No alto de uma das sete colinas de Lisboa, há um novo ponto de encontro, um restaurante criado de raiz pelas mãos da jovem chef Ana Moura, que promete contar histórias num idioma recheado de sabores e aromas da cozinha portuguesa.
“Estava a trabalhar em San Sebastian quando o António me ligou e tive logo vontade de vir. Fiquei bastante contente. Depois de quatro anos fora de Portugal, esta era a oportunidade perfeita para voltar a Lisboa e colocar em prática tudo o que aprendi fora de casa.” As palavras são de Ana Moura, de 30 anos, quando lhe perguntamos o que sentiu quando recebeu – no final de 2014 – o convite de António Silveira Botelho, a outra face do Cave 23 Kitchen & Bar, o restaurante do encantado Torel Palace Hotel, do século XIX, bem perto do romântico jardim do Torel, um segredo bem guardado no coração da cidade das sete colinas, e do ascensor da Lavra, o mais antigo da capital portuguesa.
Sobre os bastidores da cave 23, a chef Ana Moura conta-nos como é construir uma cozinha de raiz num restaurante de um hotel como o Torel Palace, na capital portuguesa: “É com imenso prazer que lidero hoje uma cozinha. Poder participar num projeto gastronómico no centro de Lisboa num espaço com as características do Torel Palace, e poder fazê-lo desde raiz, desde o seu início, é um verdadeiro desafio que me motiva todos os dias.” Um ofício carregado de responsabilidade, “mas é certo também que, agora, me divirto muito mais. E é essa energia e motivação que contagia toda a equipa”.
“(…) o que pretendo apenas será rodear-me de produtos de qualidade e trabalhá-los de uma forma digna que enalteça o sabor de cada um.”
‘Escavado’ numa cave, o restaurante apresenta as paredes envidraçadas mostram a obra de alvenaria de outrora, a cru, na presença de um subtil jardim de inverno. No interior não há como não nos sentirmos em casa, graças ao detalhe das peças de mobiliário e decorativas de um minimalismo cosy num ambiente intimista e discreto, complementado por uma garrafeira a olho nu, composta por vinhos portugueses – 12, ao todo – e todos são servidos a copo. Quanto ao perfil do legado de Baco aqui presente, criteriosamente escolhido por Ana Moura e António Silveira Botelho, que já se conhecem “desde a adolescência, há mais de dez anos”, a aposta recai nos pequenos, “procurando ter uma oferta original e de qualidade de vinhos portugueses”, afirma a chef portuguesa em entrevista e aqui deixamos, a fim de acrescentar uma mais-valia à apresentação tomada por Baco.
Sentemo-nos, pois a data é assinalada com um jantar de inauguração no feminino. Na carta há cinco entradas, cinco pratos (dois de peixe, três de carne) – todos com o nome do ingrediente principal seguido dos restantes produtos que compõem cada um – três sobremesas, e um couvert que vale pela tentação pelo queijo cremoso, de sabor forte e apetecível, e pelas manteigas – de vaca, de coentros e a de chouriço, que é de comer e chorar por mais.
Para divertir o palato, Ana Moura mimou os presentes com um creme de castanhas e picadinho de castanhas e de cebolinho, uma combinação de sabores que, desde logo, despertou a curiosidade para a sua cozinha caracterizada por “uma oferta gastronómica com um cunho pessoal forte”, traduzindo-se numa “cozinha portuguesa assente na qualidade do produto apresentado. Talvez com alguma veleidade possa dizer que o que pretendo apenas será rodear-me de produtos de qualidade e trabalhá-los de uma forma digna que enalteça o sabor de cada um. E aí… tenho a sorte de poder utilizar produtos portugueses”, reforça a jovem chef, que, em 2008, descobriu a sua verdadeira paixão, a cozinha, ingressando na Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa.
Amêndoa, tosta de pão, pimento verde e vermelho, tomate, beringela e curgete
A entrada no desfile de pratos coube à Amêndoa com tosta de pão e pimento verde e vermelho, tomate, beringela e curgete grelhados, uma gulosa composição que esteve bem com um Blanc de Blanc de Luís Pato, um espumante da região da Bairrada.
Seguiu-se o Ovo 65° C, ou seja, cozinhado a baixa temperatura, “é um prato novo”, revelou António Silveira Botelho, no qual o praliné de cogumelos selvagens salteados, as passas em Vinho do Porto, o crocante de batata e os pinhões tostados fazem parte desta doce explosão de sabores convertida numa combinação de truz com o Niepoort Redoma branco 2014, um duriense feito a partir das castas Rabigato, Viosinho, Arinto, Códega e outras.
Do mar veio a Vieira, a quinoa com caril, o chutney de pêssego e os pickles de cebola roxa, um prato que casou os sabores e conquistou a boca, graças ao chutney e aos pickles, e ao casamento com o mui consensual monocasta Casal Santa Maria Sauvignon Blanc 2014, de Colares, Vinhos de Lisboa.
Bacalhau, puré de alho assado, puré de agrião e crumble de broa de milho e azeitona
A fechar o ciclo da fauna marinha veio o Bacalhau confitado com puré de alho assado, puré de agrião e crumble de broa de milho e azeitona, um prato que seduziu a boca à primeira, merecendo a companhia de um Caios Branco 2013, da Herdade do Ceborlal, da Península de Setúbal.
Para limpar o palato: Cocktail de gin, manjericão e pimenta preta.
Cordeiro, batata, o alho assado e o demi glace
Ao Cordeiro juntou-se a batata, o alho assado e o demi glace (molho próprio para pratos de carne) num prato de intensidade suave conciliado com um Quinta de Lemos Dona Louise tinto 2005, um vinho da região do Dão feito a partir das castas Touriga Nacional, Tinta Roriz e Jaen.
Abóbora, gelado de caramelo, crocante de amêndoa e requeijão
Na sobremesa, o protagonismo foi da Abóbora com gelado de caramelo, crocante de amêndoa e requeijão, uma interpretação livre do tradicional dueto composto pelo requeijão e o doce de abóbora. De Baco a escolha recaiu no Casal Santa Maria Colheita Tardia 2012, de Colares, Vinhos de Lisboa.
Em traços gerais, que definição tem a cozinha do Cave 23? Ana Moura explica: “É uma cozinha de mercado, onde se exalta a qualidade do produto principal e se manifesta no uso de novos elementos e novas técnicas. Tentamos que o cliente experimente novos sabores e novas texturas mas sem nunca perder o foco, o ingrediente principal.” Em simultâneo, “queremos proporcionar novas experiências ao nível da generalidade da memória sensorial e gastronómica portuguesas. E aqui importa, uma vez mais, também não esquecer o trabalho feito em sala, que é tantas vezes tão complexo quanto o da cozinha. Só com uma estreita coordenação/cooperação entre sala/cozinha poder-se-á dar continuidade ao que cozinhamos e pretendemos oferecer”, destacando as “novas tendências de procedimentos de serviço, tentando superar e antecipar as necessidades de quem nos visita”. Afinal, “um bom restaurante tem que o ser em todos os detalhes”.
De portas abertas para locais e turistas, a Cave 23 é, segundo Ana Moura, um espaço de encontro de quem aprecia uma cozinha votada de “compromissos claros entre os clássicos da gastronomia tradicional portuguesa e técnicas e sabores mais arrojados” num jantar a dois ou com amigos, ou em família, precedido de uma bebida no requintado bar do Torel Palace, a ir das 18 às 01 horas.
“Mas agora, talvez possa dizer que o gosto que partilhamos por longas horas a jantar, a vontade de querer arriscar, aliados a alguma sorte e trabalho, façam com que hoje, vos possamos apresentar a Cave 23”, remata a chef.
“(…) um desafio de grande responsabilidade, porque desta vez a chef serei eu.”
Sobre Ana Moura aqui fica uma resenha do currículo: Nasceu em 1984, é a mais velha de três irmãs e, desde sempre, denotou um gosto particular por fazer experiências na cozinha. Assim, e depois de um curso de joalharia e de concluir a licenciatura em Marketing, em 2007, no Instituto Superior de Gestão de Lisboa, ingressou, no ano seguinte, no curso de cozinha da Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa, com estágio no Eleven, do chef Joachim Koerper, no final do curso e onde permaneceu a trabalhar por dois anos. Em junho de 2010 aceitou o desafio do chef alemão: Ser a responsável pela cozinha do restaurante El Arambol, em Ampudia, Espanha, durante seis meses, onde “aprendi a ver a cozinha como um todo e a perceber a importância de gerir uma equipa e gerir custos”. No alinhamento do roteiro pelas cozinhas do país vizinho, em janeiro de 2011 recebeu o convite para assumir a secção de pastelaria no El Almacen, em Ávila e, a partir de setembro 2011, passou também a dar apoio à chef Isidora Beotas, que lhe valeu o “contacto com uma cozinha tradicional Castilla y Leon”. Um mês depois começou a frequentar um curso, de nove meses, de Somellier, dado pela Câmara de Comércio de Ávila, tendo ficado em terceiro lugar no exame de excelência. O estágio de um ano no restaurante Arzak, em San Sebastian, começou, por sua vez, em janeiro de 2013, no qual aprendeu técnicas de cozinha e organização, seguindo-se o Astelena 1997, do chef Ander González, em San Sebastian e, num período de um ano “pratiquei cozinha moderna basca” e, por fim, o Cave 23, “um desafio de grande responsabilidade, porque desta vez a chef serei eu”.
Aos gourmets e gourmands, eis a informação: Cave 23 Kitchen & Bar, no n.º 23 da rua Câmara Pestana, em Lisboa (fecha à terça), a ir das 20 às 00 horas, sendo as reservas feitas através do 218 298 071 ou de reservas@cave23.pt. •
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