Santa conversa com a Jigsaw / Sons do Bussaco

Como já vos havíamos anunciado, o “Sons do Bussaco – Ciclo de Concertos de Músicas do Mundo” vai continuar a sentir-se na Mata Nacional do Bussaco, outono adentro, com a Jigsaw e Tom Brousseau. Como Media Partner do evento, a Mutante sentou-se, para começar, com os a Jigsaw para uma (pouco) santa conversa e assim vos acicatar para assistir a um sagrado concerto no Convento de Santa Cruz, no Bussaco.

Depois de já muito termos falado com esta dupla João Rui e Jorri – sobre seus álbuns e seus conceitos (reler aqui) – deambulámos pelo que envolve o Convento de Santa Cruz, seus Carmelitas Descalços, as Ermidas, a Mata e, crentes que há parte de santo neles e em nós, fomos procurar o eremita que existe dentro deles e o que traz de diferente um palco num espaço Sacro. Fundado em 1628, o Convento dos Carmelitas Descalços (Convento de Santa Cruz, Bussaco) é um edifício em perfeita comunhão com a natureza – com caminhos para a deambulação e 11 Ermidas para a oração -, onde se evidencia a simplicidade do espaço. Ao entrar na igreja aguarda-o um conjunto de obras de arte sacra que valem pela sua singularidade, pela sua história. Se nunca visitou a Mata e/ou o Convento, esta é uma oportunidade d’ouro de visitar ao som de boa música; se já conhece é olhar com novos cenários sonoros. Sem mais demoras, que se dê voz aos músicos.

Mata Nacional do Bussaco – Convento de Santa Cruz. Um espaço que surge nos inícios do século XVII, pela mão do Bispo de Coimbra para os Carmelitas Descalços. Um espaço de recolhimento, penitência e contemplação. Depois desta longa introdução e transpondo esta tríade para o universo da música, onde encaixaria cada palavra na vossa criação musical?
João Rui (JR): Um espaço de recolhimento e penitência… Falando do nosso caso específico, do nosso ato criativo, não diria que as nossas canções envolvam processos de catarse, ainda que as personagens que por vezes abordamos, ou que existem dentro das histórias que contamos, possam passar por isso. Portanto, creio que uma certa penitência surja através desse processo de nós fazermos as personagens e nas personagens um pouco de nós passar para elas. O recolhimento é, obviamente, uma coisa necessária para a criação. O tentar silenciar um pouco tudo o resto e concentrarmo-nos nas personagens e no caminho que elas tomam. Em relação à contemplação, penso que se encaixa não na contemplação propriamente dita, de ficar quieto e contemplar o processo, mas no estar atento à criação que se faz, à possibilidade de voltar a viver esse momento para reconstruí-lo de outra forma ou para encontrar outros meandros. Claro que também pode ser tudo, cada uma dessas palavras, aplicada à experiência de apresentar as músicas ao vivo, permitindo-nos assim levar o público a esse nosso momento de criação e a viver um pouco das palavras dos personagens, da própria história onde elas estão encapsuladas. E num espaço como este, sendo um concerto mais intimista, naturalmente que se prestam um pouco mais a essa vivência.

(…) ser um espaço onde se cria o tal ambiente mais intimista onde se pode conseguir que o ato criativo, na música, chegue mais perto do público, (…). (…). Depois, se calhar, um espaço religioso, logo à partida, predispõe as pessoas para estarem de uma forma diferente no receber da música que vão ouvir; o silêncio é um factor que impera nesses espaços e para nós é um elemento de peso para que o concerto viva.

Não é a primeira e provavelmente não será a última vez que fazem de um espaço religioso o vosso palco. Mantendo-nos no número três, numa certa trindade, seria possível pedir-vos três factores que fazem destes espaços, cenários ímpares para um concerto?
JR: (Risos). Numerologia é com o Jorri.
Jorri (J): Um dos pontos é este ser um espaço onde se cria o tal ambiente mais intimista onde se pode conseguir que o ato criativo, na música, chegue mais perto do público, sem tantos intermediários, sem tanto ruído. Embora isso também possa acontecer num espaço que tenha estas características e não tenha a conotação religiosa. Depois, se calhar, um espaço religioso, logo à partida, predispõe as pessoas para estarem de uma forma diferente no receber da música que vão ouvir; o silêncio é um factor que impera nesses espaços e para nós é um elemento de peso para que o concerto viva. Há, ainda, o facto de ser uma oportunidade para nós e para o público, de tocarmos e de nos ouvirem, num espaço histórico que não é na sua génese um espaço de espetáculos; é um sair dos palcos mais comuns. Provavelmente, irá ser como foi no Convento de Santa Clara-a-Velha e no Festival Entremuralhas (onde tocámos numa capela), em que tínhamos a carga de tocar num espaço onde nunca saberemos se lá voltamos a tocar; é sempre diferente de tocar num teatro onde à partida sabes que poderás voltar… Tudo isto torna o momento ainda mais único.

Agora, num pensar mais lato, caberá todo o género musical num Convento ou haverá, em algum, a profanação, a heresia?
JR: Não. Não creio que haja profanação ou heresia. Quando muito poderá ser na perspectiva que algumas pessoas poderão ter em relação a determinados tipos de arte. Obviamente, outras que considerarão que nós somos a Casa de Deus e as igrejas são a Casa para Deus, suponho que aí poderão existir algumas pessoas que tenham uma ideia mais pragmática em relação ao que pode ou não pode lá acontecer. Todavia, se Deus escuta até ao mais pequeno gafanhoto, qual seria o problema de estar um gafanhoto a tocar heavy metal ou techno?… Não, não creio que haja algo que seja demasiado. (Risos) Agora estava a lembrar-me dos Velvet Underground a arrancar cabeças de galinhas e… (risos) Talvez isso fosse um pouco demais. Mas sim, há espaço para tudo.
O ir para um Convento não faz, também, o músico reformular um pouco o seu espetáculo?
JR: Há espaços, algo que aprendemos com o passar dos anos, para os quais temos que nos saber adaptar ao sítio onde vamos tocar, ao espaço onde estamos. Da mesma forma que há o dito de meter um elefante dentro de uma loja de porcelana; o elefante pode entrar, mas tem é de andar muito devagarinho. Na música também tem de existir um pouco disto, pode existir todo o tipo de música dentro de um espaço desses, mas temos de pensar um pouco mais no espetáculo em si. Podemos ir lá fazer um concerto de punk, porém temos de tocar um pouco mais baixinho e saltar um pouco menos.
J: A própria acústica do espaço limita, naturalmente, o tipo de concerto que lá se realiza. Limita a quem vai tocar, como limita o comportamento de quem vai ouvir.
JR: Exacto. E parte essencialmente do músico o saber onde está e ter essa consciência. Quando queremos dizer um segredo, por exemplo, sussurramos, não vamos berrar ao ouvido. Os músicos, e mais uma vez a experiência a falar, aprendem a respeitar esses espaços porque em última análise o que vai sofrer é a música, se não houver esse respeito.
J: O respeitar e saber tirar partido do espaço em que se está. Há que ter em conta as características acústicas, a sua geografia, a sua forma,… De outro modo, se a música sofrer com isso e não conseguir existir, é sinal que os músicos não sabem tirar partido do espaço em que estão e ao público a música não chega como deve.

A dois, com mais dois ou mais até, a Jigsaw é música que se molda ao momento. Quem vai em peregrinação, no próximo sábado, ao Sons do Bussaco?
JR: Desta vez creio que vamos nós os dois. Fazer um pouco de recolhimento.
J: Ou talvez haja um terceiro, só por causa da numerologia inicial…

Sabendo, igualmente, que têm a maturidade e qualidade para fazer de cada oração uma passagem especial, este concerto será uma homilia especial, díspar de outras?
JR: Todas as homilias têm o seu quê de especial (risos). Cada homilia é sempre algo particular, muito especial e única em si. De outra forma não estaríamos, dois mil anos depois, ainda a repetir as mesmas palavras. Cada palavra chega-nos de uma forma diferente a cada vez que a ouvimos, ainda que seja a mesma frase, a forma como nós atravessamos o tempo e todas as nossas experiências vividas levam a que, cada vez que voltamos a ouvir a mesma palavra ou a mesma frase, a consigamos interpretar de uma forma diferente; por isso é que todos os dias são diferentes. Uma palavra que hoje tem um sentido para nós, amanhã poderá ter outro, e daqui a dois anos outro. Tal como falavas da experiência, há coisas que chegam a nós e que nos trespassam de uma forma diferente, à medida que os anos passam. Portanto, é sempre e será sempre uma homilia diferente, cada vez que nos acercamos do palco.

(…). Independentemente de tudo, (…), no momento em que a música começa a entrega tem de ser absolutamente total e um respeito total pela música. Mesmo que possam existir erros, pequenas distracções, a música é absolutamente sagrada.

Não resisto. Algum da trupe toda, a Jigsaw & The Great Moonshiners Band, teria vocação para eremita?
J: Nós ainda há pouco tempo visitámos o Bussaco.
JR: Sim, estivemos lá há pouco tempo. Eu creio que qualquer um de nós… Espera,… A Paulinha [Paula Nozzari – Baterista] talvez fosse mais complicado (risos), ela tem todo aquele ritmo que talvez não aguentasse (risos). Voltando ao eixo, acho que qualquer um de nós aguentava lá um bom tempo de eremita, creio que sim. Aliás, creio que qualquer pessoa aguentaria e nós não seriamos diferentes.
J: Seria o tal tempo de retiro.
JR: Sim!
J: O recolhimento para quem seja criativo, acaba por ser em algum momento do processo de criar uma necessidade, um precisar desse momento mais isolado, de eremita. Pode é não ser no Convento, mas no seu quarto, em casa.
JR: Todas as pessoas, creio, passam por um processo de recolhimento, ainda que pequeno e que por breves instantes, sim, todos os dias têm um pouco desse momento. Ainda que, por vezes, seja preciso concentrarmo-nos mais ainda nesse recolhimento para atingirmos outros lugares onde queremos chegar. Eu encarava de bom grado um momento desses.

Continuando neste domínio do Sacro, ou não tivessem os Carmelitas Descalços erguido um muro de 5Km para garantir a tríade inicial, o que é Sacro a cada concerto vosso?
JR: A música. Independentemente de tudo, do estado de espírito, no momento em que a música começa a entrega tem de ser absolutamente total e um respeito total pela música. Mesmo que possam existir erros, pequenas distrações, a música é absolutamente sagrada.
J: Até diria mais as canções que a música que é mais lato.
JR: Sim, é sagrado o respeito que tem de haver por elas.

Por fim, porque não tenho muitas dúvidas que os Carmelitas de outrora iriam apreciar o que vou agora falar, há quanto tempo não bebem uma Laranjada Bussaco? Ou nunca provaram a hóstia da região?
JR: (Risos). Aquela da garrafinha verde?!
Sim.
JR: Creio que a última vez que me aventurei numa Laranjada do Bussaco terá sido, porventura, acerca de quiçá 10 anos quando voltaram outra vez a vendê-la… não consigo precisar. Sim, acho que foi há 10 anos. Tem uma garrafa castiça!
É mítica…
JR: Sim, há que admitir.
J: Eu acho que nunca bebi Laranjada Bussaco.
Temos de resolver esse assunto.

Pelo espaço e sua envolvente, pela carga histórica e religiosa que trazem em si, pela maturidade destes músicos, pelas suas canções, pelo passeio e por novas vivências paisagísticas, arquitetónicas e sonoras, este concerto é a não perder, no próximo sábado dia 01 de outubro pelas 21h30, no Convento de Santa Cruz, na Mata Nacional do Bussaco – Luso, Mealhada. Uma forma singular de celebrar o Dia Mundial da Música.

Para mais à frente, uma conversa com Tom Brosseau que subirá ao palco do Convento a 19 de novembro. “Sons do Bussaco – Ciclo de Concertos de Músicas do Mundo” é para ter na sua agenda (Bilhetes: turismo@fmb.pt
ou através do número 231 937 000). •

“Sons do Bussaco – Ciclo de Concertos de Músicas do Mundo” na Mutante
a Jigsaw
+ Concerto a Jigsaw
Fundação Mata do Bussaco
Convento de Santa Cruz
© Fotografia: Paula Lourenço, Miguel Duarte e Sofia Silva – Descubra aqui o curioso processo criativo e a arte por detrás deste trabalho fotográfico único .

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