“A Música da Casa é um movimento independente criado por fãs de música que se juntaram para promover concertos pagos.
Nesta altura de tanta incerteza, um grupo de amigos melómanos decidiu organizar-se com um único objectivo: juntar dinheiro para poder usufruir de concertos. Não que estivessem fartos de ver concertos à borla nas redes sociais, mas por acharem que essa situação não é sustentável para os músicos, nem valoriza a arte.”
E agora, perguntam vós, nossos leitores e ouvintes da música que vos vamos entregando, porquê a Mutante se interessar por esta iniciativa específica e não falar de tantas mais (de valor) que andam por aí? Simples. Porque esta, não criticando – jamais – a iniciativas que gratuitamente levam música ao público, procura que a música – em todas as suas valências – receba pelos concertos que se realizarão, sejam online ou não. Mas não é apenas e só isto, é mais.
Dizem-nos eles, na nota que nos fizeram chegar “E se os músicos não puderem/conseguirem sobreviver na sua profissão, são os fãs de música quem mais perde. No fundo, juntar o útil ao agradável: os fãs terão acesso a concertos, e os músicos farão concertos pagos.“
E é também por isto que, por meios virtuais, decidimos entrevistar os cabecilhas da Música da Casa para vos dar a entender o porquê de todos nos podermos unir, se possível, nesta iniciativa.
Música da Casa (MdC) surge porque é tempo da música – no seu todo, em todos os papéis que a envolvem – deixar de ser sempre e só a ajuda, e passar a ser, também, ajudada? É tempo de a valorizar mais do que fazíamos?
MdC: Na verdade, é um pouco dos dois. A ideia surge de um grupo de melómanos que não consegue viver sem a música e não só a música gravada, mas também a música tocada ao vivo. Logo, ao valorizarmos a música, valorizamos os músicos. Neste momento, os dois lados deixaram de fazer algo que gostam: nós de ver concertos e os músicos de os dar. A realidade é que, normalmente, nós pagamos para ver concertos e os músicos são pagos para os dar, mas são papéis que se têm invertido na generalidade das plataformas e sem estarmos contra nenhuma forma de expressar cultura, achámos que deveríamos manter os papéis. Havia que criar a Música da Casa, um grupo com o objectivo claro de continuarmos a fazer o que fazíamos: ver concertos e pagando para os ver, músicos a dar concertos e a serem pagos para os dar. Concluindo, não é de agora que estamos a querer valorizar os músicos e a música, estamos certos nunca deixámos de os/ a valorizar.
© Música da Casa, Rita Nabais/ História do Rock
Um pensamento que, por vezes, nos inquieta: Cremos que muitos, sem querer, se esquecem que o seu entretenimento, é o trabalho árduo de outros; que a música (nos seus diferentes papéis) não é uma brincadeira de quem escolheu dedicar-lhe a vida – seja ela pop, erudita, rock, folclore, clássica, punk, indie,… -, é uma profissão que, como tantas mais, exige sacrifícios pessoais. Não querendo generalizar e agarrando neste vosso mote de “manter os papéis”, concordam de alguma forma com o acima explanado?
MdC: Completamente. Isso acaba por acontecer em muitas profissões, mas nas áreas criativas é crítico e a música é um desses casos. Os músicos – e todas as profissões que giram em torno da música – nem sempre são devidamente valorizados. Cremos que isso é resultado de uma educação cultural, onde se presume que a cultura deve ser tendencialmente gratuita, de acesso a todos; o que é verdade, mas esqueceram-se de explicar que não deixam de ser profissões e que alguém tem que pagar aos artistas, sejam eles de que área forem, para exercer a sua profissão. Na música, especificamente, os músicos até são os menos desvalorizados, porque a música, nomeadamente a música ao vivo, não é feita só de músicos, são precisos: técnicos de som, de luz, de montagem, de instrumentos, road managers, agentes – todo o staff que trabalha agências de booking -, os editores – tudo o que gira em torno das editoras -, as promotoras, as agências de comunicação, cenógrafos, letristas, compositores, designers, runners, drivers, empresas de backline,… Um conjunto de valências que o público não vê e que, em particular nesta altura, ninguém sabe quem são. Todos eles dependem dos músicos e dos seus concertos. Por tal, o mínimo que podemos fazer é criar condições para esses continuarem a exercer a sua profissão e evitar ver destruída toda uma cadeia de trabalho.
Os profissionais da música, que tanto nos têm dado, estão a passar tempos verdadeiramente difíceis, de muita incerteza, verdade?
MdC: Sim, verdade. Principalmente por não se saber quando poderá tudo começar a retornar à normalidade. Todos os músicos perderam muitos concertos e muitos desses concertos foram mesmo cancelados, não reagendados. Ou seja, foi trabalho perdido. Porém, se a indústria da música soubesse quando poderia retomar a normalidade, tudo se tornaria mais fácil; haveria uma data a partir da qual se poderia começar a remarcar concertos, voltando ao ritmo de trabalho habitual. Até lá, o futuro será sempre um ponto de interrogação, não só na música e na cultura, mas em grande parte dos sectores da vida dos portugueses.
Sensibilizar o público para o valor constante de investimento feito, e.g., num instrumento profissional, em manutenções – desde os instrumentos até amplificadores, cabos, mesas de mistura e afins -, será necessário?
MdC: Não iríamos por aí. Hoje em dia é muito mais fácil fazer música e partilhá-la com o público, comparando com o passado. Claro que os instrumentos não são baratos, todo o material necessário para se ser músico profissional requer investimento, mas penso que isso é transversal a outras profissões; temos a certeza que as ferramentas do carpinteiro ou do designer não são baratas, as do chef de cozinha ou do cabeleireiro,… Simplesmente temos que nos habituar a pagar para consumir cultura, seja um livro, um cd, uma ida ao teatro, a um concerto. É isso que ajudará os criadores a se sustentarem e a melhorarem a suas “ferramentas” de trabalho.
Belíssima conclusão. Era isso que esperávamos ouvir.
© Música da Casa, Pedro Lopes/ Animais
A vossa iniciativa é nobre, no seu âmago. Porém, há perguntas inevitáveis que vão surgir a quem ouve falar de vós. Perguntas que agora colocamos para vos dar o voto de confiança de quem nos lê, pois o modus operandi da Música da Casa passa pelo investimento dos fãs.
Há três modelos de mensalidades em que se pode investir, mas…
E se, a meio do percurso, quisermos mudar o tipo de mensalidade, podemos?
MdC: Antes de respondermos à pergunta, queremos dizer que todos os que gostamos de música, somos seus fãs, incluindo os músicos e quem depende directamente da música para viver. Mas respondendo à pergunta, sim. Podem mudar de mensalidade em qualquer altura, seja para uma mensalidade maior, seja para uma menor. Lembramos que associado à maior ou menor mensalidade estão mais ou menos regalias e direitos.
E se, por motivos de força maior, não pudermos continuar a ajudar, podemos cancelar a subscrição sem problema?
MdC: Sim. Podem cancelar a sua mensalidade em qualquer altura, bastando comunicar que o querem fazer e cancelar a sua subscrição enquanto “patron” da Música da Casa.
E como sabe o público, neste mundo onde a confiança é tantas vezes tão frágil, que o seu dinheiro está a ser bem direccionado, para aquilo a que se propõem? Como vão vocês dar essa “transparência” necessária para que todos confiem em vós?
MdC: Excelente pergunta. Primeiro, procurámos uma plataforma onde tudo o que diga respeito ao dinheiro fosse seguro e transparente, sejam transacções com os pagamentos, seja na visualização do dinheiro angariado. Na plataforma, o número de membros, bem como o dinheiro angariado mensalmente, é público. Todos podem ver quantos membros tem no momento a Música da Casa, bem como o valor que isso representa. E, embora não seja de política comum o tornar públicos os valores pagos aos artistas, nós apresentaremos – junto dos membros da Música da Casa –, todos os meses, um orçamento discriminativo a indicar e a justificar onde e como foi gasto o valor das suas mensalidades.
Bravo. Assim sim, sem véus.
Deixando as perguntas mais burocráticas…
Primeiro, consequência do momento que se atravessa, propõem concertos, de acesso restrito aos patronos, em streaming. Já há data para o primeiro? Banda?
MdC: O primeiro objectivo, como indicado na nossa página, é chegarmos aos 50 membros. Para nós esse é o número mínimo para tornar viável este projecto, justificando a sua continuação. Todavia, entretanto, ainda neste mês, haverá dois concertos que estão a ser decididos em conjunto com os membros “Major Tom” – escalão máximo da Música da Casa que, entre outras coisas, dá o direito de participar na escolha das bandas que vamos ver em concerto, neste e noutros meses. As datas e respectivas bandas dos primeiros dois concertos serão anunciados durante esta semana.
O streaming é a forma de manter a música ao vivo “viva” nesta fase?
MdC: Sim. Era bom haver outra forma, esta não é a melhor, mas é a possível. Porém, todos ansiamos para voltar a estar na mesma sala que os músicos e a respirar o mesmo ar.
© Música da Casa, Jerónimo e Joana/ Birds are Indie
A fase seguinte…
Estamos certos em pensar que os concertos, aqueles a respirar o mesmo ar, poderão passar por salas menos convencionais? Que têm em mente?
MdC: Queremos muito – o mais rapidamente possível – que se realizem concertos da Música da Casa, dos mais variados géneros musicais, em salas de Norte a Sul do país – grandes ou pequenas e até na tua sala de estar –; tentaremos, sim, que seja o mais diversificado possível. E temos a certeza que serão bons concertos, com boas bandas e que será um ponto de reunião dos membros da Música da Casa, no ambiente que mais gostam, o da música, dos músicos e dos seus fãs.
E como vão, no futuro, controlar o número de pessoas? Imaginem que todos somos Major Tom, mas o concerto é só para 100 pessoas… Ajudem-nos nesta logística matemática.
MdC: Teremos sempre que ter em atenção o número de membros que temos e os seus direitos. Claro que se fossemos todos Major Tom e fossemos mais de 100 membros, seria um bom problema, porque teríamos condições para fazer vários concertos por mês. Seguramente, todos teriam oportunidade de ter acesso aos concertos a que têm direito, até porque, os Major Tom, além do que já disse acima, também decidem connosco que concertos teremos e onde. Dando um exemplo concreto: um concerto numa sala com capacidade de 100 pessoas; somos 100 Major Tom que nos dá direito a dois bilhetes por concerto; todos utilizam os dois bilhetes o que dá 200 pessoas; resultado é que bastaria fazer dois concertos seguidos, 100 pessoas em cada dia. Uma coisa é certa, nenhum membro da Música da Casa ficará à porta de um concerto organizado por nós. Para isso acontecer, precisamos que o público queira entrar na sala de concertos e que se registe como membro da Música da Casa.
Estes, nas salas, têm a incerteza do começo agarrada à incerteza do momento. É impossível dizer, para já, quando pensam fazer o primeiro concerto?
MdC: Sim, para já é impossível. O desejo era que fosse já amanhã, mas neste momento não dá para apontar uma data. Cremos que haverá uma fase de transição onde poderão realizar-se concertos nas salas, com todas as condições, com bandas a tocarem juntas, mas sem público, e esses serão transmitidos em streaming para os membros da Música da Casa.
Para terminarmos, a programação terá a preocupação de ser eclética para que vários estilos de sonoridades sejam ouvidos ou irão focar-se mais em estilos específicos? Sabemos que agradar a Gregos e Troianos não é fácil.
MdC: Tentaremos ser ecléticos, até porque quantos mais membros formos, mais abrangentes serão os gostos musicais. Na primeira fase, procuraremos ter músicos e concertos que funcionem bem em streaming. Mais do que o género musical, será esse o critério. Todavia, se quiserem ter voto na matéria é fácil, registem-se como Major Tom e poderão escolher, juntamente connosco e com todos os outros “Majorianos”, que concertos serão apresentados todos os meses.
E assim nos silenciam quanto à programação, no bom sentido.
© Música da Casa, Carlos “Kaló” Mendes/ The Twist Connection
A Música da Casa tem uma página no Facebook e uma conta na Plataforma Patreon (links directos no final deste artigo), com opção por três tipos de mensalidades. A inicial é de 5€ (mais IVA) e proporcionará, no mínimo, entre dois a quatro concertos online, por mês; quando os concertos forem ao vivo, a mensalidade garante também acesso a concertos. As outras mensalidades incluem alguns “benefícios” extra, como e.g. t-shirts, discos, mais concertos, escolha das bandas, convívio com os músicos, etc. Tudo bem explicado, às claras, sem letras pequenas, no site da Música da Casa.
Lembramos que a Música da Casa se trata de uma iniciativa sem fins lucrativos e cujo nome remete para o facto de estarmos (quase) todos em Casa, com um óbvio trocadilho com Casa da Música.
Resta-nos esperar que o desprezível COVID-19 deixe de dar o ar de sua não graça e se reunam todas as condições legais e de saúde pública para que todos voltem à sua actividade, sem restrições.
A vós, esperamos que este artigo vos tenha acicatado a serem patronos – ou no mínimo a conhecer – da iniciativa Música da Casa. Acreditem que vale a pena conhecer. •