A cozinha portuguesa serve-se no Flores do Bairro / Bairro Alto Hotel

A Lisboa multicultural é o ponto de partida para a nova carta do restaurante do carismático Bairro Alto Hotel, no Chiado, a qual inicia, hoje, ao jantar, a sua viagem à mesa pelas mãos do chef Bruno Rocha.

A meia desfeita de bacalhau que se desfez na boca

O receituário português e os produtos nacionais são a base da carta desenhada por Bruno Rocha, chef lisboeta de 38 anos que, desde janeiro deste ano, é o responsável pela cozinha do Flores do Bairro, no Chiado. Com a capital no coração, a boa nova à mesa do restaurante do mui elegante Bairro Alto Hotel é o convite a um roteiro por terras e regiões de Portugal – uma espécie de “Viagens na minha terra” na versão gastronómica. Um trabalho que, nos primeiros três meses, envolveu  muito estudo e ensaios, discussões e troca de ideias entre os elementos da equipa restaurante, de modo a redefinir o próprio conceito do Bairro Alto Hotel – cuja renovação estará pronta em 2018 –, e “adaptar, e optimizar a cozinha, ou seja, foi preciso ajustar tudo no restaurante, para que o almoço fosse mais rápido, para que andássemos ao ritmo do cliente”, daí a preparação desta nova carta, que dá resposta ora a um repasto mais célere, ora a uma refeição mais tranquila.

E porque a viagem gastronómica é o mote da nova carta, que tal um sereno passeio de elétrico por Lisboa? Claro que sim! Conduzido pelo senhor Freitas, que já nada nisto há muitos anos, o emblemático elétrico 28 fez o percurso até à Graça, enquanto Bruno Rocha e Sara Marques davam as boas vindas com um cucumber Ben fizz, o cocktail que combinou com o dia de sol que esteve ontem, em Lisboa.

Enquanto os presentes atenuavam a sede com tão refrescante bebida e contemplavam as pitorescas ruas da cidade, Bruno Rocha contava, numa súmula, as mudanças que introduziu na cozinha do Flores do Bairro, ao que se seguiu o requeijão de ovelha das terras de Sicó e escabeche de pimentos que abriu o apetite, e a meia desfeita do fiel amigo, “um prato inspirado no bairro da Mouraria” tendo, para o efeito, aprofundado os seus conhecimentos, “mas aprendi mais com a Fátima [Moura].

Portanto, a “nova” meia desfeita de bacalhau não foi uma desfeita para o palato desfazendo-se, isso sim, na boca, tendo sido acompanhado por ovo de codorniz, grão-de-bico negro, cebola, salsa em puré, azeite, e pimentão de la Vera, “que é mais doce”, em contraposição à acidez do pimentão português – ingredientes que marcaram a diferença num prato em relação ao qual o chef lisboeta faz referência a ilustres escritores portugueses, como Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão, assim como o escritor e gastrónomo Bulhão Pato, elaborando pratos típicos com um twist, porque “a cozinha não tem de se cingir a si mesma e tudo reflete o trabalho da cozinha”, até porque “há tanta envolvência das outras artes na cozinha”, afirma.

Já à mesa do restaurante, eis que é servido o repasto. Na mesa, o pão de ceteio e limão, o pão de trigo e a baguete rústica fazem-se acompanhar pela manteiga de ovelha e dip de tremoço com coentros e chili.

Tártaro de tomate e orégãos

Para abrir as hostilidades, é servido o tártaro de tomate e orégãos, “um tártaro vegetal” cujo ingrediente principal é apresentado de três formas diferentes – água de tomate, tomate confitado e em tártaro –, rematado por uma gema do ovo confitada e uma fatia de broa de Avintes e servido num prato de faiança da Bordallo Pinheiro.

Porém, as entradas não ficam por aqui, pois o receituário vai muito além destes duas iguarias, como os típicos ovos, desta vez, remexidos com farinheira ou isto é que vai uma açorda de camarão vermelho e algas, ou a salada de polvo a que Bruno Rocha e a sua equipa fazem com outras coisas. E o que acontece quando a amêijoa veste-se de Bulhão Pato? O melhor é ir e provar.

Pregado e pata negra, salicórnia, e molho da fragateira

Do mar veio o pregado cozinhado no ponto e acompanhado de presunto de pata negra, salicórnia, rebentos de ervilha e molho da fragateira – “caldo feito com cabeças de carabineiro” –, mas também pode optar pelo atum metido numa cebolada e batata-doce, prato revelador da relação que o chef tem com o Algarve, onde trabalhou durante uma vintena de anos; ou o polvo assim e assado com migas de couve e feijão-frade. Três novos pratos que Bruno Rocha juntou a outros dois que existiam na carta anterior, mas que foram ajustados à sua abordagem na cozinha.

Lombo de vitela assado, esparregado de acelgas e molho de Touriga Nacional

Da terra, capítulo da carta composto por quatro pratos novos, eis o lombo de vitela assado “sem demoras” com esparregado de acelgas e molho feito a partir da casta Touriga Nacional, a representação da ligação familiar do chef com o Dão – onde a referida casta e a rainha da região – e, em particular, Viseu, de onde guarda “as memórias das incríveis férias de verão”.

Sobre os outros três pratos, ficam as referências ao cachaço do porco, ao frango e à cupita alentejana, e bife do lombo com molho Marrare.

Pelo meio não há carne nem peixe, com carolino de ervilhas, queijo da ilha e pepino de coentrada; boulgur (variedade de trigo seco) de feijão soja e molho de caril masala (mistura de duas ou mais ervas ou especiarias); e fricassé de legumes, verduras e agrumes (citrinos).

Creme de arroz doce e citrinos, e gelado de bolacha Maria

E há quem diga que o pecado mora aqui ao lado quando, na verdade, está no Flores do Bairro. Afinal, “o doce nunca amargou”, por isso, Bruno Rocha preparou um deleitoso creme de arroz doce e citrinos com gelado de bolacha Maria, e pó de iogurte, “para ir limpando o palato”. Na lista estão mais cinco sobremesas, como as framboesas e cidreira, bolo de limão e gelado de natas azedas; o chocolate e o azeite numa tabelete; ou o toucinho vindo do céu com café e migas de amêndoa.

Em suma, a cozinha de Bruno Rocha encontra-se “alicerçada num tripé” que assumiu nos últimos dois anos, “numa abordagem do que tem de ser a cozinha em qualquer parte do país. É um processo de maturação que passa, basicamente, em ajudar mais Portugal”, no sentido de divulgar a cozinha portuguesa, o quão rica é a nossa história à mesa. Contudo, “o receituário português tem erros técnicos”, como o hábito de cozinhar demasiado os alimentos. Para o efeito, “é preciso estudar e aprofundar as diferentes técnicas”, por isso o novo chef do Flores do Bairro sublinha a importância da técnica francesa, bem como o rigor e o minimalismo da cozinha asiática, os quais refletem o ponto de partida da sua cozinha de matriz portuguesa, daí a nova carta espelhar a frase que tanto gosta de proferir: “Tenho os pés em Portugal e a cabeça no mundo.”

Sigamos esta viagem, pois Bruno Rocha está a preparar mais surpresas a desvendar em breve. Bom apetite! •

+ Restaurante Flores do Bairro
© Fotografia: João Pedro Rato
Legenda da foto de entrada: Sara Marques e o chef Bruno Rocha, no mítico elétrico 28 de Lisboa

+ Informações:
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