Corria o ano de 2003, na Lusa Atenas. Era tempo de se ser Coimbra Capital da Cultura. Foi também tempo de, no Teatro Académico de Gil Vicente (TAGV), se fazer ouvir “Mondego Chase”, um espectáculo que juntava os Belle Chase Hotel com músicos do Quinteto de Coimbra. Tudo com a benção de Paredes.
Porém. Todavia. Contudo… Apesar das mais que merecidas críticas e de terem presenciado um gigante Carlos Paredes “emocionado ao ouvir o seu trabalho revisitado, ainda que num contexto bastante diferente do habitual“, este trabalho ficou guardado, bem guardado, até agora, nas memórias de quem teve a sorte de o ver e ouvir em 2003, e dos virtuosos músicos que lhe deram vida.
15 anos mais tarde, os mesmos músicos que engendraram o projecto reuniam-se para “ressuscitar e completar a aventura musical pelo universo sombrio, negro e vibrante da figura mais carismática e livre da guitarra portuguesa“, Paredes… O indubitável génio da Guitarra de Coimbra, e não só. Ao projecto que, passados 17 anos daquele inesquecível espectáculo, vê a sua edição física, deram o nome de “ANIMAIS – 15 ANOS SEM PAREDES”.
Ousados na imensa responsabilidade de agarrar no admirado trabalho de Paredes, Raquel Ralha (Wraygunn, Mancines, The Twist Connection, Belle Chase Hotel, Azembla’s Quartet), Ricardo Dias (aCapella, Ricardo Dias Ensemble, Quinteto de Coimbra), Pedro Lopes (Na Cor do Avesso, Quinteto de Coimbra) e Pedro Renato (Belle Chase Hotel, Azembla’s Quartet, Mancines, Tracy Vandal) preparam-se assim para começar a apresentar um disco definitivamente intenso, para almas q.b. irrequietas, nada puristas (ou não tivessem eles colocado um espírito aberto, como o de Paredes, tão emocionado) e ouvidos superlativamente exigentes.
Disponível desde 28 de fevereiro, pela mão da imparável editora Lux Records, esta surpreendente viagem começa num’A Noite onde a mestria do dedilhar e da respiração – ambas tão perfeitas no tempo – de Ricardo Dias nos fazem sentir na pele (e no estômago, acreditem) a música de um génio re-vivido, não copiado. Tudo rebenta a meio d’A Noite com a originalidade de um savoir-faire de músicos encartados a mergulharem a tradição na inovação que não mais pára, a cada música.
E os anos que com Paredes são sempre Verdes Anos? Ah, quem não deixar balançar o corpo, subtilmente, no compasso da batida que acompanha a memória…
A Canção de Alcipe era de Alcipe, agora tem de ser de Raquel e João Rui (a Jigsaw e aqui convidado acertado). Heresia o que escrevemos? Não, de todo. Afinal, estamos a re-viver Paredes, com a benção do mestre, numa viagem que, de oito paragens, ainda só vai na terceira e já ficou no ouvido.
Conduzidos por estes arrojados músicos seguimos para Sede e Morte para ouvirmos o Canto do Rio. Apetece dizer que a Raquel é o Canto e o Rio Ricardo e Pedros, mas não. A Raquel dilui-se no Rio e o Rio entranha-se no Canto. São um todo. Um só. Inseparáveis neste redemoinho musical.
Despertar para novos universos sonoros as sonoridades da memória, de uma Frustação que é canção num copo bem cheio de música, vício que recomendamos ter.
E eis a paragem final, desta viagem, no Canto da Rua onde a palavra falada de e por Paredes é o fecho tão, mas tão perfeito de quem saudade nos deixou da sua música, presença e liberdade.
Que estes ANIMAIS também toquem para ganhar a vida, tal como o génio Carlos Paredes e que desse lado se deixem levar por eles, por toda a sua música sempre livre.
Concerto já confirmado: 24 de abril, no Teatro Académico de Gil Vicente. A tomar nota, a ir. •