“Sendo Portugal um país tão pequeno, mas com tanta multiplicidade de vozes no mundo da arte, sinto que nem todos os realizadores têm a mesma oportunidade”
A Mutante foi ao Festival Internacional de Cinema de Berlim, mais conhecido por Berlinale, onde esteve à conversa com o realizador e argumentista José Magro (“José Combustão dos Porcos”, “Viagem”, “Rio Entre as Montanhas”), que participou na secção de talentos do festival pela primeira vez.
Magro, determinado e de talento refrescante, pertence à categoria de jovens cineastas promissores que, com poucos recursos mas muita ambição, quer expandir o cinema português para além do seu epicentro em Lisboa e dar oportunidade de acesso a uma nova geração de realizadores.
José, foste selecionado para o prestigiado “Berlinale Talents”, um programa com duração de uma semana e que funciona como plataforma de networking para jovens criativos. Como é que foi para ti esta experiência?
Foi uma experiência muito boa. No sentido em que colocar na mesma sala, no mesmo espaço, cerca de 250 pessoas de todo o lado do mundo que têm como objetivo fazer cinema, seja qual for o cargo específico que ocupam na indústria, é sempre muito positivo quer a nível pessoal, quer a nível profissional. O programa está também muito bem organizado; tive a oportunidade de assistir a palestras e apresentações de realizadores como Viktor Kossakovsky e Kléber Mendonça Filho. Foi uma semana bastante produtiva.
O foco da “Berlinale Talents” deste ano foi “power of collectives”, o que se traduz no poder e união de vários indivíduos. Qual é que é o elemento mais importante para ti numa colaboração cinematográfica?
Penso que ainda há uma certa tendência para considerar o cinema como obra de autor. Acredito que ganhávamos todos muito mais se fosse considerado um pouco mais como uma colaboração, já que o cinema está sempre muito dependente de toda a participação de uma equipa.
O realizador consegue dirigir a equipa de acordo com a sua intenção e o que acha que é melhor para o filme, mas isso é uma função que é apenas uma parte do todo.
Outro ponto a referir é que um bom filme depende sempre muito das relações que se estabelecem. No meu caso, tenho trabalhado com pessoas que têm verdadeiro amor à arte, ao cinema, e que já conheço desde os tempos de faculdade. Entre nós existe uma grande confiança e quando estamos a rodar um filme, não há receio de sentir que as nossas ideias não são válidas porque existe essa confiança que permite uma experimentação de ideias coletiva. Acho que o cinema está gradualmente a avançar para esta ideia de coletivo e deixar de ser uma obra de autor onde o realizador tem um papel tão centralizado.
No futuro também vou procurar colaborar com pessoas de ideias diferentes, já que o choque entre esta combinação produz resultados mais interessantes.
Em entrevistas prévias, disseste que não consideras mudar-te para fora de Portugal. Porquê?
O cinema é uma arma muito grande para se falar das coisas que são mais importantes no sítio onde vivemos e o que está a acontecer à nossa volta. Eu interesso-me mais pelas questões internas, ou seja, por aquilo que nos afeta e cada filme meu é de certa forma autobiográfico. Considero ser mais válido para mim enquanto realizador falar sobre a minha realidade, sobre Portugal, sobre o Porto, que é a minha cidade, do que estar a falar sobre questões externas.
José, tens um extenso portefólio enquanto realizador e argumentista e durante a tua carreira tens sido constantemente selecionado para participar nos mais aclamados festivais. De onde é que nasceu a tua paixão pelo cinema?
Sempre estive muito próximo das artes, e ainda enquanto adolescente gostava de escrever poesia e contos narrativos. Também gostava muito de imagem e, de certa maneira, a conciliação destes dois interesses, imagem e literatura, foi um processo natural cuja junção levou ao cinema e ao meu interesse pela área.
Concorreste como talento com um excerto da tua última curta, “Rio Entre as Montanhas”, que foi rodada na China. Qual é que foi a inspiração por detrás deste filme?
Esse filme foi uma coincidência porque não partiria de mim sair fora de Portugal e filmar no estrangeiro. Fui convidado por uma secção paralela de um festival na China para fazer uma espécie de “filme-ensaio” sobre o amor.
Quando chegámos, “Rio Entre as Montanhas” surgiu naturalmente e foi escrito no local com o Tiago Carvalho e o Miguel da Santa, que são os diretores de fotografia do filme mas também foram argumentistas.
Foi um processo bastante intuitivo; como artista, quando se chega a um sítio que não é o seu, está-se preparado para ver as coisas de maneira mais poética. Ou seja, és surpreendido mais facilmente enquanto também procuras tentar compreender e analisar o sítio em que estás.
Os protagonistas não falam, mas o filme é narrado em mandarim pelo ator Kong Wei Si. Quais é que foram os maiores desafios em dirigir um filme numa língua estrangeira e porque é que decidiste manter o título original em português?
A comunicação foi difícil, sobretudo numa primeira fase. No entanto, o que muito me surpreendeu, foi o interesse das pessoas de Hancheng em participar no filme
Em relação ao processo de seleção, escolhemos pessoas com quem nos identificámos e que queriam participar na curta. Estes foram critérios fundamentais para que as personagens ganhassem corpo no filme.
Relativamente ao porquê de ter mantido o título em português, eu não queria ter a pretensão de fazer um filme chinês. Não conheço a China nem a sua realidade, apesar de ser o espaço que usei para fazer o filme. A minha ideia foi criar um filme universal, que fala de relações amorosas, no qual todas as pessoas se conseguem identificar, quer sejam da China, dos Estados Unidos ou de Portugal.
José, não só foste Segundo Assistente de Realização de Manoel de Oliveira, como também trabalhaste como Diretor de Fotografia para João Pedro Rodrigues. De que forma é que estes realizadores influenciaram o teu trabalho e quem é que consideras ser a tua maior inspiração?
Não consigo apontar um realizador que me influencie mais do que os outros. Penso que o cinema português tem essa particularidade de ser um cinema muito diverso, muito versátil e que, em geral, me inspirou e continua a inspirar. Claro que o Manoel de Oliveira foi um dos meus primeiros pontos de contacto com o cinema português, o João Pedro Rodrigues também, mas as minhas inspirações vêm de todo o lado.
Mas é importante para mim estar sempre a mudar o meu modo de fazer filmes. Pelo menos nesta fase.
E achas que os teus filmes são autobiográficos?
Considero que todo o cinema é autobiográfico e é muito mais legítimo se assim o for. Pode não ser declaradamente autobiográfico mas eu acho que, como realizador e argumentista, estou sempre a reflectir sobre o que é mais importante para mim e para as pessoas à minha volta. Nesse contexto acho que a experiência pessoal é sempre muito importante para fazer um filme.
Mudavas alguma coisa no cinema português?
Sendo Portugal um país tão pequeno, mas com tanta multiplicidade de vozes no mundo da arte, sinto que nem todos os realizadores têm a mesma oportunidade, a começar pela geração de realizadores mais nova. Esta geração não tem o espaço necessário para fazer filmes e para se poder expressar. E também há um certo desequilíbrio em relação à geografia do país que não ajuda à equação.
Eu gostava de ver pessoas de outros contextos e com outras experiências também a fazerem cinema, porque existe uma grande tendência para a maioria dos realizadores e produtoras se concentrarem na região de Lisboa.
Acredito que é importante darmos oportunidade a novas vozes.
Este ano, não houve nenhum filme nacional selecionado para a competição oficial. Achas que o cinema português está bem representado internacionalmente?
Em geral, sim. Tendo em conta as oportunidades que nós temos e o apoio à cultura, a projeção do cinema português é muito maior do que aquilo que se poderia esperar. O cinema português é, na minha opinião, um dos cinemas mais valorizados no mundo inteiro, precisamente por essa capacidade de surpreender e reinventar. Penso que na Berlinale há poucos filmes portugueses comparando com os anos anteriores mas julgo que é uma questão de “ondas” ou de “tendências”. Há outros temas, realidades e geografias que pareceram mais urgentes, este ano, curadoria deste festival. E não há nenhum problema nisso.
Quanto a futuros projetos, o que é que podemos esperar de ti?
Neste momento ainda está tudo numa fase embrionária e de planeamento. O projeto que me está a entusiasmar mais é a escrita da minha primeira longa-metragem que, por agora, prefiro não adiantar detalhes.
E por último; se não fosses realizador, o que serias?
Teria de ser qualquer coisa relacionada com a arte, talvez escritor. No entanto, desde há um mês para cá que a minha profissão a tempo inteiro, para além de realizador, é ser pai. Ocupa-me bastante tempo, mas é um privilégio.