Esta última semana de novembro há, de novo, Ciclo Murmürando em Coimbra, agora com “Bruta” de Ana Deus e Nico Tricot. Para não fugir à regra… Um sussurro de conversa com Ana Deus e o nosso Proust murmurado.
Depois de um doce tête-à-tête com Erica Buettner – reler entrevista aqui -, após visitarmos o ninho indie de Birds are Indie – aqui -, e ainda com Sandy Kilpatrick no horizonte, tivemos uma brevíssima conversa com Ana Deus. “Bruta”, é o disco que reúne o trabalho que Ana Deus (Osso Vaidoso/Três Tristes Tigres) e Nicolas Tricot (Nuno Prata, Zelig, Naco, Estação de Serviço) desenvolveram em torno de poesia. Entre poemas escolhidos destaca-se a obra de Ângelo de Lima, Stela do Patrocínio, António Gancho, Mário de Sá Carneiro, Sylvia Plath, António Joaquim Lança e António Maria Lisboa. Recorde-se que o projeto, surgiu à margem do encontro entre Ana e Nico num espectáculo de Manel Cruz, e tem por base o fascínio de Ana Deus por Ângelo de Lima, poeta do Porto que acabou a vida internado no hospital psiquiátrico Miguel Bombarda, com esquizofrenia paranóide. Projeto será editado esta próxima sexta-feira às 23h00, no Musicbox, em Lisboa, e logo de seguida em Coimbra.
Comecemos com Deus & Tricot no palco.
Definição por extenso de murmúrio, para Ana Deus?
Sons escondidos. Além do murmurar da voz que quase parece indicar alguém atrás de um muro. Há muitos sons interessantes porque são quase imperceptíveis. Ou porque são reverberações de outros. Tenho a teoria, alicerçada por nada, de que a matéria guarda os sons “que ouviu”. Camadas, como os anéis de uma árvore. Um dia talvez se consiga extrair som de uma pedra como quem extrai minério. O som que a pedra testemunhou.
A quem murmurarias, em exclusivo, uma música?
Já murmurei ao ouvido de um amigo em coma. Quando acordou não disse que me ouviu, mas que me viu, a mim e aos outros, pintada de dourado. Já murmurei aos meus filhos na barriga e quando eram bebés. Na cama, como toda a gente… O murmúrio é a proximidade. Só murmuro para quem me for próximo. Mas posso fingir que murmuro ao microfone.
“Sons escondidos. Além do murmurar da voz que quase parece indicar alguém atrás de um muro. Há muitos sons interessantes porque são quase imperceptíveis. Ou porque são reverberações de outros. (…).“
Que mais te inspira no processo criativo?
Estou entre o som das palavras, o que o poeta estaria a ouvir quando as escreveu, o que eu ouço, e o diálogo que posso fazer com quem toca comigo. Só depois penso no resto.
A quem cantarias, ao ouvido, uma música inacabada?
As canções estão sempre inacabadas.
Salas grandes. Espaços íntimos. Onde é a tua música mais ela própria?
Gosto mais de salas pequenas e íntimas. Como espectadora também.
A quem rumorejarias o nome de um próximo álbum/trabalho?
Ao parceiro do crime.
Que se troquem os papéis. Deus & Tricot na plateia.
O silêncio é, tantas vezes, a melhor nota tocada. Que silêncio te tocou mais?
O silêncio depois do trovão.
A quem não conseguirias nem soprar uma nota?
Não sei. Tenho dias de grande lata e outros de lata nenhuma.
“(…) Já murmurei aos meus filhos na barriga e quando eram bebés. Na cama, como toda a gente… O murmúrio é a proximidade. (…).“
Um músico tem de ter heróis, na música. Quem são os teus?
Quem gostarias, e porquê, de ter numa sala a sussurrar músicas para ti?
Porque estaria vivo… porque adoro a sua voz… e porque não é herói: Elliott Smith.
Este fim-de-semana, no palco na Galeria Santa Clara, sábado dia 28 de novembro, pelas 21h45, a apresentação de Bruta. Brevemente, publicaremos o murmurar de Sandy Kilpatrick, com quem já conversámos e bem, para vos acicatar para o seu concerto… Até lá, descubram Bruta e tenham um sábado à noite bem sussurrado. •
+ Ciclo Murmürando na Mutante
+ Murmürio Booking
+ Galeria Santa Clara
+ Bruta
© Imagem: Bruta by PAM.
Partilhe com os seus amigos: