Depois de “Ariadne” (2012), trabalho discográfico bem acolhido pelo público e pela crítica, e de “Tempo” – uma viagem à volta dos cantautores francófonos (Teatro Camões, 2013) – Adriana Queiroz mostra de novo em palco, com “KW”, que é uma intérprete completa; espectáculo que nos levou a uma breve conversa com a artista.
A obra de Kurt Weill será, novamente, interpretada por Adriana Queiroz, que estará acompanhada pela Orquestra Metropolitana de Lisboa, no Teatro Tivoli BBVA, no imperdível espectáculo “KW” (Kurt Weil). “KW” é um concerto embrenhado no caleidoscópio musical de Kurt Weill, nos seus diversos universos como Alemanha, França e América. Kurt Weill, que viveu apenas até aos 50 anos – (1900-1950), soube criar em cada universo e para cada universo, de uma forma ímpar. No Tivoli BBVA propõe-se uma nova viagem que passará, garantidamente, por uma Alemanha com “Aufstieg und Fall der Stadt” (“Ascensão e Queda da Cidade de Mahagonny“, projeto realizado também com Brecht), “Mahagonny” e “Happy End”, não se esquecerá de França e das suas canções como “Complainte de la Seine” ou “Youkali” e nem de uma América com “One Touch of Venus” e “Lost in the Stars”. Depois haverá, certamente, os demais clássicos como “Alabama Song”, “Die Moritat von Mackie Messer“, ” Zuhälter-Ballade“, “Der Bilbao Song“, “Das Lied von Surabaya Johnny“, “Der Song von Mandelay“, “J’Attends un Navire“, “Buddy on the Nightshift“, “Speak Low“, “I’m A Stranger here Myself“.
O espetáculo “KW” é também uma forma de repensar o mundo dissonante e encantador de Kurt Weill. É ser novo sem deixar de ser a genealidade de Kurt Weill, é a imaginação forte de Adriana Queiroz. E sem mais introduções, eis a conversa breve com Adriana.
Que existe no universo de Kurt Weill, de tão díspar dos demais, que o torna tão irresistivelmente tentador de interpretar?
O que o tornou irresistível para mim foi a riqueza da sua vida e história, e da vontade de contar, nesta altura de perseguições e ressurgimento de muros e campos de refugiados ao longo da Europa, a história dum homem que teve de fugir a vida toda e que recomeçou do zero a sua vida a cada etapa.
E daí retirou riqueza. E daí deu-nos riqueza.
A cada paragem sente-se na sua música a origem do pais onde está exilado a juntar à riqueza que a sua obra e musica já possuíam. E morreu meses antes de se instalar a lei McCarthy nos Estados Unidos onde, mais um vez, sendo artista, seria perseguido pelos seus ideais comunistas. Lembremo-nos que Weill foi obrigado a fugir da Alemanha , onde a sua obra foi toda destruida, por ser judeu e comunista. E teve também de se retirar de França pelas mesmas razões. Se não tivesse morrido em 1950 teria sido, mais uma vez, perseguido.
Junte-se-lhe a riqueza musical, a qual nem é necessário referir pois já é implícita; e como não seria irresistivelmente tentador para uma bailarina mais actriz que cantora visitar o mundo deste Homem sempre tão bem acompanhado pelo mundo teatral. Acrescentava só que, pessoalmente, as dissonâncias deste homem me são tão aprazíveis como para uma criança uma canção de embalar. E não sei explicar o porquê…
“O que o tornou irresistível para mim foi a riqueza da sua vida e história […]“
Se tivéssemos de servir um dia alimentados por KW – uma canção para o pequeno-almoço, outra para almoço, uma ao lanche, ao jantar e por fim uma para cear – quais seriam as eleitas e porquê?
Isto porque cremos que um dia passado ao som de KW por ser simplesmente arrebatador para os nossos sentidos.
Escolherei temas do alinhamento deste espectáculo e não do vastíssimo repertório de Kurt Weill que tem obras riquíssimas, mas gostaria que passassem um dia comigo no KW.
Não podia concordar mais, Adriana, com a escolha feita pelo alinhamento.
Ao pequeno-almoço : Der Moritat Von Mackie Messer. Que bom acordar com a canção mais cantada e escutada no século passado – penso que ainda não terá sido destronada- e tantas as versões que podemos tomar o pequeno-almoço calmamente durante mais de uma hora.
Para o almoço : Bilbao Song. Uma das canções emblemáticas do duo Brecht-Weill, incontornável! Ficará bem em qualquer playlist, em qualquer altura do dia.
No lanche: Alabama Song. À procura da força para continuar o resto da tarde e para encontrar algum caminho perdido, a canção que, em pequena, eu pensava que era dos The Doors.
Ao jantar: Youkali. Jantar com um tango-habanera suficientemente ritmado para nos fazer bater o pé , suficientemente distendido para nos levar à emoção duma balada.
E por fim, para cear: Lost in the Stars. Para acabar o dia em beleza: um dos temas mais extraordinário desta tragédia musical sobre o apartheid, entre a canção de embalar, um hino à esperança e o desespero dum pai que vê o seu filho seguir pelo pior caminho, a simplicidade da melodia de Weill deixa um alento para o dia a seguir.
Citando Brecht (comparsa de KW):
“In the dark times
Will there also be singing?
Yes, there will also be singing.
About the dark times.”
Para a Adriana é impossível parar de cantar “faça chuva ou faça sol”? Haverá sempre canções, que se adaptam ao momento, para cantar?
Para mim seria impossível deixar de me exprimir artísticamente pois é a minha forma de comunicação com o mundo e a maneira de ser útil ao próximo e à sociedade; assim, seja a cantar, a dançar ou a representar, haverá sempre uma mensagem a passar, um sentimento a fazer sentir, mas sobretudo algo que deixe as pessoas a pensar. Urge humanizarmo-nos novamente.
“No caso da canção não estou interessada em descobrir novas sonoridades e sim em reproduzir e habitar mundos que me fascinam […]“
“Ariadne” em 2012, “Tempo” em 2013, hoje KW. Que há ainda neste mundo exquisite da canção que esteja na mira de Adriana, que esteja como um sonho a cumprir?
Tantos mundos a descobrir. O meu prazer como intérprete é ir ao encontro das ideias e sensibilidades das pessoas com quem estou a trabalhar. No caso da canção não estou interessada em descobrir novas sonoridades e sim em reproduzir e habitar mundos que me fascinam e, alguns tão esquecidos ou não-conhecidos das novas gerações.
Estou a preparar um espectáculo com o Pedro Jóia à volta das Mulheres activistas sul-americanas do século passado, que com o seu cantar e pensar mudaram mentalidades e alimentaram revoluções (Elis Regina, Mercedes Sosa, Violeta Parra, Chavela Vargas, Maria Bethania).
Mal posso esperar por ouvir, também, esse mundo.
Além do que já tenho em preparação, na minha cabeça dança um espectáculo à volta de Nino Rota e gostava muito de visitar o universo de Stephen Sondheim.
E assim se acicata, tão bem, quem nos lê.
Para uma bailarina de formação só fazia sentido ser um espectáculo com corte e imaginação, nos figurinos, de José António Tenente (figurinista da CNB entre outras companhias de Ballet) ou há ainda algo mais no traço deste nome grande do estilismo português que o torna a escolha obrigatória para a acompanhar nesta viagem?
Embora eu tenha sido Bailarina da Companhia Nacional de Bailado, foi na minha segunda casa, o Ballet Gulbenkian, que conheci o José António Tenente. No “Tempo” fui eu que compus o figurino (embora o tenha ido buscar aos StoryTailors) quando me apareceu um espectáculo em que teria que recriar 3 décadas em 3 países diferentes – e eu sabia que queria mudar a roupagem de cena, em cena- não tive muitas dúvidas de que teria de trabalhar com o Tenente.
Depois deste primeiro encontro com ele como encenadora, e não só como intérprete, não me restam dúvidas que é daquelas pessoas com quem não se quer deixar de trabalhar. Não é o resultado final – maravilhoso – mas o percurso: a mesma maneira de pesquisar, de partilhar, profissionalismo e entrega, sobriedade, o saber que está a trabalhar para o palco e o que isso signific; e como cereja em cima do bolo, a maravilhosa e humana pessoa que é o Zé. É certamente para mim um nome dificilmente “contornável” nos meus trabalhos.
Por já termos assistido a Adriana actuar em palco, embora que no espectáculo “Tempo”, não hesitamos em dizer que “KW” é não perder, no dia 16 de setembro, no Teatro Tivoli BBVA, em Lisboa. •