Todos os meninos, todos, sem excepção, o são de sua mãe, mais tarde ou mais cedo.
No ano de 2008 realizou-se em Lisboa um/o Congresso Feminista, que se concentrou essencialmente na Fundação Calouste Gulbenkian, mas possuiu ramificações, uma delas decorrida no auditório da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, onde marquei presença na assistência. A sessão em causa remeteu-se à questão das mulheres e da arte, ou: a criação no/pelo feminino. Lá, estava Clara Menéres, na fila imediatamente atrás daquela em que eu própria permanecia, quem a dada altura, aquando da discussão entre mesa e público, disse que: é preciso fazer a história das mulheres na arte portuguesa. E já se está a fazer, sim. Mas trata-se de uma história difícil, sempre, penso, com mágoas: mesmo que alguns homens se posicionem no sentido de a defender.
Clara Menéres foi/é uma escultora muito difícil, na minha visão: porque esculpiu essencialmente para os homens numa considerável parte da sua caminhada. Ou seja, não criou em face de uma imanência transcendental, digamos assim, mas sempre em abertura perante um potencial olhar masculino. Além disso, expressou-se valendo-se de diversas matérias, pelo que a obra total parece, se lhe lançarmos uma vista sequencial perante as imagens todas alinhadas no mesmo plano, multiforme e até incoerente. E aqui está uma diferença tendencial que tenho intuído: os homens concentram-se; as mulheres dispersam-se. Os homens concentram-se: seja num material, numa forma, numa prática, num estilo. As mulheres dispersam-se: agarram no que melhor encorpar o que pretendem transmitir. Tendencialmente, claro: que não permaneçam aqui equívocos. Assim, se Clara Menéres esculpia providenciando uma narratividade para o feminino, o seu alvo eram, sem dúvida, os homens. A questão que se coloca é outra, porém: estarão eles disponíveis para serem machadados no interior? Porque se se dotam as mulheres de discurso configurativo de nova posição existencial, não podemos esquecer que uma palavra, e uma obra de arte, são dirigidas: a quem se dirigem, portanto, as mulheres? Aos homens. Pelo que costumo afirmar que às bocas perdidas das mulheres, a quem retiraram por tão longo tempo a possibilidade de falar, equivalem, claro, os ouvidos esquecidos dos homens: umas não falam, outros não ouvem. Ou: umas não falam porque outros não ouvem.
Quando Jean-Jacques Rousseau, o pai do bom-selvagem e da nossa agonizante época, regista em Emílio a forma como as mulheres falam através dos olhos, da tez, do rubor generalizado, ao invés de palavras que pronunciem, apenas podemos concluir que, por analogia, os homens utilizam o olfacto, logo, estamos no domínio das fêmeas e dos machos. E foi assim, exactamente, que se abriu parte da Época Contemporânea: com fêmeas/senhoras; com machos disfarçados. Por exemplo: diz-se que às mulheres consentiu-se unicamente o corpo (como, aliás, vem então de Rousseau), e que os homens são o espírito; mas não é assim. Porque os homens são o grande corpo, social; apenas estão, pela dispersão das mulheres, a salvo de serem confrontados com o seu próprio corpo, com a vergonha da verdade desamparada do seu corpo irredutível, a salvo de serem só olhos, só boca, só pés, só falo. A acção de Antonin Artaud, por exemplo, vem contra este corpo social securitário. A escultora Clara Menéres teve total consciência desta herança e, numa zona considerável da sua obra, sempre isolou os seus símbolos que rodeava com uma auréola de fogo, atribuindo sentido a uma construção litúrgica que inscreve o real.
Sem dúvida que a energia feminina foi historicamente soporizada. Todavia, ainda que possam agora muito bem dizer que as mulheres não precisam do beijo do Príncipe para abrirem a pestana, a verdade é um tudo ou nada mais complexa.