Gosto de viagens que vão para além da viagem. Como surfista costumo juntar às minhas a busca por ondas perfeitas mas, cada vez mais, dou importância a explorar, sem destino, as razões de cada destino, a conhecer emocionalmente os locais mais recônditos e de me embrenhar em vidas tão diferentes da minha. Essencial, sempre que possível, é fazer tudo isto acompanhado de bons amigos ou estar preparado para os fazer, novos e bons.
A viagem começou quando chegou o email de um amigo “do mar” que me apanhou desprevenido, sem defesas, logo com o campo de assunto: Sumatra 2014. Fiquei imediatamente nervoso, visivelmente afetado ao perceber que se tratava de uma viagem à Indonésia – os surfistas reconhecem facilmente estes sintomas –, onde todos os que deslizam nas ondas sonham ir e simplesmente ficar. O convite estendia-se a dez conhecidos, alguns por conhecer, com o sonho comum de atravessar o nosso mundo em busca de uma onda perfeita, aquela que nunca queremos encontrar para que esse mesmo sonho nunca acabe.
A expedição, na sua grande parte, teria como destino Telos, um pequeno grupo de ilhas remotas a norte de Sumatra e seria feita a bordo do Nauli, um barco explorado por um português que já há vários anos se perdeu como guia nestas águas longínquas.
Percorremos ondas perfeitas, conhecemos culturas igualmente perfeitas de tão imperfeitas que são. Experimentámos a gastronomia local e o modo de vida deste povo. Aqui sentimos mesmo que estamos no fim do mundo. Observámos com estranheza os costumes locais que nos observam de volta com a mesma estranheza pelas nossas ações e comportamentos. E não é isso que torna uma viagem interessante? Um mal-estar que se transforma em bem-estar, aventura, desafio e num desconforto confortável? E nesse desconforto vamos construindo viagem dentro da viagem, com amizades, projetos, saudades, ultrapassando barreiras culturais que nunca esqueceremos mais, momentos que ficam gravados na nossa memória para serem revisitados. E foi um desses momentos que escolhi para relatar em detalhe.
Foi na preparação que decidimos fazer também desta viagem mais do que uma busca por ondas, uma expedição de “boa onda”. Entre nós, surgiu a ideia de que podíamos levar a estas ilhas, como forma de agradecimento pelos momentos inesquecíveis que nos iam proporcionar, ajuda humanitária relevante para um país onde reconhecidamente abunda a pobreza. Se entrar nas profundezas da cultura e dos costumes nos ajuda a conhecer melhor um destino e a tornar a viagem enriquecedora, imaginem como será entrar nas suas feridas e ajudar a curá-las.
Percebemos que as aldeias a norte de Sumatra, teriam sido fortemente afetadas pelos terramotos e tsunamis de 2004 e 2010. E que um dos grandes flagelos destes desastres naturais é sempre a contaminação da água em rios e poços, tornando a falta de água potável na principal causa de mortalidade, chegando mesmo a ultrapassar os números da malária e da sida juntos.
Sabendo que sozinhos poderíamos não conseguir ajudar da forma mais correta, procurámos entidades com as quais pudéssemos colaborar e encontrámos a Waves4water, uma plataforma online criada por um ex-surfista profissional que, ao se aperceber da gravidade deste facto, apoia surfistas que querem servir de correio humanitário na gestão, na logística, na distribuição e no fornecimento de filtros de água a populações necessitadas. No nosso caso, os filtros (cerca de 30) foram entregues, acompanhados de uma sessão de esclarecimento e demonstração de funcionamento, em Tanahmasa, no arquipélago das Telo, numa povoação chamada Baluta. Água limpa para convidar este povo a fazer também uma viagem, por uma vida limpa de doenças. Água para lavar passados e enxugar futuros de quem tem muitas vezes, por falta dela, uma pequena esperança de vida.
E assim às ondas perfeitas juntámos momentos perfeitos e construímos uma viagem perfeita. Uma viagem recheada de pontos altos em todos os sentidos e com um lado mais humano que conferiu ainda mais significado para cada um de nós. Acredito que nunca esqueceremos aquelas ondas que apanhámos, a cultura que absorvemos, mas que também nunca esqueceremos os rostos de uma população inteira a contemplar, agradecida, um grupo de conhecidos, agora já grandes amigos, a deslizar nas ondas em frente à sua pobre aldeia tão rica para sempre nas nossas recordações.
Terima Kasih (obrigado)!
+ Sumatra Surf Trip
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© Texto: Frederico Roquette de Mendonça
© Fotografia: Gonçalo Ruivo e Vasco Canto Moniz