… encaixadas em apenas quatro. Um contra-senso? Nada disso!
Afinal, ninguém nos impede de lá voltar. As vezes que quisermos!
Chegada
Noite cerrada. A muralha oculta a cor ocre do dia por debaixo de um laranja-amarelo-torrado sob os focus de luz espalhados ao longo do caminho percorrido de taxi até chegar à entrada da medina. À espera está o responsável pelo riad onde ficamos instalados, que depressa pega nas nossas malas e num marroquino-inglês-afrancesado nos pede que o sigamos. As ruas são estreitas e escuras e compridas… O tempo parece não ter fim, pois as ruelas ficam ainda mais estreitas e viram, ora à direita ora à esquerda. Um labirinto eterno iluminado pela lua e, finalmente, a porta. À nossa frente está o Riad Assala .
Primeiro dia
A mesquita Koutoubia, o símbolo de Marraquexe
Koutoubia. A mesquita, em tons terra, deu o nome à praça despida de mobiliário urbano. Ampla. Apenas isso. E cheia de gente. Mas não em tão grande número como na praça mais emblemática de Marraquexe. Os raios de luz do sol entram pelas frechas das velhas portadas das janelas gigantescas do quarto sem pedir licença. O ponteiro das horas ainda nem sequer está posicionado nas oito! E já estamos acordados. O barulho dos sinos é presença nula por aqui, pois estamos em terras dominadas pela mesquitas com os minaretes, dos quais ecoam as rezas do Corão. Na A Jema El Fna uma multidão de vozes impede o silêncio pronunciar-se. A música encanta as serpentes em movimentos sinuosos no ar. Somos intercetados por uma mulher. “Quer experimentar?” diz, enquanto aponta para a mão. Escassos segundos depois, a reposta é decidida com um misto de certeza e ceticismo: “Claro!” O resultado final prima pela beleza do traço, feito com hena, na minha mão. Perfeito! De repente, as vozes parecem encher, de novo, a praça, ao mesmo tempo que se enche de cor. Múltiplas cores. Tons vermelho, laranja, amarelo. Tons terra. As bancadas de frutos secos e especiarias emanam aromas, ora doces ora quentes. Uma mistura de cheiros mistura-se com as vozes, os risos, as notas de música das flautas, os ruídos longínquos dos automóveis… Encantador? Sim! Um outro mundo!
A Fnaque Berbere nas ruas da medina
Hora do almoço. Bougainvillea Cafe. Da porta da varanda, as buganvílias lilases trepam a parede exterior à nossa frente, num pátio ocupado por corpos que proferem palavras em diferentes línguas…Terminámos a refeição. A intenção é descansar no riad, pois o calor não dá tréguas! Mas o emaranhado de ruas que compõe o souk parece não ter fim! Chegamos a um cruzamento com indicação para a Jema El Fna. Curioso! Encontramos a célebre Fnaque Berbere – terá servido de inspiração para a homónima cadeia de lojas bem conhecida na Europa?
Muitos caminhos depois, estamos de regresso ao pequeno hotel Ao cair da noite sobre o pano de fundo de um branco-acizentado, deliciámo-nos com um repasto no terraço do Cafe Arabe . Magnífico! A noite está esplêndida e a comida ótima! O sorvete de limão e a laranja com canela? Deliciosos!
Segundo dia
Vista sobre o emblemático Atlas
Acordamos por volta das oito horas. As vozes que ecoam nos megafones estrategicamente colocados no minarete da Koutoubia confundem-se com o chilrear dos pássaros. E uma vez que, hoje, a viagem é longa, nada melhor que um pequeno-almoço reforçado!
O colorido do Jardin Majorelle
Chegamos ao Jardin Majorelle . O jardim botânico de Yves Saint Laurent e de Pierre Bergé, desde os anos 1980’, aberto ao público desde finais dos anos 1940’. Um lugar magnífico! Há catos, catos e mais catos! As cores fortes – azul, amarelo, vermelho – predominam no cenário entrelaçado pelo verde das plantas exóticas. As sombras das árvores que trepam as paredes, vestidas de flores, abraçam quem passa pelos caminhos que circundam os jardins, com cantos e recantos inundados de um silêncio aprazível que convida a ficar por um tempo infinito… Um refúgio mágico fora das muralhas que circundam a medina de Marraquexe.
Apesar da neblina permanecer por mais tempo, a temperatura não para de subir! Acompanhados pelo mapa da cidade, encontramos o Cafe du Livre. Ótimo, porque a hora do respasto está a chegar ao fim e há que forrar o estômago e alimentar a alma!
Fora das muralhas da medina, a arquitetura contemporânea domina o cenário urbano
De regresso à medina de Marraquexe, passamos pela zona mais nova da cidade. A sumptuosidade dos edifícios é notável, por baixo dos quais “moram” uma das cadeias internacionais de comida mais conhecidas em todo o mundo, bem como de lojas de marcas de roupa e acessórios de moda.
Discotecas? VIP e Diamante Noir. Não. Não entramos. “Preferimos” manter-nos fiéis ao nosso roteiro traçado para hoje e rumar à velha cidade. Entramos num jardim pertencente à Fundação Mohamed V repleto de oliveiras. Atravessamos a rua e visitamos um centro artesanal. Finalmente em “casa”. O João atreve-se a ir para a piscina, mas a água fria não o convence. Optamos por subir até ao terraço, onde mergulhamos na leitura… e à sesta.
A Praça Jema El Fna devolve o misticismo à cidade pela noite dentro…
Hoje jantamos na praça Jema El Fna! O espaço destinado a uma feira de vendedores, cuspidores de fogo, encantadores de serpentes… transforma-se num gigantesco restaurante a céu aberto! Depois de uma breve passagem de olhos pelas cozinhas que tão emblemático lugar oferece à noite, escolhemos uma… igual a tantas outras. Sentamo-nos. À nossa frente estão expostos os ingredientes para o repasto. Podemos escolher? Desejamos calamares, batatas fritas, azeitonas, beringela e pão. Recomendamos, porque a experiência é mesmo para repetir! Escusado será dizer que comemos sem talher, mas sim com as mãos, tal como os marroquinos o fazem. Sem tabus. Fotografias depois e um olhar atento ao ambiente enigmático, composto por um fundo laranja quase que obstruído pelo escuro, não resistimos ao gelado… Terminado. A partir de então, a noite acompanha-nos no silêncio das ruas até ao riad, onde subimos, primeiro, ao terraço. O céu está lindo!
Terceiro dia
Museu de Marraquexe
Uma vez mais, acordamos bem cedo! Ora vamos lá visitar os edifícios que, ao longo de séculos, fizeram história na cidade, como o Museu de Marraquexe. Um edifício enorme, com um imenso pátio onde a arte de azulejar casa na perfeição com a simetria do desenho. Um trabalho de mestria magistral traçado num legado deixado ao longo de séculos. Medersa Ben Yousses, a antiga universidade de Marraquexe para rapazes, com pequenos quartos – mesmo pequenos – de janelas diminutas, despojados de adereços decorativos, mas toldados de uma frieza imensa. E a Fonte Chrobo Ouchouf, lugar que, em tempos idos, ofereceu água canalizada à medina. Uma lição de história em três atos.
Les Palmeries. Um passeio – a pé – que, rapidamente, se transforma numa aventura. Inesquecível e inenarrável! Um feito extraordinário que insiste em tornar esta data inesquecível, até mesmo entre muros. Ruas desconhecidas que, de novo, se tornam num emaranhados de ruelas suspeitas…
Porque o dia é especial, o repasto da noite é no Le Foundouk . Um riad convertido num restaurante acolhedor e elegante, decorado com candelabros e lanternas que derramam uma luz dourada sobre cada detalhe pintado a negro ou no branco das paredes que tocam num teto alto de cor escura. A conversa funde-se com o repasto. Divinal!
A Praça Jema El Fna, Património Mundial da UNESCO desde 2008
Último dia
O dia é de partida. Mas não sem antes passear pelas ruas desta cidades encantadora que há muito sonhava visitar, sentir o cheiro e as cores… conhecer de perto as histórias das mil e uma noites numa Marraquexe de terra quente e gente afável mergulhada numa realidade tantas vezes incompreendida e receada, mas que pede, simplesmente, respeito, tolerância e simpatia genuína de quem vem até aqui. Um dia hei de sentir de novo as sensações de um lugar fascinante, sobretudo, à noite, quando as luzes dos candeeiros de rua pintam o cenário negro de um dourado imperioso!
Um dia hei de voltar para sentir o bulício dos souk, o cheiro peculiar deste lugar incomum. Um dia hei de voltar… •