A Escola da Noite regressa a Tomeo

A Escola da Noite apresenta em ante-estreia, na recta final de julho, a sua nova produção. “TOMEO Historias Perversas” que reúne mais de duas dezenas de textos breves do dramaturgo espanhol Javier Tomeo, autor de “Amado Monstro”, o espectáculo com que a companhia começou o seu percurso, há 25 anos. Que bela forma de celebrar um quarto de século ou, assumindo a relação para a vida, com o público, que refinada escolha para assinalar umas bodas de prata com quem, fielmente, segue tão exemplar Escola.

Com dramaturgia, encenação e espaço cénico de António Augusto Barros, “TOMEO Histórias Perversas” inclui textos seleccionados a partir das obras “Histórias Mínimas”, “Cuentos perversos”, “Inéditos y Reescrituras”, “Los nuevos inquisidores”, “Problemas oculares” e “Bestiário”. Um pot-pourri perfeito. Definida como uma “literatura livre e audaz”, a escrita de Tomeo – muitas vezes a raiar o absurdo – é plena de humor, ironia e sátira mas também de poesia e humanismo. A perversidade, anunciada pelo próprio, e a aparente falta de compaixão com que trata as suas personagens desafiam-nos a pensar na forma como vivemos, como vivemos com o outro e como convivemos com um mundo que tantas vezes nos parece uma coisa demasiado estranha. Quem nunca se sentiu desfasado de tudo, e.g.?. A propósito dos “seres incompletos, incapazes de encaixar no mundo” que povoam os textos de Tomeo, escreve Daniel Gastón no prólogo de “Cuentos Completos”: “Com as suas parábolas sobre o medo irracional, a solidão e a incomunicação, Javier Tomeo faz com que a realidade se torne um pouco mais ameaçadora, mas também muito mais rica e fascinante. É o melhor serviço que um escritor pode prestar aos seus leitores”.
O mesmo Gastón identifica as oito “regras” que caracterizam a literatura de Tomeo, na qual têm sido detectadas influências de Kafka, de Buñuel, do surrealismo, mas também de Charlot, Buster Keaton e de Ramón Gómez de la Serna: “aceitar as regras do acaso e do absurdo; a força da sugestão e o fascínio pelo monstruoso; a animalização dos humanos e a humanização dos vegetais e dos animais; o fascínio pelos pormenores do mundo natural e a desconfiança em relação à tecnologia; a fantasia desbocada e a intuição arrepiante; a vivência traumática do amor e do sexo; a violência repentina; a importância do ‘ele’ e esse olhar a que Tomeo gosta de chamar psicopático”.

Gigantes, moinhos, assassinos e míopes. Entre os 26 textos escolhidos para o novo e esperado espectáculo d’A Escola da Noite, encontrará (muitos) míopes, pais que vêem gigantes onde filhos vêem moinhos, assassinos que saltam da tela de cinema, crianças que partem a lua em pedaços, esqueletos que falam, capitães que desertam, leões que choram e muitas outras coisas que nem sempre “saem à medida dos nossos desejos”. Sim, é normal o que está a sentir. A vontade súbita de rumar já ao teatro com um acicatar destes, para uma peça assim.
A par do trabalho dos três actores da companhia que se desdobram em dezenas de personagens, sobressai nesta produção o elaborado dispositivo cénico. Possível apenas numa sala com as características do Teatro da Cerca de São Bernardo, é artesanal e sofisticado e realça os efeitos de surpresa, mistério e inquietação que os textos transmitem. A música original de Jorri (a Jigsaw), o vídeo de Eduardo Pinto e a iluminação de António Rebocho concorrem para o mesmo fim e garantem um espectáculo a que será difícil ficar indiferente.

Quanto ao rumar ao teatro, porque não vai conseguir ficar em casa depois desta nota, a apresentação com duas ante-estreias, que terão entrada gratuita, está agendada para 26 e 27 de julho, A Escola da Noite encerra o período de trabalho iniciado há mais de três meses. Depois do regresso de férias e das últimas afinações, “TOMEO Histórias Perversas” terá a sua estreia e a sua temporada regular em Coimbra ao longo do mês de setembro. Portanto, se não lhe for possível ir agora… Setembro é, também, opção.

Sobre o autor, Javier Tomeo (1992-2013) foi um dos autores mais originais e prolíficos da narrativa espanhola contemporânea. As suas obras foram traduzidas em quinze idiomas e várias foram adaptadas ao cinema ou representadas nos principais teatros europeus. A sua produção literária – com destaque para obras como “Amado Monstro” e “O Caçador de Leões” – foi distinguida com vários prémios, entre os quais o “Prémio Aragón a las Letras”, em 1994. Em 2012, toda a sua narrativa breve, incluindo as obras “Historias Mínimas” e “Cuentos Perversos”, foi reunida num só volume, pela editora Páginas de Espuma, sob o título “Cuentos Completos”. Morreu em Barcelona, em 2013, deixando dois livros por publicar: a novela “El hombre bicolor” e o seu último livro de micro-relatos “El fin de los dinosaurios”. Em Portugal, estão publicados “Amado Monstro” (Cotovia, 1990) e “Histórias Mínimas” (Livros Horizonte, 1992).

Já sabe, se estiver por Coimbra nos próximos dias 26 e 27 de julho, sempre às 21h30, rumar ao Teatro da Cerca de São Bernardo (TCSB) e viajar em momentos únicos de uma Escola que sabe o que faz, e bem faz, há 25 anos. •

TCSB
© Fotografia: Eduardo Pinto.

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