma das mais relevantes companhias de teatro portuguesas, com particular foco para a figura de Luis Miguel Cintra.
Como sempre, a Novíssimos traz-nos as primeiras tentativas. Em 2025, oferece-nos 12 curtas-metragens de jovens ainda na universidade ou nos seus primeiros passos após essa fase que efectivam aqui sua chegada ao cinema. De Edgar Gomes Ferreira, filho de pais portugueses, nascido e criado no Liechtenstein que frequenta uma escola de Zurique, Winners, onde dois amigos dormem abraçados depois de um treino de futebol – e não parecem saber lidar com o sucedido. Quatro em Linha, de Clara Figueiredo, que também consta da programação do IndieJúnior, é uma tradição familiar: todos os anos quatro irmãs perfilam-se na mesma praia, para serem fotografadas pelo seu pai. A importância da transformação dos materiais e da preservação dos ofícios tradicionais (o sapateiro, o costureiro, etc) é o foco de Em Reparação, de Beatriz Oliveira. Entre o Mar e a Ilha é um filme de José Rodrigo Freitas apelidado pelo próprio como “arqueologia autobiográfica”; a história de um pai pescador que vê um filho ir estudar para o Continente e de todos os silêncios entre os dois.
O IndieJúnior é uma das secções mais agitadas do festival – não só pela energia particular e inesgotável do seu público, mas porque ela se expande para fora das salas de cinema, invadindo jardins e outros espaços da cidade. O Cinema na Piscina, que volta à Piscina Municipal da Penha de França, tem uma sessão de curtas que se transforma em programa de família no fim-de-semana do Dia da Mãe – com a temática dos filmes a piscar o olho à efeméride. O Cinema de Colo promove a primeira vinda ao cinema de bebés entre os seis meses e os três anos, a decorrer na Sala 2 do Cinema São Jorge ao longo de vários dias do festival. No último sábado de festival, no dia 10 de maio, a Festa ao Ar Livre invade o Jardim da Biblioteca Palácio Galveias para mais uma celebração familiar em jeito de piquenique ao qual acresce uma série de oficinas experimentais.
No que aos filmes diz respeito, há duas longas-metragens em estreia nacional. O reputado Michel Gondry (Eternal Sunshine of the Spotless Mind, 2004) traz-nos a animação Maya, dá-me um Título, que combina animação de recortes e stop-motion. Viver em Grande, da realizadora checa Kristina Dufková, traz o tema do da auto-aceitação, do bullying e da obesidade para cima da mesa; Ben, é um rapaz que apesar do seu excesso de peso que motiva injúrias de certos colegas da escola, consegue furar os preconceitos e ser cool.
Quanto às curta-metragens, há 37 obras no programa, nomeadamente Autocarro, de Sylwia Szkiłądź, que coloca o dedo na ferida no tema das migrações enquanto seguimos Agata, uma menina numa viagem de autocarro rumo a outro país. E Honestamente, da cineasta neerlandesa Eva Nijsten, traz-nos um professor particular, que promove espaços de diálogo aberto, sem tabus, com os seus alunos adolescentes, numa espécie de workshops de cidadania.
Splash, splash. O IndieLisboa está de regresso à água e promove mergulhos cinéfilos na Piscina Municipal da Penha de França em parceria com a Junta de Freguesia da Penha de França. No primeiro fim-de-semana do IndieLisboa 2025, a 03 e 04 de maio, dois filmes de culto e seis curtas-metragens do IndieJúnior (como acima mencionado e numa relação directa com o Dia da Mãe). Quanto aos dois filmes para as sessões de adultos: The Big Lebowski (1998), clássico dos irmãos Coen, com Jeff Bridges no papel de “Dude” e ainda ¿Qué he hecho yo para merecer esto? (1984), de Pedro Almodóvar, onde Carmen Maura nos oferece uma dona de casa bastante sui generis.
Eis outro território querido do IndieLisboa. O IndieByNight é a festa depois do cinema, o copo-e-conversa, o abanar do esqueleto do festival – particularmente associada à programação do IndieMusic. Em 2025, a Casa do Comum e o Noir Désir são os bares oficiais do festival, onde haverá DJ sets. Dia 03 de maio, já em pleno festival, há a Festa Orlando Pantera, no Noir Désir, das 23h às 04h, em honra ao filme Orlando Pantera, de Catarina Alves Costa, sobre a vida do precocemente desaparecido músico cabo-verdiano. Por fim, já com cheiro a fim de festival, no sábado dia 10 de maio, será a Festa de Encerramento que vai decorrer no Moon Club, Prior-Velho, das 23h às 05h, inspirada pela ideia de rave na ressaca de Paraíso, filme da Daniel Mota que vai precisamente buscar as origens dessa cultura rave em Portugal e que tem estreia mundial no IndieLisboa.
Para informação detalhada sobre toda a programação é só clicar no link abaixo. Um festival a não perder, como sempre. •