A intemporal criativade de Miguel Laffan sublima pela experiência à mesa

Miguel Laffan soma mais de 25 anos de um percurso traçado na cozinha. “Já viajei muito, já tive projetos Michelin, já tive projetos de frango, já tive marisqueiras, já tive cozinha portuguesa… já fiz de tudo um pouco”, afirma o chef que assina cada menu do Intemporal, restaurante que resulta da parceria com a Wellow Network, empresa mais conhecida na área dos recursos humanos e que, agora, se estreia no sector da restauração. O espaço está instalado na antiga Casa do Fiscal, um edifício do primeiro quartel do século XX de pequenas dimensões, localizado em Paço de Arcos, no concelho de Oeiras.

A recuperação do edifício revestido, no exterior, por azulejos em amarelo-torrado, também faz parte da introdução desta história, que está apenas no começo. O resultado é da autoria da arquiteta e designer de interiores Paula Arez. Desde o “balcão do chef”, com uma ocupação de quatro lugares, no piso térreo, aos andar de cima, onde estão disponíveis 12 lugares e a contemplação rasgada para o Tejo e, simultaneamente, o Atlântico, ou não estivesse o Intemporal de frente para o Bugio ou Forte de São Lourenço da Cabeça Seca, marco da divisão entre o rio e o mar.

No capítulo do prelúdio, cabe ainda o desenvolvimento da identidade visual, trabalhada pela Ivity Brand Corp, a criadora nacional de uma lista de marcas distintas, na qual consta a Intemporal. O nome, escolhido por Miguel Laffan, apresenta uma tipografia própria e abarca um conceito focado na filosofia do chef nascido em Cascais.

“Tenho duas escolas: a escola em que aprendi a ser cozinheiro e a escola em que aprendi a ser chef”, declara Miguel Laffan. A passagem por outros restaurantes, como Le Jardin des Remparts e Les Clous de La Villette, respectivamente, em Beune e Aix-en-Provence, França, ou o Fortaleza do Guincho, aquando da liderança do chef Antoine Westermann, em Cascais, enriqueceram o conhecimento, permitindo que assumisse o papel de chef aquando das passagem pelos restaurantes da Casa Velha do Palheiro e da Quinta da Casa Branca, duas unidades de cinco estrelas localizadas no Funchal, ilha da Madeira.

Para além da experiência de vida e do conhecimento do chef Miguel Laffan, o Intemporal reflete memórias de vários lugares, como a sopa da Praia Velha, de peixe e marisco, a gyosa, o arroz de carabineiro, o prato da lula ou a caldeirada. “O menu, que troco de três em três meses, permite-me ir buscar memórias, outros paladares, mas também o que eu quero fazer, porque não é só de memórias que vive o menu. Também serve para apresentar pratos que nunca fiz e que quero fazer. A forma como cozinho tem a muito a ver com as minhas experiências, mas também posso agarrar na minha experiência de cozinhar, para projetar ideias novas e fazer o que ainda não fiz”, esclarece o nosso anfitrião, para quem uma cozinha de autor tem de ter expressão. “O conceito é o próprio chef em si. A inspiração é o autor”, acrescenta.

É um projeto criado de raiz, desde a recuperação da ruína da Casa do Fiscal à escolha dos candeeiros instalados no teto do piso superior do edifício, passando pelo desenho da cozinha e da sala, da garrafeira e das peças de mobiliário. Sem esquecer os objetos decorativos, nem a seleção de flores, que embelezam e emprestam cor ao “balcão do chef” e a cada mesa da sala do piso superior.

De raiz também são “construídos” os menus de assinatura de Miguel Laffan para este “sítio tão especial”, nas palavras do chef, para quem o fine dining é o que aqui faz sentido, daí o “ticket médio-alto e, para ser alto, tem de ser especial. O meu cliente, o target daqui, acima de tudo, é portugueses viajados, na casa dos 50, 60 anos, e estrangeiros residentes na linha de Cascais”. 

“Intemporal tem a ver com a homenagem ao tempo, perceber o real valor do tempo. Tudo o que é bem feito leva tempo. Intemporal são coisas que são eternas”

A narrativa de Miguel Laffan é, acima de tudo, “criar uma experiência fantástica! O segundo foco está no produto que eu quero, dando preferência, obviamente, ao produto local e regional. Existe essa preocupação, mas acima de tudo, a minha responsabilidade é na qualidade e na experiência. Quero que este restaurante seja reconhecido como uma viagem gastronómica, que fique na memória, por prazer.” Eis uma das razões da escolha do nome: “Intemporal tem a ver com a homenagem ao tempo, perceber o real valor do tempo. Tudo o que é bem feito leva tempo. Intemporal são coisas que são eternas.”

Permanente e presente também está o trabalho da mãe de Miguel Laffan. “Tem 78 anos! Pedi-lhe para fazer 25 pratos por estação”, no pequeno atelier instalado em casa e munido de um forno próprio, para cozer as peças feitas à mão. É o caso do prato da lula, confecionada no ponto e acompanhada por tandoori, e do prato do bolinho de vapor, uma brandade de bacalhau que jamais se esquece.

Aqui os espargos servem perfeitamente para fechar o ciclo do peixe, sem que haja uma passagem direta para o prato de carne

Criar um prato leva muito tempo. Ou será que não? “Tecnicamente, há dez anos era o que mais me levava tempo. Hoje em dia, sou capaz de fazer um menu a conduzir. Com o tempo aprende-se a ser criativo”, explica Miguel Laffan. Conhece-se os produtos da estação e sabe-se qual o melhor local de origem, para estruturar o menu de degustação único, do Intemporal. 

Mas se o cliente for vegano ou vegetariano? “Troco até três pratos, quando há alguma intolerância. Não faço um menu vegano ou vegetariano, pela dimensão do espaço e da equipa. Já existem dois restaurantes [com estrela] Michelin vegetariano ou vegano. Gosto de comida vegetariana, mas não é esta a proposta daqui. Além disso, para fazer, tinha de fazer bem feito e teria de ter meia-dúzia de coisas congeladas”, o que não vai de encontro com a maneira de trabalhar do chef.

Ainda sobre a elaboração do menu, Miguel Laffan reforça o trabalho conjunto com António Simões, braço direito do chef. “Quanto às sobremesas, obviamente que posso vetar o que eu quiser, mas as sobremesas são totalmente da autoria da Letícia [Silva]. Vou-lhe dando dicas, mas tem autonomia total. Só poderia ser assim. Não faria sentido ter o António [Simões] a replicar simplesmente as minhas ideias. Faltaria expressão na cozinha. Aqui, há algo criado entre os dois, que é dele também”, sublinha. 

Para Miguel Laffan, “o tempo é muito precioso” e a “verdadeira estrela é e sempre será a Natureza”. Cozinhar “é uma questão de respeito e de homenagem e que cozinhamos efetivamente para os outros, é um ato de amor, de entrega”. Estas mensagens são dirigidas aos jovens chefs. Aliás, “tenho uns quantos por aí espalhados”, afirma o chef, para quem este novo espaço “é um restaurante de cozinha de autor, com menu de degustação, trocado de três em três meses, e com claro objetivo de ganhar a estrela. Para a equipa é maravilhoso! Fora isso, não existe um restaurante com estrela Michelin no município de Oeiras. Quando entrar, vai fazer história! Nada é por acaso.”

“Prelúdio” (três amores-bouche), “Passagem” (dois snacks), “Permanência” (momento do pão, do azeite e da manteiga), “Demora” (quatro pratos) e “Eternidade” (duas sobremesas) são as definições eleitas pelo chef Miguel Laffan, para definirem cada momento do menu do Intemporal, aqui em representação da primavera, a estação do ano em vigor. Com tempo, virá o alinhamento de pratos representativo do verão.

É ir! Bom apetite!

+ Restaurante Intemporal
© Fotografia: João Pedro Rato

Legenda da foto de entrada: Lula, tandoori, crème fraîche, hortelã, servido em peça feita à mão pela mãe de Miguel Laffan

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