Um generoso legado duriense chamado Vieira de Sousa

As vinhas, a produção e a venda de Vinho do Porto a outras casas acompanham a passagem do tempo até 2008. Eis o ano da viragem desta família, do consecutivo uso do verbo arriscar, do engarrafamento do fortificado, do início da produção do DOC Douro e do somatório de conquistas fora e dentro de portas.

Após o término do curso, Luísa Vieira da Silva regressou à mais antiga região demarcada do mundo, criou a marca, engarrafou os Vinhos do Porto da família e avançou com a produção de DOC Douro


O início desta história reporta-nos ao século XIX, num paralelismo indissociável ao Vinho do Porto, com José Silvério Vieira de Sousa a criar a própria marca e a comercializar o seu Vinho do Porto. Face à drástica destruição das plantas, provocada pela filoxera, a marca é vendida pelo filho José Ermelindo. Com o dinheiro, manda erguer os muros de xisto da Quinta do Fojo Velho, no Pinhão, replanta todas as vinhas e aposta na produção, no envelhecimento e na venda do vinho generoso. Este negócio é preservado ao longo do tempo e continuado por António Vieira de Sousa Borges, até quase ao final da primeira década do século XXI.

No ano de 2008, Luísa Vieira de Sousa, filha de António Vieira de Sousa Borges e um dos rostos da quinta geração desta família, decide regressar às origens. Licenciada em Viticultura e Enologia, pelo Instituto Superior de Agronomia, de Lisboa, decide, com o apoio da mãe, Maria de Lurdes Fialho, criar a empresa Vieira de Sousa e engarrafar o Vinho do Porto, património guardado nas caves das propriedades da família, até então vendido a outros nomes bem conhecidos no universo deste vinho generoso. Estava traçado o novo rumo desta casa duriense. 

O acervo de Vinho do Porto abrange “desde Vintages aos velhos, Tawnies e LBVs”, afirma a enóloga, responsável pela parte de enologia. Esta panóplia vínica deve-se aos seus antecessores e a seu pai. Ao longo de dois séculos, estes homens acumularam experiência na feitura de tão generoso vinho, feito a partir das suas próprias uvas. 

Hoje, a vinha e a adega estão nas mãos de Luísa Vieira de Sousa, que está aprimorar a sua aptidão na tanoaria. O apoio na feitura do Vinho do Porto é dado pelo enólogo Pedro Sá, entendido na matéria de produção de fortificados. O departamento de marketing e vendas da família está nas mãos de irmã, Maria Eduarda Vieira de Sousa.

Tudo é feito no coração do Douro, mais concretamente no Cima Corgo. É nesta sub-região duriense que permanecem as quatro propriedades da Vieira da Sousa. Juntas, somam 70 hectares de vinha. 

São elas a Quinta da Água Alta, situada entre a Régua e o Pinhão, cuja área abrange a Quinta do Bom Dia, situada no ponto mais alto, e a Quinta do Espinhal, na cota mais baixa, onde ficam as caves, onde o vinho fortificado da família repousa calmamente. A Quinta da Fonte, na aldeia de Celeirós do Douro, é outra das propriedades que preserva vetustos lagares de granito, desta feita, no piso debaixo da casa de família. Há ainda a capela, datada de 1710 e mandada construir em honra de S. Francisco de Assis, e as variedades de uva branca típicas da região. A Quinta do Fojo Velho, no Pinhão, integra o portefólio dos imóveis desta empresa familiar, assim como a Quinta do Roncão Pequeno, localizada no Vale do Roncão, junto ao Rio Douro.

Mais recente, é o centro de vinificação. Construído em 2010, na zona industrial de Sabrosa, dá resposta à produção vínica desta família.


A elegância evidencia-se no copo

Alice Vieira de Sousa é o nome atribuído a este vinho em homenagem à tia-avó de Luísa e Maria Eduarda


Falemos, primeiro, dos vinhos tranquilos do Douro, com a chancela da Vieira de Sousa, cuja produção começa em 2011. Neste contexto, inicie-se a viagem com a homenagem a Alice Vieira de Sousa. Docente de profissão, a tia-avó das duas irmãs, deixou esta quinta a António Vieira de Sousa Borges. Nela, são vindimadas as uvas que fazem parte da composição de Alice Vieira de Sousa branco, cujo rótulo representa a forma absoluta da perfeição no que ao desenho de uma letra diz respeito. No Alice Vieira de Sousa Reserva tinto 2020 (€7,80) entram castas tintas tradicionais do Douro, maioritariamente Tinta Roriz e Touriga Franca, colhidas em vinhas, com mais de quatro décadas, da família.

Disponível em apenas 2000 garrafas, Vieira de Sousa Rufete 2020 (€25) é um dos vinhos que mais se destacou nesta prova. A própria casta tinta, muito comum na Beira Interior, é um desafio para Luísa Vieira de Sousa, que a quis incluir no seu portefólio de variedades de uva, desta feita, na Quinta do Roncão Pequeno. Ao contrário do que tradicionalmente se faz numa vinha duriense, a enóloga optou por plantar, em 2016, esta e a Tinta Francisca, em talhões separados e numa cota mais baixa. O processo de vinificação inclui a presença de engaço, a fermentação espontânea, a extracção reduzida e em madeira a granel. “Foi engarrafado nesta altura e está pronto a beber.” 

A apresentação dos vinhos decorreu no Hotel Quinta do Paço, em Vila Real


As uvas brancas Rabigato e Viosinho, vindimadas a 500 metros de altitude, na Quinta da Fonte, são canalizadas para um outro vinho também disponível em 2000 garrafas: Vieira de Sousa Reserva branco 2019 (€15). “É uma zona fresca e bastante arejada”, informa a enóloga, referindo-se à localização da propriedade. Apesar da fermentação e do estágio ocorrerem em barrica, e de ser submetido a bâttonage, essa frescura é notória neste branco seco e de acidez equilibrada, atributos que fazem companhia com um prato de bacalhau de confecção mais elaborada, por exemplo.

Vieira de Sousa Reserva tinto 2020 (€15) é outro dos vinhos que entra, agora, no mercado. Esta colheita está disponível em aproximadamente 7000 garrafas e as uvas “são sempre da mesma vinha”, de três hectares, da Quinta da Agualva, virada a Nascente e predominada pela Touriga Francesa, considerada “uma grande casta”, para a enóloga da casa. “São cerca de 90 por cento. Os restantes dez por cento é de uma Touriga Nacional que está no meio da vinha de Touriga Francesa”, explica Luísa Vieira de Sousa. “De ano para ano, tem um perfil diferente”, conclusão a que se acrescenta o notório potencial de guarda em garrafa.


A tradição perpetua-se no tempo


A produção de Vinho do Porto faz parte da tradição familiar. “A decisão de engarrafar, em plena crise, foi uma experiência arriscada”, adianta Luísa Vieira de Sousa. Por isso, a aposta conduziu as vendas para fora de Portugal, isto é, 70 por cento da produção era canalizada além fronteiras. “Sendo uma marca nova, correu bastante bem.” Actualmente, o generoso desta família tem como destino a Dinamarca, os Países Baixos, Bélgica, além de que é acompanhado pelo DOC Douro para os Estados Unidos e Canadá.

Vieira de Sousa Porto 20 Anos (€49) foi o vinho da noite. Feito a partir de uvas vindimadas em vinhas com mais de 60 anos, as quais compõem lotes de vários tonéis, que repousam no Douro, este Porto Tawny revela uma cor dourada. “Os nossos Tawnies têm entre 20 a 30 anos. São mais secos, mais delicados e concentrados”. O final de boca longo e a persistência conferem a sua graciosidade. Está pronto a consumir.

No Vieira de Sousa Porto LBV 2017 (€21) também foram utilizadas variedades de uva tipicamente durienses, mas de cepas com mais de 30 anos. “É vinificado em lagares com pisa [a pé], tal com se fosse um Vintage”, esclarece Luísa Vieira de Sousa e é submetido a um estágio mais prolongado. É de guardar.

Estas e outras referências de Vinho do Porto e DOC Douro, da casa Vieira de Sousa, estão disponíveis para prova no espaço de enoturismo, contíguo à loja, instalado numa adega centenária recuperada, localizada na Rua Vale do Corgo, em Peso da Régua. A degustação vínica pode ser feita no interior, onde os antigos lagares e pipas fazem parte da decoração, ou ao ar livre, com vista para o Rio Corgo. Esta casa está aberta de quinta-feira a Sábado, das 10h00 às 18h30, mas carece de reserva através do 917 845 98. Para o Verão, as portas abrir-se-ão de terça-feira a Domingo e prevê-se também a opção de produtos regionais nas provas.

Brindemos!


+ Vieira de Sousa
© Fotografia: João Pedro Rato

Legenda da imagem de entrada: (de baixo para cima) As irmãs Luísa Vieira de Sousa, enóloga dos vinhos da família, e Maria Eduarda Vieira de Sousa, responsável pelo departamento de marketing e vendas da Vieira de Sousa

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