Macarena Recuerda Shepherd é a forma, também, como Lidia Zollo se apresenta ao mundo enquanto “artista escénica”, na ocasião em que a vi no Antic Teatre, em Setembro passado, através da “The Watching Machine”.
Macarena Recuerda Shepherd insiste, com “The Watching Machine”, em nos fazer mergulhar nas escuras entranhas de onde emanam a luz e o som com que se chega, tanto ao mundo, como à canção; por isso, o seu fascínio pelas máquinas ilusionistas convida-nos a recuar no tempo, sim, mas para dar dois passos, hoje, ao lado. Estamos dentro da caixa em “The Watching Machine”, onde se vão criando, em sucessão até 8 (eu contei 8), propostas diversas de ilusão, sim, mas é verdade que utilizando objectos, coisas, simbolicamente denso/as e que nos, penso, exigem pensar a actualidade. Existe, sem dúvida, uma variável lúdica nesta proposta de Macarena Recuerda Shepherd, assistida por um humor irresistível, o responsável por nos fazer sorrir, primeiro, mas depois rir com vontade, entregando-nos à experiência deliciosa de ver como vai utilizando(-se), tanto a voz, como o movimento. Aliás, no dia em que assisti a “The Watching Machine” havia uma criança na sala, e ainda ouço o seu riso inconfundível, tanto que inicialmente não a tinha visto, apercebendo-me da sua presença pela forma como se manifestou durante a peça. Mas também é verdade que, em determinado momento, o seu riso contagiante parou, e vi um dos adultos que a acompanhava abraçá-la, ou seja, aconchegá-la, sem dúvida para que não tivesse medo.
Macarena Recuerda Shepherd brinca, sem dúvida, com objectos, coisas, que são também ícones da actualidade, responsáveis por algumas disforias sociais bem precisas: o excesso de ego, a ausência de musicalidade, a anestesia dos sentidos, a animalidade recalcada, a raiva latente, o narcisismo desdobrado, a fuga da Terra, a nova religião comandada pelo cérebro; e tudo feito com uma precisão minuciosa, infra-minimal, se é que me faço entender, com uma delicadeza e com uma cerimónia de natureza oriental, como quem se senta a beber o seu chá e olha enternecida o fundo da chávena para ver uma figura que se revela. É claro que podemos, e devemos, fazer aqui alusão a Georges Méliès, mas passaram-se 100 anos: além de não ser possível recuperar como colectivo o espanto desses primórdios, hoje enxerta-se nesse intervalo de tempo um inconsciente visual que cavalga o mundo a uma velocidade muito pouco compatível com a “viagem na lua” que o mágico do cinema francês propôs no alvor do século XX.
Mas “The Watching Machine” é, apesar da impossibilidade de um regresso ao alvor do século XX, uma proposta cheia de esperança, que precisamente insiste na delicadeza e no ritual, ou seja, mostrando-nos como podemos tirar partido positivo de todos os símbolos que se apresentam como adversos, ou que estão apropriados por forças adversas, acentuando, então, como a arte nos dá dignidade e maneiras de subjectivação. Gostava tanto de saber as razões pelas quais aquela criança deixou de rir e teve medo, mas lembro-me, muito bem, do momento em que tal aconteceu: foi quando Macarena Recuerda Shepherd começou a altear os suportes dos microfones e os ia dispondo de forma a criarem um ambiente reflector que simulava a permanência numa estância espacial, acompanhando os seus movimentos extremamente lentos com uma música que tinha tanto de expectante, como de inquietante…
Por tudo quanto vos expus, “The Watching Machine”, de Macarena Recuerda Shepherd, é simplesmente … mágica!