“Sobre a cidade” … Marc Chagall

É de 1918 esta proposta de flutuação apresentada por Marc Chagall, semelhante em simbolismo a outras que nos deixou: um par, um céu, uma cidade, um mundo, uma história.

O começo de um livro é precioso, tal como no-los diz Maria Gabriela Llansol, porque mantém algo próximo a um tecido, bem como uma vibração que se propaga; ora, o começo de um quadro também é precioso. Mas por onde se começa um quadro, não é? Podem existir algumas regras de análise da imagem, mas, de facto, o elemento visual tem outra existência perante a nossa percepção, dando-se quase imediatamente. Então, parece-me importante estar com atenção perante os caminhos que o quadro nos faz percorrer, para os quais nos faz sair do próprio quadro. O que é muito engraçado, não é? Porque um enquadramento, que está também relacionado com o facto “quadro”, é isso mesmo: uma delimitação, uma circunscrição, uma estabilização de algo. É aqui que José Gil pode ajudar-nos, quando insiste que os elementos do quadro saem e vêm conviver connosco, o que aliás pouco, ou nada mesmo, tem sido contemplado na nossa civilização: seja na história da arte, seja na crítica, seja nos estudos culturais. Penso que as razões que sustentam tal incapacidade para “ver” que os elementos do quadro saem e vêm conviver connosco, se relacionam essencialmente com uma tendência que se generalizou no sentido de totalizar a experiência. Explico-me. É muito difícil flutuar sempre, sem concretos que estabeleçam, ou validem, o que podem até ser consideradas alucinações, quando são afinal, com a maior probabilidade, polpa de imaginação. É então aqui que vemos as crianças na escola, antes primária, agora chamada primeiro ciclo, a desenhar céus roxos e árvores vermelhas, e as senhoras ou os senhores professoras/es, algumas/alguns, a virem dizer-lhes: olha lá, então o céu não é azul e as árvores não são castanhas? 

Quando olho “Sobre a cidade”, de Marc Chagall, é óbvio que o par que flutua pelos céus está prestes a sair do quadro e a seguir a sua viagem: se se senta comigo, se dança em torno de mim, e de vós, se faz outra coisa, bom, tratar-se-á aqui sem dúvida de uma incógnita, mas não podemos colocar em causa o seu trânsito. A construção de mundo exige delimitação, circunscrição, estabilização: sim; mas também reclama flutuação e vertigem …………………………………………………………………

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