A fotografia expandiu-se de forma abismal e ser-se educado através de imagens, hoje, é diferente de ter assistido aos primórdios da captação de realidade através da máquina fotográfica.
A fotografia capta, muito bem, o inconsciente. Estarão as mulheres realmente preparadas, como tarefa e desafio civilizacional, para lidarem com o inconsciente? Parte do caminho de construção da história que nos cabe viver como actualidade foi feita com os olhos abertos, mas outra parte aconteceu de olhos fechados. Quem dormiu? Deu-se a maçã envenenada a Cinderela, sim, que venceu a outra dada por Eva a Adão, já que ao pecado se sobrepôs, julgo, uma magnífica deposição do feminino. Hoje, deserta-se do essencialismo, mas pergunto: esgravatando os séculos, e mergulhando profundamente através de todas as épocas, o que pensamos realmente encontrar no fim? A origem? Jorge Molder propicia-nos um labirinto de imagens em que a referencialidade se atém a si, não próprio: é ele, mas não é ele, próprio. É ele, mas não é uma história biográfica. E este é um jogo que me interessa muito, não para percorrer em torno de referencialidade hermeticamente fechada, circular, mas antes para criar distância, de si a si.
As mulheres deviam entender que lhes cabe defender a diferença, e não estar tão preocupadas com números, e estatísticas, e contagens. No plano da arte muitas, muitas coisas podem acontecer. No plano do corpo existem outras condições. Estes planos são distintos e não devem ser baralhados. Estarão as mulheres preparadas para lidarem com os fantasmas de um essencialismo que repudiam como ao veneno que matou Sócrates? Quer dizer: por um lado andamos a desentranhar as mulheres esquecidas por uma História que se diz patriarcal, misógina, colonialista, e outras coisas, mas depois: já não existem mulheres, nem homens, claro. Porque existirem mulheres e homens se radica num essencialismo, natural: inadmissível. As mulheres são o que são, mais a sombra restante, porque ninguém se vê integralmente de direito. E todo o universo de Jorge Molder potencia espectros. As mulheres não são transparentes porque os homens as tornaram opacas?
Olhar o passado e distender o futuro. As mulheres deviam ter uma ampulheta dirigida ao futuro. Não me refiro a placidez: uma mulher pode ser brava na defesa, e no ataque também. Refiro-me a um desafio civilizacional inequívoco, sem cobiça. Um desafio semelhante àquele que Jorge Molder desenvolve nas suas fotografias a branco e preto, em que a referencialidade se atém a si, não próprias: são elas, mas não são elas, próprias. Para lá da biografia, sem um lugar ao Sol que é sempre, como o afirmou Pascal e o repetiu, citando, Emmanuel Levinas: o começo da usurpação da Terra inteira.