Exposição do famoso fotógrafo de moda Helmut Newton está patente até 1 de maio de 2024, no porto da Corunha, sendo a terceira grande mostra promovida pela Fundação Marta Ortega Pérez.
A Corunha, na Galiza, torna-se mais uma vez o epicentro da fotografia de moda a nível mundial, desta feita com uma grande exposição que convida a percorrer o mundo do provocador Helmut Newton.
Patente ao público no Muelle de Batería, em pleno porto da Corunha, até 1 de maio de 2024, a mostra “Helmut Newton – Fact & Fiction” centra-se na vida e obra do lendário fotógrafo germano-australiano, desde os icónicos nus em grande formato, passando por retratos de personalidades ilustres, até fotografias menos conhecidas de paisagens.
Depois de Peter Lindbergh e Steven Meisel, esta é a terceira exposição promovida pela Fundação Marta Ortega Pérez (Fundação MOP), presidente da Inditex, que agora se uniu à Fundação Helmut Newton, com sede em Berlim, para levar os visitantes até às seis décadas de carreira do tão famoso quanto controverso fotógrafo.
O espaço portuário, a dois passos do centro histórico da cosmopolita cidade galega, transformou-se segundo o traço do gabinete da arquiteta Elsa Urquijo. Os prateados que, no ano passado, anunciavam a mostra inédita de Steven Meisel, dão lugar a linhas estilizadas para convidar a entrar na estética de Helmut Newton.
Num tributo a um homem marcado por diferentes geografias, a visita começa no Silo, um edifício que nos anos anteriores serviu apenas como cafetaria e loja de recordações. Ali estão Polaroides tiradas por Helmut Newton como «trabalho preparatório» para avaliar aspetos como a composição ou a luz, permitindo o primeiro contacto com a forma meticulosa como trabalhava.
A descrição da exposição é feita pelo vice-presidente da Fundação Helmut Newton, Philippe Garner, e pelo diretor da instituição, Matthias Harder, que são comissários da mostra, juntamente com o galerista Tim Jefferies. Numa apresentação à comunicação social, convidada pela Fundação MOP para ir à Corunha, Philippe Garner explicou que a exposição foi concebida como «uma série de experiências» que prometem surpreender as pessoas.
Apesar de Helmut Newton nunca ter trabalhado na Corunha, os comissários consideram que «teria ficado encantado com os silos e armazéns reabilitados neste espaço expositivo, o ambiente portuário e a arquitetura especial desta cidade».
Depois das Polaroides, segue-se, já no edifício de exposições, um espaço com vídeos sobre a vida e obra do fotógrafo, que mostram Newton a trabalhar e a conversar, bem como diversos testemunhos sobre o seu percurso. «Trazer Helmut Newton para mais próximo do público» foi o objetivo deste trabalho, explicou Matthias Harder.
Continua-se para uma sala que recebe os visitantes com a imagem de uma mulher de costas, num sofá, com meias de liga pretas, imagem que se tinha visto no conjunto de Polaroides (Villa D’Este, Réalités, Lake Como, Italy, 1975, diz a legenda). Está dado o mote para o percurso pela obra de um fotógrafo que não deixou ninguém indiferente, desde os elogios à genialidade da sua inovadora linguagem estética no mundo da moda, até críticas à sexualização do corpo feminino.
É nesta sala que se fica a conhecer um pouco mais sobre a história do fotógrafo, através dos seus objetos, designadamente máquinas, bonecas Barbie e uma mala de viagem da Louis Vuitton com as suas iniciais, recortes de imprensa e cartazes de exposições.
Nascido em 1920, em Berlim, no seio de uma próspera família judia, Helmut Neustädter deu os primeiros passos no mundo da fotografia na sua cidade-natal, com Yva (Elsie Ernestine Neuländer-Simon), especializada em retratos, moda e nus. Com a ascensão do nazismo, deixou Berlim rumo a Trieste e depois Singapura, onde experimentou ser repórter fotográfico. Acabou por se fixar em Melbourne, na Austrália, com o nome Helmut Newton, onde conheceu June Browne, a sua companheira de vida, que também viria a ser fotógrafa, assinando com o nome Alice Springs. O ponto de viragem foi a mudança para Paris, em 1961. «Newton tornou-se Newton em Paris», afirma Matthias Harder.
É este universo de imagens que se descobre, com os olhos a acostumarem-se à escuridão do espaço, onde as fotografias são as protagonistas da iluminação. Os comissários usam as imagens para falar do homem que as tirou, com Philippe Garner a parar junto a uma foto captada na rua Aubriot (na qual Newton e June viveram), em Paris, em 1975, para a Vogue francesa. No meio da rua deserta, uma mulher enverga um fato Yves Saint Laurent, com um penteado igualmente masculino, segurando um cigarro na mão.
O fotógrafo utilizou a iluminação da rua, pois gostava de «usar a luz que havia». Amigo de Helmut Newton, o comissário destaca «a ambiguidade e ambivalência desta foto», considerando que é um «exemplo perfeito da forma como jogava com os contrastes e as contradições», sendo notória uma «tensão entre o que é factual e ficcional».
«Helmut gostava de jogar com as contradições. O seu mundo pictórico era composto por artifícios meticulosamente construídos, mas com a insistente imediatez e a convincente persuasão que ele tão habilmente obtinha desse meio neutro e assético que é a fotografia», afirma, considerando que a «chave do talento inigualável de Helmut reside precisamente na capacidade de equilibrar a ambivalência e a tensão entre realidade e ficção».
Explicando as fontes de inspiração do autor, os comissários apontam o cinema, sendo disso exemplo a fotografia que apresenta uma modelo a fugir de uma avioneta, obra para a Vogue britânica, em 1967, inspirada na célebre cena do filme “North by Northwest”, de Alfred Hitchcock, com Cary Grant.
Também a pintura servia para despertar a criatividade do fotógrafo, com recriações de obras como “La venus del espejo” e “Las Meninas”, de Diego Velázquez, ou “La maja desnuda”, de Francisco de Goya.
Foi precisamente o aguçado espírito de observação que esteve na origem dos “Grandes Nus”. Em frente às imagens de grande formato de cinco mulheres nuas, Philippe Garner conta que Helmut Newton viu na comunicação social que os polícias que perseguiam o grupo terrorista Baader-Meinhof tinham fotografias dos suspeitos em tamanho real. Foi a partir daí que surgiu um editorial para a Vogue francesa, em 1981, que depois acabaria por se transformar numa exposição, alargando a sua audiência para além das revistas.
Prolífico criador, as suas fotos figuraram em publicações como Vogue, Elle, Marie Claire, Stern, Queen ou Nova, sendo nestas páginas que o seu nome se consolidou pela linguagem visual considerada «audaz, poderosa e sem complexos». O vice-presidente da fundação germânica conta que Newton se descrevia a si próprio como «a gun for hire», um pistoleiro a soldo, que disparava a máquina fotográfica para quem lhe pagasse.
Em frente a um grande plano da cara de Jerry Hall a segurar um naco de carne, refere que fazia parte da sua natureza provocar, desafiar e ultrapassar os limites, sendo que ao longo da carreira sempre encontrou editores dispostos a publicar as suas ideias ousadas.
Philippe Garner recorda que Helmut Newton teve um ataque cardíaco em 1971, em Nova Iorque, que o abalou profundamente. Este foi «um ponto de viragem na sua carreira», que o levou a ganhar coragem para ir mais fundo na exploração da imaginação.
Entre a sua obra, destaque também para os retratos de figuras como Andy Warhol, David Bowie, Margaret Thatcher, Elsa Peretti, Daryl Hannah, Jerry Hall, Naomi Campbell, Yves Saint Laurent ou Karl Lagerfeld.
É junto à fotografia de Charlotte Rampling, vestida com um casaco de peles, numa pose sensual, que Garner conta que a atriz diz que Helmut Newton trouxe ao de cima algo que ela não sabia ter.
Já à beira da imagem de Margaret Thatcher, retratada na Califórnia, em 1991, confidencia que foi junto a este retrato que o fotógrafo cumprimentou a rainha de Inglaterra, outra mulher forte e poderosa.
Para além das fotografias de moda, a exposição inclui exemplos de “paisagens” menos conhecidas de Newton: imagens evocativas dos lugares que influenciaram a sua obra, como Paris, Los Angeles, Monte Carlo, Berlim, Viena e Las Vegas. O fotógrafo gostava do céu de Berlim, da luz do Mediterrâneo e do mar que lhe lembrava os lagos onde nadava na infância. «Decidimos apresentar estas fotos para surpreender os visitantes. Ele era um fotógrafo de moda, mas era muito mais do que isso», declara Matthias Harder.
É o diretor e curador da Fundação Helmut Newton que encerra o périplo pelas fotografias, destacando aquela que considera ser uma das mais icónicas do autor: um autorretrato de 1981, em que Helmut Newton, envergando uma gabardine, fotografa uma modelo nua refletida num espelho, com June ao lado, sentada numa cadeira, à espera dele para irem almoçar. Na sua opinião, esta fotografia para um editorial sobre uma gabardine masculina reúne todos os aspetos do seu trabalho.
Sobre este autor, Marta Ortega Pérez escreveu que «Helmut Newton faz parte daquele grupo celestial de fotógrafos cujas imagens são instantaneamente reconhecíveis como suas. O grande ato revolucionário de Newton foi mudar completamente a forma como as mulheres eram retratadas nas páginas das revistas sofisticadas. Ali estavam mulheres que gostavam de estilo e de moda, que gostavam do poder e do esplendor dos seus corpos, mulheres que eram elegantemente sedutoras e intocáveis. As suas fotografias não eram apenas do seu tempo, mas muito à frente do seu tempo – ele preparou espetacularmente o cenário para os fotógrafos que se seguiram».
«Poder trabalhar com fotógrafos cuja produção fotográfica admiro há muito tempo é um grande privilégio. Faço-o não apenas com a ambição de enriquecer a vida cultural da Corunha, mas também na esperança de que as futuras gerações de criadores de imagens encontrem a sua própria inspiração no trabalho destes notáveis fotógrafos», acrescenta.
Mantendo a dimensão de evento social internacional das edições anteriores, a abertura da exposição incluiu, a 15 de novembro, a apresentação às autoridades locais e um jantar com assinatura do chefe com duas estrelas Michelin Javier Olleros (Culler de Pau, O Grove), para convidados como Charlotte Rampling, Paweł Pawlikowski, Małgosia Bela, Karen Elson, Kristen McMenamy, Nikolai von Bismarck, Fabien Baron, Vincent Van Duysen, Simon Le Bon, Jon Kortajarena, Michel Gaubert, Alexandre de Betak, Carlyne Cerf de Dudzeele, Cedric Charbit ou Craig McDean.
Helmut Newton morreu em 2004, após sofrer um ataque cardíaco ao volante de um Cadillac, em Los Angeles. O seu legado pode ser visto de forma gratuita ou em visitas guiadas, que podem ser marcadas online por 5 euros (helmutnewton-coruna ). As verbas angariadas revertem para o programa “Future Stories”, que visa apoiar criadores no início das suas carreiras artísticas.