“O respeito e a disciplina que a todos se impõe” / MUDE

A recente exposição do MUDE – Museu do Design e da Moda, em Lisboa, abre hoje as portas ao público no piso 2, com peças de mobiliário que contam a história do design, em Portugal, durante o Estado Novo.

“O respeito e a disciplina que a todos se impõe. Mobiliário para edifícios públicos em Portugal (1934-1974)” é o título da mostra que reúne cerca de uma centena de peças de mobiliário, marcadas pelo uso e pelas cicatrizes deixadas pelo tempo, sem esquecer as mezinhas improvisadas para colmatar os estragos, e cuja quase totalidade entram, pela primeira vez, num museu. Segundo Bárbara Coutinho, diretora do MUDE, esta exibição pública, que emerge do projeto de investigação “Móveis modernos. 1940/1980), do Centro de Investigação em Arquitectura, Urbanismo e Design, da Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa, é de “grande valorização e de preservação do património”.

Comissariada pelo arquiteto João Paulo Martins, a exposição resulta de um “desafio” que representa “um projeto de investigação a este espólio” com um “grupo multidisciplinar” que esmiuçou o inventário documental guardado no Forte de Sacavém e percorreu o país, para encontrar exemplares originais, dos quais a maioria tinha sido descartada dos espaços “oficiais”. Reunidos os objetos, a mostra, que conta com o design expositivo e o design gráfico de Pedrita (Pedro Ferreira e Rita João) e Nuno Caniça, é apresentada em quatro núcleos complementados com informação sobre móveis, os autores, os fabricantes e os edifícios para os quais foram desenhados, e nos quais as peças estão colocadas a 45° – “uma subtil regra da autoridade”, explica João Paulo Martins. “Serviço público é isto”, comenta o comissário, pois a exposição assume um trabalho em rede, “uma responsabilidade ética e política de gerar conhecimento”, continua Bábarba Coutinho, razão pela qual a diretora do MUDE revela a intenção de “dar uma nova casa a peças aqui expostas”.

O primeiro núcleo remete para as peças antecedentes à década de 1940′, à art déco e ao funcionalismo. Aqui “temos móveis descarnados, sem corpos”, observa João Paulo Martins. Ao lado, uma fila de plantas abre a exposição, com o intuito de a “humanizar”, detalhe que encontramos, ainda hoje, nos serviços públicos. O segundo, sobre o mobiliário rústico, que começa na década de 1940′ e continua até aos anos 1970′, representa a versão mais conservadora do Estado: “Há aqui um trabalho de adequação às diversas funções” no Estado e “o estatuto de cada um era representado pela altura [das costas] da cadeira”, diz João Paulo Martins. O terceiro núcleo aborda, por sua vez, o movimento moderno, datado a partir da segunda metade dos anos 1950′, com forte presença de peças inspiradas no mobiliário nórdico, “com novos materiais, geometrias complexas”, afirma o comissário da exposição. Daqui destacamos o trabalho do arquiteto João Andersen (1920-1967), para a Pousada de São Teotónio, em Valença, convertido na “harmonia por contraste”, tal como deocumentado, em que as peças de mobiliário internacional coabitam com móveis da sua autoria e rústicos, estes adquiridos em antiquários; e um sub-núcleo protagonizado por peças do arquiteto e designer Daciano da Costa (1930-2005).

O quarto e último núcleo expositivo representa os móveis-tipo, entre as décadas de 1930′ e 1960′, com coleções de peças de mobiliário para escolas – onde a madeira continuava a ser o material eleito, por decreto, para a produção dos móveis –, serviços administrativos e hospitais. Na mostra, três das peças representativas de um hospital de campanha são provenientes do acervo do Hospital dos Capuchos, em Lisboa. Neste espaço, estão patentes móveis dos anos 1950′ e 1960′, época do pós-guerra em que o aço entra na indústria de mobiliário, realidade exemplificada pelo mobiliário usado na Fábrica Braço de Prata, em Lisboa; e peças do designer português José Espinho (1916-1973), sobre quem o MUDE terá uma exposição “para o próximo ano”, revela Bárbara Coutinho. Ao fundo, estão patentes catálogos dos objetos que integram a exibição pública.

“O respeito e a disciplina que a todos se impõe. Mobiliário para edifícios públicos em Portugal (1934-1974)” demarca, deste modo, o papel do design de mobiliário em Portugal, bem como a ação desenvolvida pela Comissão para a Aquisição de Mobiliário, criada, em 1940 – e extinta 40 anos depois –, pelo Ministério das Obras Públicas e Comunicação, com a finalidade de reunir as tarefas inerentes aos estudos e aquisições de peças de mobiliário destinado aos edifícios representativos do Estado.

A mostra, aberta hoje ao público, está patente até 2 de novembro. Para visitar. •

+ MUDE – Museu do Design e da Moda
© Fotografia: Mutante