“La Huida” / 1961

Remedios Varo, uma e outra vez, porque pintou maravilhosamente e diz-nos, tão claramente, que: pinta-se, escreve-se, para – fugir. Por tal, hoje é diferente.

Assim, as pontes
Cinco ou seis
Passámos duas, ou três
Andámos 15 kms
 
Espreitar as sombras
Embalar o menino
Escolher os brincos
E as gravatas
E as luvas
E os colares
E os cachecóis
E os postais
E os caminhos
 
Inchar o tempo
Com as fotografias
A colecção está no
Coração
O coração está
Negro
 
Que quer que
Quando que
Qualquer que
Quer
 
Que quer que
Quando que
Qualquer que
Quer
Que querendo
Que quer
Qualquer que
Quando
 
Buuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu
Buuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu
 
Tanto vento
Tanto quanto
Tanto que
Qualquer que
Quando?
 

Quando após a tarde
Engole a estrada
De viés
Só mostra meia-lua
 
As pedras amontoam-se
O fim é longe
Metade desaparece
Metade é nua
 
Fractura do corpo
Ferida do ser
Metade aparece
Metade é morrer
 
As árvores ladeiam
O fim mostra
Mais ou menos
O que vai acontecer
 
Um alto redondo
Empinado
Uma pedra suave
Encosto da dorzita
 
Só queria descansar
Só descansar
E alguém viu
Alguém estava a ver
 
Nunca olhava mesmo
Era para dentro
De um fora
Que não morava ali
 
Mesmo quando olhava
Era para um tempo
Era sempre para tempo
De uma hora que o relógio não mostra
 
Uma noite
Diferente do dia
Nocturnos andamentos
Que o dia amaina

De noite é fogo
De dia esfinge
E finge
Ser de fogo
 
Apaga-se
Apaga-se fundo
E só pretende
O dia claro
Claro como a noite
Com que se confunde
 
Encontrá-lo
De dia
Numa ponte
Prestes a morrer

Devia saber-se que a tristeza e a alegria são para levar até ao fim.

© Imagem de entrada: Remedios Varo, La Huida (1961), DR.

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