Produção, Criatividade, Palcos. Qual o futuro da cena musical? / Sérgio Nascimento

A bateria vira prolongamento do corpo de Sérgio Nascimento no início dos anos 1990 e, com o passar do tempo, deixou de ser prolongamento para ser, intrinsecamente, parte dele. Um sem o outro não faz sentido, para nós e cremos que para ele também. Senhor das baquetas imparáveis que, todavia e afinal, não se resume à bateira. É tanto mais, na música e para a música.

Despe & Siga, Sérgio Godinho, David Fonseca, Humanos, Mafalda Veiga, Dead Combo, Rita Redshoes, Virgem Suta, They’re Heading West, isto como uma sucinta mostra do invejável portfólio de Sérgio Nascimento. São inúmeros projectos aos quais Sérgio não diz que não e abrilhanta com o seu ritmo sempre certeiro.
Para cada projecto em que se envolve, a batida é diferente, a estética muda, o kit de bateria adapta-se e Sérgio é músico que sabe ler o músico e a música que tem pela frente, da primeira à última nota, sem lhes ou lhe roubar a identidade; é isso que o distingue entre tantos.

Estes últimos 12 meses, de um “silêncio gritante” para a cena musical, Sérgio não se fechou, mas reorganizou-se. Sendo seguidores de perto do trabalho deste reconhecido músico da nossa música, não resistimos a chamá-lo para esta rápida e leve reflexão sobre a sua música, nestes tempos pandémicos.

Se te pedisse para escolheres uma nota musical ou frequência hertziana ou um valor em decibéis para resumir estes últimos 12 meses, qual seria e porquê?
(SN):
Uma daquelas frequências agudíssimas que o nosso ouvido não ouve, mas sentimos. Basicamente um silêncio gritante.

Houve tranquilidade e disponibilidade – física e mental – para pôr em prática o que anteriormente te era quase impossível, como tirar projectos da gaveta ou reorganizar-te?
(SN):
Inicialmente, o recolhimento obrigatório pode ajudar-te a um descanso também obrigatório, no caso de não haver problemas de saúde e isso ser positivo. Mas não teres perspectivas de quando ou de que forma vais concretizar os teus projectos, torna se muito inquietante a partir de determinada altura. Reorganizar, sim. Acho que todos tivemos de o fazer. Mas para tirar projectos da gaveta não é necessário estar em casa.

Como encaraste e encaras os concertos em streaming? São de alguma forma um motor para se manter uma certa actividade, te sentires activo?
(SN):
Fui contra a generalização dos concertos de streaming. A maioria das pessoas desta área fica de fora, o que é uma percepção que devia estar presente em quem vê algo. Um espectáculo, na minha perspectiva, não é uma pessoa ou duas, ou mesmo muitas, a serem filmadas sem grandes critérios de produção, na maioria dos casos. O que um artista mostra é mágico e mesmo sendo possível por vezes, assim, pode ficar muito aquém do que tem para dar. Só a minha opinião.

Estás a desenvolver músicas ou produções para a nova temporada pós-confinamento que se avizinha? Se sim, podes levantar a ponta do véu?
(SG):
Acho que estou sempre a desenvolver projectos e sempre em parceria. Estou muito contente com o que vislumbro para o mais recente… mas nada a revelar, por agora, mas está quase!…

Como se organiza uma agenda com tantas incertezas e reagendamentos constantes? É exequível programar ensaios, concertos e tours a curto e longo prazo?
(SN):
Nada disto é possível neste momento, todas as estruturas que estão ligadas a este “metier” vivem numa grande incerteza e dificuldade.

Sentes que a paragem forçada da cena musical transformou o olhar do público e a mesma passou, finalmente, a ser mais olhada como profissão e não como hobby?
(SN):
Penso que sim. Existem dificuldades reais e toda a gente é sensível a isso. Este foi um dos sectores, como outros, a viver um grande abalo e estas realidades estarem mais no seio de discussão fazem com que saltem à vista muitos problemas não resolvidos, há muito. Toda a gente gosta de coisas resolvidas, daí a atenção das pessoas a este sector e perceberem que é mesmo uma área de trabalho especializado, como outro qualquer.

Produção. Criatividade. Palcos. Como é a tua rotina de músico e como vês o futuro do teu sector a partir destas três palavras?
(SN):
Estão interligadas. É como o corpo humano, o coração não bate se não respirares e não respiras se não comeres e por aí fora.

Quão desafiante se tornou este último ano no teu percurso enquanto músico? Como geriste a falta física dos teus pares, ao teu lado? O que mais mudou na tua perspectiva sobre o teu trabalho?
(SN):
Muito desafiante, como nunca o foi. Sinto a falta das pessoas com quem trabalho e gosto de trabalhar, apesar de muito contacto não fisico. A perspectiva de poder continuar a fazê-lo da forma que o fazia e do que me ocupava, dava e criava, mas estamos com saúde e acreditar vale tudo! •

+ Sérgio Nascimento
© Fotografia: DR.

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