Liberdade, Família, Poesia. A superlativa raridade do Vinho do Porto do século XIX

Van Zellers & Co XIX The Rare Port Collection é o nome da edição única e limitada composta por três garrafas. Cada uma conta uma história irrepetível sobre os anos 1888, 1870 e 1850. Este trio de Tawnies muito antigo está aliado a duas casas portuguesas e à arte de saber-fazer.

Nome incontornável no universo do Vinho do Porto e indissociável à fundação dos Douro Boys, em 2003 – com Dirk Niepoort (Niepoort), Tomás Roquette (Quinta do Crasto), João Ferreira Álvares Ribeiro (Quinta do Vallado) e Xito Olazábal (Quinta do Vale Meão) –, Cristiano van Zeller, produtor e enólogo nascido no Porto, tem, desde 2007, a missão de perpetuar a secular Van Zellers & Co. A empresa, oficialmente fundada em 1780, pelos irmãos Pedro e Arnaldo van Zeller, vendida em meados do século XIX, regressando à família em 1937, graças à compra efectuada por Luís Vasconcelos Porto, bisavô de Cristiano van Zeller, que, em 2007, a recebe como presente.

Desta vez, o desafio suplantou o inimaginável. A três Tawnies comprados a uma família do Douro, decide fazer-lhes justiça e criar uma nova coleção com a chancela Van Zellers & Co. Chama-se Van Zellers & Co XIX The Rare Port Collection. É uma edição única e limitada constituída por três vinhos do Porto muito raros, feitos a partir de colheitas do século XIX – 1888, 1870 e 1860.

Após décadas de um estágio quase infinito, ei-los com aromas hipnóticos e notas de prova que remetem para uma complexidade e uma acidez marcantes, de final longo e uma persistência singular. Eis o resultado de um trabalho que denota a vontade “de fazer sem fazer igual ao que os outros fizeram”, sublinha Cristiano van Zeller, em relação aos quais assegura: “não há registos de quaisquer blends nestes vinhos.”

Vinhos únicos, peças exclusivas

O trio de Vinho do Porto, envelhecidos por mais de um século em cascos de madeira muito antigos, são engarrafados em recipientes inspirados “em garrafas-pote antigas usadas para o Vinho do Porto”, informa Cristiano van Zeller. As garrafas da Van Zellers & Co XIX The Rare Port Collection são elaboradas à mão, como manda a cartilha igualmente secular, da arte de saber-fazer vidro, por mãos de mestres da portuguesa Vista Alegre Atlantis, tendo, esta última nascido na vila de Alcobaça, em 1972, então com a designação de Crisal – Cristal de Alcobaça, e, em 2001, fundido com o grupo Vista Alegre e transposta para a Marinha Grande, a “Capital do Vidro” em Portugal. “Os decanters também são manuais. São de cristal da Atlantis e o modelo é baseado no primeiro decanter de vinho do Porto”, informa Francisca van Zeller, filha de Cristiano van Zeller e um dos rostos da 15.ª geração da Van Zellers & Co.

Cada garrafa da Van Zellers & Co XIX The Rare Port Collection ostenta uma gargantilha em prata, com uma chapa feita a partir do mesmo metal. Todo o processo é executado por quem trabalha nas oficinas da bicentenária Leitão & Irmão, casa de origem portuense, mas cujo nome actual é atribuído em 1866. Esta empresa familiar recebe o título de “Ourives Casa Imperial do Brasil” em 1872, sucendendo, cinco anos mais tarde, a abertura da loja no Chiado, em Lisboa, para benificar da proximidade da corte de Portugal.

Jorge Leitão representa a 6.ª geração da bicentenária Leitão e Irmão

O anfitrião da Leitão & Irmão mostra o passo a passo da concepção dos colares. Depois do desenho, é feito o protótipo e, por fim, a peça recortada e gravada manualmente, com a minúcia de um cirurgião, uma a uma, nesta casa de ourives, onde o título de mestre é atribuído após dez anos de trabalho. 

Há ainda os cálices em prata para o Vinho do Porto, para os quais “são precisos cinco dias até se chegar ao resultado final”, avança Jorge Leitão, rosto da 6.ª geração da Leitão e Irmão e que preserva o parentesco com Cristiano van Zeller por parte do sétimo avô comum a ambos, Arnaldo van Zeller, “que veio para Portugal no século XVIII. Teve 15 filhos, eu descendo do mais velho e o Jorge descende de um dos irmãos”, acrescenta o produtor.

Referências históricas e valores
Francisca e Cristiano van Zeller, filha e pai, são o rosto, respectivamente, da 15.ª e a 14.ª geração da família van Zeller

Para cada ano, a família van Zeller, a respeito da qual há que referir Joana van Zeller, mulher de Cristiano van Zeller, e os dois filhos Cristiano e João van Zeller, cria três conceitos: Liberdade, Família e Poesia. No fundo, “as três palavras têm significados que, para nós, são valores”, esclarece o produtor portuense, e a cada um é atribuída uma referência histórica. “Foi a liberdade que nos permitiu escolhê-los. Foi a família que nos permitiu cuidar deles. E é com poesia que agora os partilhamos”, explica Cristiano van Zeller. 

A escolha das referências históricas recai no ano de nascimento de Fernando Pessoa para a Poesia, em 1880; no casamento dos trisavós da actual geração proprietária da Van Zellers & Co, em 1870; e no ano em que Abraham Lincoln foi eleito 16º presidente dos Estados Unidos da América, em 1860. Conceito e respectivo ano estão gravados nas chapas correspondente a cada Vinho do Porto da Van Zellers & Co XIX The Rare Port Collection.

188, 1870 e 1860 são os anos dos vinhos do Porto da colecção Van Zellers & Co XIX The Rare Port Collection

A Van Zellers & Co XIX The Rare Port Collection é uma edição única e limitada a 75 colecções é apresentada numa caixa (€22.000), que, fechada, forma um cubo. No interior, forrado a veludo negro de produção nacional, estão as três garradas de Vinho do Porto dos anos 1888, 1870 e 1860. Cada compartimento tem dimensões diferentes, de acordo com o formato da garrafa, já que cada uma foi concebida manualmente, logo, também são peças únicas. A este trio é adicionado o referido decanter.

Uma das coleções foi doada à Gérard Basset Foundation, a principal fundação de caridade do mundo que trabalha em prol das oportunidades para as minorias. Para já, estão confirmados 23 compradores, dos quais os primeiros 15 são convidados para um jantar especial no Porto.

A arte e a ciência do Vinho do Porto 

A avaliação do Vinho do Porto carece de “regras básicas, mas os estilos, o que se faz e como se faz tem claramente uma dose de subjectividade, senão somos demasiadamente mecânicos”, declara Cristiano van Zeller. No mundo dos vinhos, esta conduta mecanizada não se coaduna com as empresas pequenas, “porque assim não se diferenciam uma das outras”. Porém, essa distinção existe com maior ênfase nos vinhos Douro DOC, enquanto no Vinho do Porto “existe de uma forma mais esbatida, porque o Vinho do Porto é mais rígido nos estilos, porque com 20 anos, o Vinho do Porto tem de ter características de um Vinho do Porto com 20 anos”

Cristiano van Zeller dá como exemplo o estilo de vinhos do Porto que produz. São “mais secos e os de idade são mais velhos do que a própria idade”, uma vez que a preferência recai no estilo antigo. “Isso tem a ver com a educação que tive na Quinta do Noval e dos aromas que me lembro, quando estava com o meu avô, Luís Vasconcelos Porto, porque as memórias são perenes”, expõe.

Desses tempos, fala sobre a ida aos armazéns da Quinta do Noval instalados no jardim de 2,5 hectares em Vila Nova de Gaia, onde hoje está a Biblioteca Municipal de Gaia. “Foi ele que criou os estilos de 10, 20, 30 e 40 nos anos 20 do século passado. Esse estilo, que perdurou durante muito tempo, foi modificado pela força das circunstâncias da viticultura no Douro – concentração em poucas castas, muito frutado, para fazer Porto Vintage e esse não é necessariamente o caminho para fazer um Tawny.”

Para não cair na tentação de fazer igual e evitar a produção em volume, Cristiano van Zeller opta por limitar a quantidade. “Do [Vinho do Porto Tawnie] de 10 anos só vendemos seis mil garrafas por ano; do de 20, fazemos três mil, do de 30, 1.500 e do de 40, 600 garrafas.” O objectivo é não fugir ao “estilo mais antigo e mais original”, além de que o acesso a stocks ao Vinho do Porto raro obriga ao exercício da racionalidade, que faz questão de implementar nas quantidades que faz e vende todos os anos. “Queremos criar valor para nós e para toda a cadeia e esta é a única maneira de conseguir ter valores fora dos preços médios”, remata Cristiano van Zeller.

Brindemos!


© Fotografia: D.R.

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