Chef Miguel Bértolo: “As pessoas ainda não estão sensibilizadas para identificar os prazeres e o brilho do arroz”

A cidade do Porto recebeu, este ano, o Campeonato Europeu de Sushi 2025. O evento, que teve o apoio da Shiro, marca da Novarroz, reuniu os melhores mestres de sushi da Europa e consagrou a celebração da culinária japonesa. Este foi o pretexto para falar com quem já arrecadou o título de vice-campeão em duas competições, e fez parte da lista dos membros do comité de organização desta competição, ganha, pela primeira vez, por uma mulher. 

O gosto pela cozinha tradicional japonesa advém de “uma sequência natural de acontecimentos”, começa por contar Miguel Bértolo, formado em Artes Culinárias e especialista em gastronomia japonesa. Apesar de ser chef de cozinha, considera-se um cozinheiro, e, acima de tudo, um gestor, atividade que lhe permite flexibilidade profissional exercida através dos serviços de formação e consultoria na restauração. Mas o início desta aventura séria aconteceu há 21 anos.

Tudo começou em 2004, em Vila Nova de Mil Fontes, no Alentejo litoral. Como “essa experiência correu tão bem”, em 2005, abriu um bar noturno, em Alfama, um dos bairros pitorescos da cidade de Lisboa, e desenvolveu uma parceria com a Sushimoto, de Cascais. Seis meses depois, Miguel Bértolo decidiu criar e implementar um conceito da sua autoria baseado no cruzamento do sushi com chill out, dando origem ao Sushill Out.

A consolidação foi determinante para o chef Miguel Bértolo e a mulher, Ariana Bértolo, o braço-direito desta nova fase, aprofundarem conhecimento nas diferentes áreas da restauração. Paralelamente, com a passagem do tempo, a dedicação e o gosto pela gastronomia nipónica foi crescendo.

Face à alteração no panorama nacional registada no final da década de 2009, ambos mudaram o modelo de restauração, focado no sushi. Um ano depois, trocam Alfama por Benfica, nos arredores da cidade de Lisboa, onde continuaram a apostar no modelo recentemente posto em prática. O MBA em Cozinha Avançada, concluído em parceria entre a Universidade Lusófona e a Associação Cozinheiros Profissionais Portugueses (ACPP), abriu caminho para que o chef Miguel Bértolo passasse a docente e formador. O negócio prosperou, ao que o chef Miguel Bértolo avança com outro projeto próprio, o Chirashi Sushi e Ramen, em 2015.

Viagens ao Japão

A formação em Artes Plásticas, pela Sociedade de Belas Artes, em Lisboa, pesou na decisão de passar a viajar, com alguma rotina, para o Japão, a partir de 2016. O objetivo foi aprofundar conhecimento acerca da cozinha tradicional nipónica e obter certificações em cozinha tradicional japonesa ou washoku, e em sushi, no Tokyo College of Sushi & Washoku, onde, a partir de 2018, se tornou formador estrangeiro, “a desempenhar o papel de intermediário, no sentido de conhecer e identificar as cozinhas de fusão japonesa, as tendências alimentares associadas e a corrigir com as bases da cozinha japonesa, e passar isto aos alunos”. No currículo, acumula formações em cozinha molecular a cozinha japonesa de rua, a ligação a vários modelos de negócios associados à cultura nipónica à mesa, entre outros, incluindo restaurantes de fine-dining a hotéis de cinco estrelas, designadamente na Arábia Saudita, mas também em Portugal e na Noruega.

O saudável e a estética

Este trabalho de filigrana e de constante aprendizagem estende-se ao sushi, parte da cultura gastronómica do Japão que dá azo à imaginação, no que à estética diz respeito. “A cultura japonesa é muito meticulosa”, explica Miguel Bértolo, evidenciando a ligação à “estética alimentar”. Em paralelo, “é muito saudável, sem temperos nem gordura”, assegura. Segundo o chef, a base deste receituário tem origem no xintoismo e no budismo, ou seja, é de origem religiosa. 

Esta definição nada tem a ver com “a street food japonesa, mais mediática, mas não é saudável e tem muito a ver com a cozinha da rua chinesa”, esclarece. Em contrapartida, o ramen japonês, que, desde 2020, ficou célebre entre os entusiastas pelas cozinhas de outras latitudes, “tem-se desenvolvido mais, mas, para os puristas, é uma cozinha estrangeira”, sublinha.

De um modo geral, o chef Miguel Bértolo considera a existência de “restaurantes muito bons de cozinha tradicional japonesa”, em Portugal, profusão esta que se deve à grande influência dos jovens, que “têm um papel importante neste crescimento”.

A importância do arroz

De volta ao sushi, o arroz tem vindo a ser desenvolvido, no sentido de dar resposta às exigências da culinária nipónica. Sobre este ingrediente, o chef Miguel Bértolo realça a sua importância: “no plano curricular da cozinha japonesa, o produto final, seja o sushi, seja os outros pratos, o arroz tem uma representatividade entre 60 a 70 por cento da qualidade final do prato. Portanto, se temos um prato de arroz bem executado, temos conquistado mais de 50 por cento do prato final.”

“Estamos no ranking de quem consome mais arroz per capita, mas não existe a cultura do arroz em Portugal”, destaca. Sobre este assunto, o chef Miguel Bértolo explica, que, com a passagem do tempo, “o arroz vai perdendo propriedades e características”, motivo pelo qual os japoneses trabalham este produto, tendo em conta essas particularidades – nos primeiros quatro meses, após a colheita, este ingrediente está mais perfumado e tem menos açúcar; nos quatro meses seguintes, está no ponto ideal para cozinhar; nos últimos quatro meses, revela menos aromas, mas mais açúcar. Como os açúcares se tornam muito evidentes, este ingrediente é destinado a fermentações e cocktails. Por cá, “temos uma qualidade de arroz muito boa. Temos uma gastronomia excelente à volta do arroz, mas usamos temperos que escondem os sabores naturais do arroz”, sublinha o chef Miguel Bértolo. No Japão, é diferente, daí que a cultura deste produto “seja vista de outra forma” pelos nipónicos. Por tudo isto, o nosso entrevistado chama a atenção para o seguinte: “as pessoas ainda não estão sensibilizadas para identificar os prazeres e o brilho do arroz”, motivo pelo qual se recorre a condimentos. 

Neste alinhamento, o chef Miguel Bértolo destaca o papel da Shiro e da Novarroz, “porque estão a produzir e porque estão a preparar algumas das variedades mais interessantes no nosso mercado, o que faz com que o nosso mercado consiga obter uma excelente qualidade de arroz a preços mais simpáticos, algo que, até há pouco tempo, era caro.”

O tamanho do grão é outro dos aspetos a ter em conta na cozinha. Segundo o chef Miguel Bértolo, a variedade Koshihikari é ideal para a preparação de sushi, por se tratar de um arroz de grão curto e ter um sabor suave. A mesma indicação está associada ao Selenio, que permite trabalhar o prato em detalhe. O Calrose é uma variedade de grão médio, com uma textura pegajosa, quando confecionado, daí ser adequado, igualmente, para sushi e outros pratos orientais. Segundo o chef Miguel Bértolo, o arroz carolino, tão célebre na culinária portuguesa, graças à textura que confere a múltiplos pratos, também é de grão médio. Mas é de salientar ainda a versatilidade de outra variedade, a Poke bowl, que pode ser usada nos… poke bowls e, claro, no sushi, entre outras receitas asiáticas. Os arrozes de grãos compridos estão mais ligados à cozinha indiana.

Campeã no feminino

“Considero que os japoneses têm um gosto aprimorado pelo entretenimento de competição”, afirma o chef Miguel Bértolo, que se deixou seduzir por este espírito aventureiro levado a sério, já que é permitida a inscrição por parte de não-residentes no Japão. O resultado traduziu-se na conquista do prémio de vice campeão no World Sushi Cup, em 2017. O reconhecimento “teve um enorme impacto cá”, declara, o qual incrementou depois de arrecadar a distinção de vice-campeão europeu no European Washoku Cup Japan, decorrida em Paris, França, no ano de 2022. 

Rumo ao presente, o pódio do Campeonato Europeu de Sushi 2025 foi protagonizado por Cristina Elena Muñóz Fernández, da vizinha Espanha. O evento decorrido, em outubro, na Quinta do Jordão, na cidade do Porto, enalteceu-se pelo facto de ter sido a primeira vez que uma mulher conquistou o júri desta competição. Entre os 10 finalistas, a participante espanhola destacou-se com nota máxima nos três requisitos designados como principais para este desafio: qualidade, sabor e originalidade. 

Esta tríade de dotes reveladas pela concorrente espanhola deve-se ainda à virtude demonstrada, uma vez mais, por parte do produto utilizado, o arroz Shiro, da Novarroz, desenvolvido especialmente para a confeção de sushi. Esta característica foi determinante para que fosse selecionado para arroz oficial deste evento europeu, apesar da reputação que tem ganho a nível mundial, devido à qualidade do produto.

+ Shiro
+ Novarroz

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