Produção, Criatividade, Palcos. Qual o futuro da cena musical? / Francisco Silva

Na discografia, que começamos a contar lá longe em 2001, contamos oito títulos e mais um nove, porque 2021 marca a edição do último trabalho de originais de Francisco Silva, ou melhor, de Old Jerusalem – nome com raízes assumidas numa música de Will Oldham. O álbum de estreia – “April” -, para o qual temos de recuar até 2003, de Old Jerusalem, marcou logo o seu espaço na música nacional, tendo sido considerado pela crítica um dos melhores do ano.

Francisco Silva, músico da cidade Invicta, mentor da banda Old Jerusalem, enquanto escritor de canções já o podemos a associar, no seu percurso artístico, a nomes como Carlos Bica, Bernardo Sassetti, Mandrágora ou Kubik, mas é com Old Jerusalem que mais lhe associamos o nome. A sonoridade Indie Pop que nos dá, com uma saudável regularidade, fica no ouvido e à flor pele, em loop. Um músico, uma banda, consistente que não desce a bitola a que nos tem habituado. Músico e música obrigatórios para quem não é mainstream.
No palco, vê a forma perfeita e completa de comunicar as suas canções e é lá que estamos desejosos de o ouvir tocar “Certain Rivers”, como complemento indispensável ao seu trabalho de estúdio, assim que este momento pandémico o permita.

Se te pedisse para escolheres uma nota musical ou frequência hertziana ou um valor em decibéis para resumir estes últimos 12 meses, qual seria e porquê?
(FS):
Seriam os 15625 kHz – aquela frequência que algumas TVs emitem quando ligadas e que “moem” o juízo de quem a ouve – irritante sem que realmente identifiquemos, numa fase inicial, o que é aquilo que nos está a causar desconforto; impossível de ignorar quando nos damos conta que está lá…

Houve tranquilidade e disponibilidade – física e mental – para pôr em prática o que anteriormente te era quase impossível, como tirar projectos da gaveta ou reorganizar-te?
(FS):
Como estive em teletrabalho em todo este período, a verdade é que os meus dias não sofreram um “acrescento” assim tão notório de tempo extra útil que permitisse grandes planos, e as restrições físicas e sociais acabariam de qualquer forma por remeter para a gaveta os projectos que eu tivesse a veleidade de de lá retirar.

Como encaraste e encaras os concertos em streaming? São de alguma forma um motor para se manter uma certa actividade, te sentires activo?
(FS):
Tenho a sensação que foram um sucedâneo útil para manter algum tipo de vínculo entre artistas e audiência, neste período. Pessoalmente, não posso dizer que me tenham servido, quer enquanto consumidor e melómano – raramente me sinto “envolvido” -, quer enquanto artista, em que creio que me faltam uma série de talentos e recursos para comunicar eficazmente as minhas canções por esta via, que não é bem “carne nem peixe”, no fundo.

Estás a desenvolver músicas/produções ou programação para a nova temporada pós-confinamento que se avizinha? Se sim, podes levantar a ponta do véu?
(FS):
Old Jerusalem acaba de editar um novo álbum, “Certain Rivers”, pelo que os planos passam essencialmente por a partir de meio do ano (julho, mais concretamente) regressar gradualmente à promoção mais tradicional destas novas canções em concertos, assim a evolução da pandemia o permita.

Como se organiza uma agenda com tantas incertezas e reagendamentos constantes? É exequível programar ensaios, concertos e tours a curto e longo prazo?
(FS):
No meu caso essas actividades estiveram de facto suspensas, pelo que não imagino sequer o que será tentar manter algum nível de actividade “funcional” num contexto de tamanha incerteza…

Sentes que a paragem forçada da cena musical transformou o olhar do público e a mesma passou, finalmente, a ser mais olhada como profissão e não como hobby?
(FS):
De facto, a nível mediático houve uma maior notoriedade e consciencialização dos problemas e dilemas que as profissões associadas às actividades culturais enfrentam (e que a pandemia apenas agudizou). Que essa maior notoriedade tenha efeitos duradouros na forma como a generalidade das pessoas vê estas actividades, já não me parece tão evidente.

Produção. Criatividade. Palcos. Como é a tua rotina de músico e como vês o futuro do teu sector a partir destas três palavras?
(FS):
Quanto à minha rotina como músico a partir destas palavras, teria de a descrever, para qualquer dos três conceitos, como “intermitente, mas intensa”. O futuro do sector será certamente brilhante, seja a nível de produção, criatividade ou palcos, mas desconfio que ocorrerá em modelos tão distintos daqueles a que estamos habituados, que para vários de nós esse brilho será tão forte que não seremos capazes de o apreciar, e apenas nos ofuscará e frustrará.

Quão desafiante se tornou este último ano no teu percurso enquanto músico? Como geriste a falta física dos teus pares, ao teu lado? O que mais mudou na tua perspectiva sobre o teu trabalho?
(FS):
Este ano foi desafiante a vários níveis e os aspectos mais práticos não terão sido sequer, no meu caso, os mais relevantes. Logo à partida, a pertinência e o valor de manter uma actividade artística pública num contexto como o que vivemos – ou mesmo no que viermos a encontrar à sua saída – são questionados de forma bastante mais premente, e a falta física das pessoas, dos ambientes, das rotinas e das actividades que compõem no fundo o que é e o que significa fazer “isto” que fazemos pesam bastante. E há dias em que pesam de uma forma a meu ver particularmente triste: habituamo-nos à ideia de que deixem de estar lá e fazer parte da nossa vida.

+ Old Jerusalem
© Fotografia: DR.

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